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Ano 9 - N° 425 - 2 de Agosto de 2015

ALMIR DEL PRETTE 
adprette@ufscar.br

São Carlos, SP (Brasil)

 
 

Almir Del Prette

A reencarnação e o medo à liberdade


Recentemente, folheei um romance espírita, desses cujos dramas se ancoram no relato de épocas diferentes: a do passado, uma descrição detalhada de vidas aquinhoadas de beleza, fortuna e poder; e a atual, em situação oposta, com as personagens amargurando reveses sem conta. Esses romances certamente contribuem na difusão da ideia reencarnacionista, porém, frequentemente, induzem a crenças equivocadas, fortalecendo a noção de que Deus dela se utiliza como instrumento punitivo-corretivo. Embora existam estudos histórico-filosóficos e relatos de pesquisas sobre a reencarnação, não pude deixar de refletir sobre a necessidade de abordá-la, por exemplo, em uma perspectiva sociopsicológica. É essa visão que será considerada neste artigo.

Como definir a reencarnação? Simplificando, mas sem esquecer Kardec[1], podemos dizer que a reencarnação supõe um mecanismo de sucessivas existências do Espírito, ao longo dos séculos, até o alcance de condição espiritual que dispensaria o seu retorno, salvo em caráter de missão voluntária. A noção de reencarnação é bastante antiga em várias culturas. Por exemplo, vamos encontrá-la nos livros dos Vedas, no Hinduísmo, no Judaísmo, entre os egípcios e em muitos filósofos gregos, como Pitágoras, Sócrates e Platão[2] e, mais recentemente, em relatos de pesquisa[3]

As premissas da ideia reencarnacionista 

A ideia da reencarnação se apoia em duas premissas: (a) que a alma é imortal e (b) que a alma progride continuamente. No Cristianismo, a noção de uma única vida também se baseia na imortalidade; contudo a condição evolutiva pessoal já vem definida desde o nascimento e para sempre. Ambos os dogmas, da reencarnação e da unicidade da existência, explicam a destinação final do Espírito, ou da alma. No primeiro caso, trata-se de um progresso contínuo, com diferentes experiências e aquisições. No segundo caso, a alma pode ser destinada às bem-aventuranças (céu), à situação de sofrimento relativo (purgatório) e à pena eterna (inferno). Por que o Cristianismo adotou a doutrina de uma única vida? Quais os conceitos subjacentes a essas doutrinas? São questões discutidas adiante.

Iniciamos por refletir sobre a difusão dessas doutrinas no tempo. Se a ideia reencarnacionista já estava presente no mundo, muitos séculos bem antes do surgimento do movimento cristão e até prevalecesse em algumas culturas, é razoável pensar que ela tenha, de algum modo, feito parte do modo de entender o mundo pelos pensadores da Igreja nascente. Recordemos que o Cristianismo nasceu na cultura judaica, cuja população, em geral, tinha uma noção vaga sobre a reencarnação, o que, entretanto, não acontecia na esfera do rabinato[4], salvo exceções.  

O Judaísmo ante a influência externa 

Além disso, o Judaísmo nunca foi um sistema verdadeiramente fechado e, em vários momentos históricos, foi bastante permeável à influência de outras culturas. Mesmo durante a fuga do Egito que, aparentemente, deveria fortalecer uma cultura judaica, havia a preocupação constante das lideranças em relação “aos desvios” religiosos do povo. E isto se deu, inclusive, algumas horas antes de Moisés aparecer com as “Pedras da Lei” (ver Êxodo, 32, 4-9). O mesmo ocorreu durante o período de dominação na Babilônia, de onde os judeus trouxeram o código de lei da reciprocidade entre crime-castigo (“olho por olho...”). Fato semelhante se repetiu durante a ocupação romana, quando o Sinédrio age com tolerância à pena de morte por crucificação. Considerando, por outro lado, que as lideranças do Caminho se esforçavam por manter uma relação amistosa com as autoridades do país, pode-se pensar que, durante algum tempo, o Cristianismo nascente conviveu com duas alternativas doutrinárias, a da existência única e a de múltiplas existências, reproduzindo, de certa maneira, a cultura judaica.

Qualquer uma das duas poderia ter prevalecido? Supõe-se que houve aceitação, durante algum tempo, da doutrina reencarnacionista e que a imperatriz Teodora tenha influenciado o Imperador Justiniano (527-565 d.C.) para eliminar da Igreja essa crença. No entanto, a história não acontece por acidentes ou caprichos individuais, sem que haja uma ideologia subjacente a lhe dar sustentação.  

Justiniano e a divinização de Jesus 

Nesse sentido, essa suposição sobre a influência da imperatriz pode ser apenas parte da verdade. Por um lado, Teodora[5] era movida pela ambição obsessiva de que Justiniano expandisse seu domínio sobre todo o Mediterrâneo oriental. Essa era sua maior preocupação. Por outro lado, o imperador sentia uma grande motivação por questões teológicas, o que não era do interesse de Teodora. Historicamente, foi Justiniano o principal articulador da divinização de Jesus pela Igreja. Adicionalmente, a noção de uma única vida iria favorecer o poder do clero sobre os fiéis e, consequentemente, a maior entrada de recursos. Na visão de Justiniano, tal estratégia aumentaria o seu controle sobre os bens da Igreja, facilitando o uso do pecúlio para as campanhas de conquistas. Seu lema “Um Estado, uma lei, uma igreja” representa a síntese dessa visão e explica seu empenho na convocação de concílios e ditames teológicos. Portanto, a noção da reencarnação foi excluída, menos por imposição de Teodora e mais por estratégia política. Justiniano faleceu no ano de 565 (d.C.) e, mesmo com o império em decadência, a Igreja continuou a aumentar sua riqueza e seu  poder.

A perspectiva espiritualista no mundo é anterior à materialista. Ainda que já existissem ateístas desde a época anterior a Jesus, as ideias filosóficas materialistas ganharam destaque com os pré-socráticos, como Demócrito, Leucipo e Epicuro. Contudo, o materialismo, enquanto escola filosófica, ganhou adeptos e status a partir do século XVI, com Leibniz[6].  

O Reino de Deus está dentro de cada um? 

Não há dúvida de que, até o início da Idade Média, era mais fácil aceitar a noção de Deus e da imortalidade da alma, do que uma visão materialista oposta. E isso, por um lado, devido à dificuldade de entendimento dos processos de nascimento e morte e, por outro, pelo fato de as leis que regem o Universo serem ininteligíveis, mesmo para a grande maioria dos pensadores. Além disso, sob essas crenças vicejavam templos e organizações sacerdotais, cujo poder ultrapassava o âmbito da religiosidade. A intimidade com um Criador, que concedia aos sacerdotes a decisão sobre quem deveria ser salvo, fortalecia o poder religioso e criava uma cultura de submissão e medo. A ideia de Jesus de que o Reino de Deus está dentro de cada um, podendo ser implantado no mundo, e não alhures, foi reinterpretada na perspectiva de um julgamento futuro. O resultado favorável, em tal julgamento, dependia da fidelidade aos dogmas e da mediação clerical, o que exigia poucos esforços de todos, fiéis e sacerdotes. A reencarnação, como um processo, já não tinha a mínima condição de aceitação, e a doutrina da única existência estava, pois, consolidada de acordo com a noção de um Jesus “Salvador”. Como que referendando essa posição, disseminou-se, também, a doutrina da mediação pelos santos, ou por Maria, dubiamente alçada à posição de mãe do próprio Deus. 

Salvacionismo versus Evolucionismo 

Pode-se inferir, portanto, que as doutrinas de única existência e de pluralidade das existências têm como base dois paradigmas culturais diferenciados. O primeiro, mais antigo, pode ser denominado de Salvacionismo. O segundo, que se opõe à noção salvacionista, pode ser chamado de Evolucionismo. Paradigmas culturais são conjuntos de ideias e normas que orientam crenças, valores, sentimentos e comportamentos. Um paradigma só entra em declínio quando outro responde, com melhor propriedade, às dúvidas e questões presentes. Ao longo de sua jornada no planeta, o homem criou mitos e crenças que, de alguma maneira, lhe explicavam o Universo, acalmavam suas dúvidas sobre problemas de difícil compreensão e abrandavam seus medos e angústias.

Várias emoções humanas atuam no sentido da sobrevivência e da evolução. Entretanto, o medo está relacionado à conservação, sendo o elemento base do paradigma salvacionista, onde o medo é acentuado e prevalece à busca da segurança, via proteção de um poder maior. A renúncia ao poder de pensar e decidir favorece a prática da submissão e da adulação aos mais fortes. A história da saga humana evidencia que o líder, para se fortalecer, incentiva a adulação a si e aos ídolos, que passam a representá-lo. Alguns dos ídolos primitivos foram idealizados como figuras bizarras, que despertavam temores inconscientes, mas uma vez subornados por rituais, se transformariam em protetores. Enfim, um poder com o qual o homem poderia contar, contra as forças destrutivas ignoradas.  

Com o salvacionismo o poder do clero aumentou 

A sedução e a adulação permanecem até hoje, e também o homem moderno se esforça por seduzir seus deuses ou aqueles que os representam, por exemplo, o dinheiro, a beleza, a força... Tal jogo não se restringe mais ao campo da religiosidade: é generalizado para as figuras midiáticas, a política, os negócios e as armas. E assim continuará enquanto houver prevalência do paradigma salvacionista em nossa cultura religiosa.

Com o salvacionismo, o poder do clero sobre as consciências aumentou consideravelmente. Daí, a proibição do intercâmbio com o mundo espiritual era uma providência calculada e necessária para evitar questionamento à autoridade sacerdotal. Além de tudo, a aceitação da comunicação com os mortos poderia colocar em dúvida alguns dos dogmas estabelecidos pelos teólogos, por exemplo, o das penas eternas.

Aproximadamente no ano 300 (d.C.) o clero já estava bastante organizado, tendo o bispado fortalecido seu poder na hierarquia da Igreja. Em consequência, o uso de privilégios principescos por parte dos bispos era aceito quase sem oposição. A subserviência interna dos frades e párocos e os conchavos e alianças do clero, em geral, com reis e imperadores se transformaram em prática comum. Portanto, a aceitação da doutrina de uma única existência, e a consequente rejeição da noção de reencarnação, não ocorreu devido ao capricho de uma imperatriz, nem foi resultante de uma opção filosófico-teológica, mas, sim, uma estratégia política, fortalecendo a ordem e o poder estabelecidos. Já no século IV, além da introdução do dogma do pecado original, se deu a conversão do Império Romano ao catolicismo. Estava, pois, estabelecida a supremacia de uma Igreja, a católica, sobre as demais e a sua cumplicidade com o poder temporal[7]. 

Do paradigma evolucionista advém o medo 

A doutrina de uma única existência, ainda que deixasse a noção de um Criador em situação delicada, pois é indefensável em termos de lógica sobre alguns de seus atributos, favorece, e muito, o poder dos clérigos. Ao subordinar o futuro da alma ao seu controle, a Igreja desenvolveu duas ações que se complementam: o fortalecimento de sua autoridade e a compra/venda da salvação. É pouco provável que isso pudesse ter acontecido, caso a pluralidade das existências fosse aceita, como pode ser verificado, por exemplo, no Budismo. Na perspectiva evolucionista, Jesus seria aceito como um modelo evoluído, com missão educativa em relação à humanidade. Tal missão Lhe foi outorgada por Deus, seu pai e nosso pai. Ter alguém que auxilia o homem em sua caminhada evolutiva é muito diferente de ter um salvador. Do paradigma evolucionista decorre uma liberdade difícil de ser aceita, pois exige outra maneira de encarar a vida. Ela produz medo, pois o homem se vê responsável pelo seu destino presente e futuro. Quando, nesse processo, o indivíduo começa a intuir que deve se avaliar e superar sua condição espiritual presente, seu medo pode aumentar a ponto de gerar conflito entre uma ou outra posição. Entretanto, há uma fase de seu desenvolvimento da qual não consegue mais retornar aos bons tempos da crença em um Salvador. Nesse caso, ele deve enfrentar também os seus receios e precisa compreender que essa é uma experiência solitária, mas que, no entorno, ele pode contar com a solidariedade de muitos Espíritos (nos dois planos) que vivem ou viveram condição semelhante e esperam uma oportunidade para ajudá-lo.


 

[1]   Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. IDE: Araras (SP), 2002.

[2]   Wikipedia. Acesso em 7 de junho de 2015

[3]   Ver Stevenson, I. Vinte casos sugestivos de reencarnação. Editora Vida & Consciência. São Paulo

[4]   DovBer Pinson. Reencarnação e Judaísmo. São Paulo (SP): Maayanoti, 2015.

[5]   Wikipedia. Acesso em 21 de junho de 2015

[6]   Wikipedia.Acesso em 28 de junho de 2015.

[7]   Emmanuel, Francisco Cândido Xavier(1939). A Caminho da Luz. Brasília (DF): FEB.


 


 
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