O mais difícil é o que conta
Fui procurado, certa feita, por um senhor muito bem
vestido, que desejava comigo um diálogo fraterno. Ele
havia assistido a uma palestra minha, cujo tema fora a
sexualidade, e tinha algumas dúvidas a esse respeito.
Nos encontramos e ele me colocou sua condição. Era
professor da Universidade, casado, com três filhos já
adultos e tarefeiro do centro espírita onde eu havia
feito a palestra. Ele se considerava muito bem, na atual
encarnação, do ponto de vista moral. Professor dedicado,
benquisto pelos alunos, bom pai, muito amigo dos filhos
e excelente espírita, estudioso e trabalhador. Só havia
uma pequena questão que o intrigava: o fato de, embora
casado, ter, eventualmente, umas namoradas. Ele queria
saber até que ponto isso era grave do ponto de vista
espiritual.
Eu então lhe perguntei:
- O senhor faz muito esforço para ser um professor
competente e dedicado?
- Não, nem um pouco - respondeu ele. Leciono por amor à
profissão.
Voltei a perguntar:
- O senhor faz muito esforço em ser bom pai?
- De jeito nenhum... amo de paixão meus filhos!
Retornei com uma última pergunta:
- O senhor faz muito esforço em ser um trabalhador
espírita responsável?
- Também não. O Espiritismo é a luz que ilumina minha
vida!
Voltei-me, então, para ele e disse:
- É uma pena..., mas o senhor não está bem não, do ponto
de vista moral.
Ele, surpreso, exclamou:
- Mas como não, se sou bom em tantas coisas.
E eu:
- O senhor é bom apenas nas coisas que não exigem do
senhor sacrifício, renúncia e luta íntima. Tudo aquilo
que o senhor diz ser bom é feito sem esforço, ou seja,
consiste em lutas passadas. O senhor já superou esses
desafios. A única coisa que lhe exige o esforço de
agora, o senhor não faz. Lamento, mas acho que não está
indo tão bem assim.
Acredito que esse fato se identifique com uma passagem
evangélica, que costuma causar estranhamento, a do Moço
rico.
Segundo Mateus, 19:16-30, um
homem que era muito rico chegou perto de Jesus e
perguntou:
— Mestre, o que devo fazer de bom para conseguir a vida
eterna?
Jesus respondeu, sugerindo que ele deveria seguir os
mandamentos: “Não
matar, não cometer adultério, não roubar, não dar falso
testemunho contra ninguém, respeitar
os pais etc.
O jovem retrucou dizendo que já fazia tudo isso. O que
mais lhe faltava fazer?
Jesus,
então, após perscrutá-lo mentalmente, respondeu:
— Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem, e
dê o dinheiro aos pobres, e assim você terá riquezas no
céu. Depois venha e me siga.
Segundo o texto, quando
o moço ouviu isso, foi embora triste, pois era muito
rico.
A perplexidade de quem se depara com esse relato é a
dureza da proposta de Jesus. Coitadinho! Dar tudo aos
pobres e ficar pobre como eles.
Na verdade, o objetivo de Jesus era mostrar-lhe onde se
encontrava a sua fragilidade moral. Todas as demais
virtudes ele já as havia conquistado, faltava uma: o
desapego aos bens terrenos. Ali deveria se concentrar a
sua luta pessoal.