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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Por que as pessoas temem tanto a morte?


A pergunta que intitula este artigo é pertinente à medida em que coletei inúmeros e surpreendentes comentários ao longo da vida – e pasmem, inclusive partindo de espíritas atuantes - a respeito do receio da morte. Por essa razão, retorno ao tema, já que a morte é um fenômeno natural sobre o qual somos lembrados praticamente todos os dias em virtude do falecimento de um parente, amigo, pessoa que admiramos ou desgostamos e assim por diante. Ou seja, a morte espreita constantemente as nossas vidas, e um dia com certeza haveremos de enfrentá-la por um motivo ou outro. E isso é um fato inquestionável da vida! Sendo essa a realidade que nos cerca, por que, então, não nos empenhamos em melhor compreendê-la?

Na verdade, as pessoas demonstram – pelo menos foi o que inferi da maioria das conversas que travei com indivíduos de diferentes extratos sociais e intelectuais – enorme desconforto, temor ou mesmo absoluto medo de morrer, sem falar da indiferença claramente expressada pelos mais céticos. Em resumo, há, infelizmente, muito tabu ou ignorância sobre a morte, e ainda pouco interesse em desvendá-la. No entanto, a morte está aí em nosso dia a dia, e se preparar para ela é, antes de mais nada, uma questão racional.

À guisa de exemplo, não faz muito tempo assisti a um vídeo de um líder de determinada agremiação religiosa expressar certo desdém sobre o que virá depois. Foi chocante constatar a sua total ausência de transcendentalidade, considerando especialmente a sua profissão. Fiquei com a nítida impressão de tratar-se de um assunto irrelevante na sua visão. Aliás, este mesmo cidadão – vale a pena recordar – é protagonista de outro vídeo no qual ele prega - sem a menor desfaçatez - aos seus seguidores para que deixem seus bens materiais para a sua entidade religiosa em detrimento dos seus familiares. Tais recursos, advoga ele sem nenhum constrangimento e pudor, servirão à expansão da sua instituição.

Lamentavelmente, há muitos líderes religiosos que dirigem as suas entidades como autênticos empreendedores da fé, e a sua retórica gira em torno da obtenção de bem-estar material e, assim, pouco ou nada abordam os assuntos da alma. Quanto à morte propriamente dita, vendem um discurso e/ou pregação sem nenhuma base sólida ou coerência. Por conseguinte, tais religiosos acabam se comprometendo consideravelmente perante a Espiritualidade Maior. A propósito, o Espírito Amélia Rodrigues, no livro Vivendo com Jesus (psicografia de Divaldo Pereira Franco), com acerto pondera que “Não raro, as preocupações materiais com o êxito terreno [incluindo aí o comércio religioso] anulam as realizações transcendentes, substituindo os ideais de enobrecimento”.

Por sua vez, o Espírito Alexandre, na seminal obra Missionários da Luz, de autoria do Espírito André Luiz (psicografia de Francisco Cândido Xavier) esclarece que:   

“[...] Os desvios das almas que receberam tarefas de natureza religiosa são sempre mais graves. Existem padres [o raciocínio é válido para todos os religiosos] que, contrariamente a todas as esperanças de nosso plano, se entregam completamente ao sentido literal dos ensinamentos da fé. Recebem os títulos sacerdotais, como os médicos sem amor ao trabalho de curar, ou como os advogados sem qualquer espécie de devotamento ao direito. Estimam os interesses imediatos, requisitam as honrarias humanas e, terminada a existência transitória, se encontram em doloroso fracasso da consciência. Habituados, porém, ao incenso dos altares e à submissão das almas encarnadas, não reconhecem, na maioria das vezes, a própria falência e preferem o encastelamento na revolta lamentável, que os converte em gênios das sombras. Neste particular ... devemos reconhecer que semelhante condição, neste lado da vida, é a de todos os homens e mulheres, de inteligência notável, com primores de cultura terrestre, mas desviados do verdadeiro caminho de elevação moral.[...].” (ênfase minha)

Nada mais esclarecedor, convenhamos. Uma respeitável entidade espiritual consignando uma criteriosa análise sobre os eclesiásticos desvirtuados, e que também não cogitaram sobre os que lhe aguardam além-túmulo. De minha parte, tive a oportunidade de trabalhar em atividades de doutrinação por muitos anos a fio nos quais pude dialogar com dezenas de Espíritos. E o que sempre me chamou a atenção nesta sensível tarefa foi o estado de penúria dessas entidades. De fato, a esmagadora maioria encontrava-se sob penosas condições e, em seus relatos, transbordavam um completo despreparo para o enfrentamento da vida após a morte.

Em outras palavras, o senso de continuidade da vida não lhes tocava a alma quando estavam encarnados. Em decorrência disso, dedicaram-se totalmente às questões da existência corporal, mas negligenciaram os assuntos do porvir. Colhidos pela dura realidade espiritual, após o desfecho da jornada material, muitos lamentavam a falta de conhecimento e preparo à nova condição de Espíritos desencarnados. Moral da história: muitos enfileiram encarnações em sequência sem um avanço espiritual significativo, já que não se preparam convenientemente para o  retorno à dimensão espiritual.  

Nesse sentido, como bem explica Amélia Rodrigues, também na obra acima citada:

“O ser humano é aprendiz rebelde da evolução, que opta pelo prazer de efeitos imediatos, embora anestesiantes, em detrimento da alegria pura e profunda de curso demorado. Por isso, encontra-se, invariavelmente, percorrendo o estreito corredor das amarguras quando poderia passear pelas imensas paisagens livres do bem-estar.” 

De forma semelhante, o pungente depoimento do Espírito Otília Gonçalves, em Além da Morte (psicografia de Divaldo Pereira Franco), merece nossa profunda reflexão:

“Quantas aflições e remorsos, receios e ansiedades visitaram minha alma, depois do túmulo, não sei dizer.

“Constatei que a vida prossegue sem grandes modificações, oferecendo a cada alma, no cadinho evolutivo, as bençãos ou punições de que se faz credora.

“Atormentados do sexo continuam ansiosos.

“Escravos do prazer prosseguem inquietos.

“Servos do ódio demoram-se em aflição.

“Companheiros da ilusão permanecem enganados.

“Aficionados da mentira dementam-se sob imagens desordenadas.

“Amigos da ignorância caminham perturbados.

“Somente as almas esclarecidas e experimentadas, na batalha redentora, caminham em liberdade, desfrutando a dádiva da esperança entre sorrisos e realizações.”

Portanto, conhecer a realidade espiritual que nos envolve, além de ser um imperativo da vida, pode tornar nossas existências mais enriquecedoras, bem como mais cuidadosos em nossos passos, atitudes e modo de ser. Se formos bem em relação a isso, não há nada a temer em relação ao inevitável advento da morte que um dia nos alcançará, consoante a vontade de Deus, pois teremos paz e mérito para receber as bênçãos divinas.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita