Artigos

por Paulo Hayashi Jr.

 

The Great Reset e o Espiritismo


Diversos momentos da história do planeta Terra marcaram época e merecem destaque para uma análise panorâmica do progresso geral. Desde a passagem das glaciações com a chegada da escrita, bem como dos tempos modernos e de sua virtualização. Dentre todas as épocas, certamente Jesus Cristo representa o ponto culminante da humanidade, na separação da história entre o antes e o depois dele. Outro ponto é o final da Idade Média, no século XV d.C., que representa a volta das cidades como aspecto principal da vida humana, em destaque com o incentivo das grandes navegações e comércios através dos burgueses, ou simplesmente comerciantes que negociavam próximos dos castelos (burgos) dos senhores feudais. Em conjunto com as navegações, formaram-se também as monarquias nacionalistas, o que acabaria gerando os países modernos, ainda que constituído e alterado conforme as configurações de poder e interesse de épocas específicas.

Outro marco fundamental é o aparecimento da máquina a vapor e a revolução industrial em meados do século XVIII d.C., cujo berço, a Inglaterra e sua política expansionista, propiciou o surgimento do Império Britânico, representativo até hoje. Por exemplo, destaca-se o predomínio do inglês como língua principal da ciência e a concentração das editoras de revistas científicas e bases de dados em seu território.

Mais recentemente, com a revolução digital, a qual poderia ser chamada de terceira onda[1] (a primeira seria a revolução agrícola, a segunda a industrial) de mudança da humanidade fez com que o conhecimento técnico-intelectual desbancasse os fatores financeiros e os fatores produtivos como os principais responsáveis pela criação de valor e riquezas. Neste sentido, a ciência como produto das universidades que surgiram no final da Idade Média, possibilitou a aceleração deste período de acumulação e uso de conhecimentos de modo prático e até mesmo revolucionário.

Todavia, a ciência ainda é reticente aos valores espirituais e os estudos de religião e espiritualidade não representam o mainstream da ciência moderna ocidental. Apesar do recente interesse, como diria Carl Gustav Jung[2], a ciência ocidental dá preferência às leis de causa-efeito no sentido mecânico, ao invés das ciências orientais que preferem a sincronicidade e os mistérios do reino mágico primitivo. Assim, a base moral, fundamental para a construção de uma sociedade sadia, ainda não representa o interesse dominante da ciência moderna. O avanço tecnológico não foi acompanhado do desenvolvimento moral.   Deste modo, tem-se que invenções modernas podem vir tanto para o bem como para o mau.

Um fator relevante é que quanto mais desenvolvido é a inteligência, maior é o potencial de fazer o mau uso dela, caso não haja as travas da educação e da moral ou alguma outra força que faça contraponto. As bombas atômicas que caíram sob as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki representam um ponto culminante no século XX deste mau uso. Como expressa Emmanuel[3]: “E cooperadores surgem que se valem da mordomia para exercer a dominação cruel, que se aproveitam da inteligência para intensificar a ignorância alheia ou que estimam a enxada prestimosa, não para cultivar o campo, mas para utilizá-la no crime”. 

Neste sentido, é vital perceber que a mudança do mundo de provas e expiação para de regeneração não vem sem atrito e até mesmo conflito.  Ou seja, de modo figurado, não é possível limpar uma piscina há tanto tempo suja sem levantar a sujeira do fundo. O despertar precisa passar pelas últimas horas, tal como o momento da noite que obrigatoriamente passa pelo extremo do relógio e daí para a madrugada até a chegada do novo dia.

Neste ponto, apesar de toda preparação, ficamos a auxiliar a vinda dos novos tempos e todo acontecimento relacionado merece ser observado e analisado com cuidado. Assim, como modo de despertar a atenção do movimento espírita para alguns macroacontecimentos mundiais, o Fórum Econômico Mundial (FEM), que representa as principais empresas e governos do planeta Terra, propõe em sua agenda aquilo que se chama de The Great Reset ou o “reboteio” da economia mundial. Tal questão foi favorecida pelo surgimento da pandemia da Covid 19 a partir de março de 2020[4].

Em termos históricos, o Fórum, chamado inicialmente de Simpósio Europeu de Gestão, teve o começo de suas atividades em 1971 com a intenção de unir diferentes partes interessadas, também chamadas de stakeholders, para aproximação de agendas e a resolução de problemas comuns. O evento, com foco na integração da Europa, a partir de 1987 passou a ter como âmbito todo o planeta. O Fórum é mais conhecido pela sua reunião anual em Davos-Klosters (Suíça)  a cada mês de janeiro, sendo um clube da ultraelite econômico-política da Terra.

Uma das preocupações do Fórum é a questão da população do planeta, sendo que em 2014, com uma população mundial aproximada de 7,25 bilhões de pessoas[5], o Fórum já buscava encontrar maneiras de desenvolver o “reset” da economia e da sociedade. De modo complementar, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou programa semelhante em 2015, chamado de Agenda 2030.

Com a vinda da pandemia da Covid-19 em 2020, o FEM aproveitou para lançar, através do seu fundador e dirigente principal, Klaus Schwab, o livro “Covid 19: The Great Reset[6]”. Mas, o que seria este reset? O que seria esta nova economia, também chamada popularmente de Nova Ordem Mundial (NOM)? Seria algo que viria de encontro com o mundo de regeneração? Ou não?

No livro de Schwab e seu coautor, Thierry Maller, lançado em julho de 2020, propõe-se que o mundo atual apresenta as características de interdependência, velocidade e complexidade. Neste sentido, globalização, mudança tecnológica acabam implicando nestas características, bem como a necessidade de um gerenciamento global. Uma espécie de supragoverno mundial que decide o que é preciso para toda uma população. Em uma metáfora utilizada no livro, todos estão no mesmo barco.

Com a urgência ambiental, há uma necessidade de cuidar do planeta, do lado verde, bem como de se cobrar por este cuidado. As práticas ambientais acabam se tornando elemento obrigatório para o mundo moderno sobreviver e seguir adiante. Por isso, o petróleo precisa ser substituído por fontes renováveis e verdes. As organizações modernas passarão assim a ser defensoras do verde, bem como terão que enfrentar também este mundo perigoso de potenciais crises futuras globais. Um dos perigos apontados pelo FEM é a possibilidade de surgimento de novas pandemias e eventos climáticos adversos, tal como inundações, degelo e outras catástrofes naturais. Questões de fome zero e má distribuição da riqueza e outras agendas sociais também fazem parte do pacote. Por outro lado, realidade virtual aumentada, mundos virtuais representam parte de destaque da nova economia, bem como as criptomoedas e outras tecnologias de trocas e interações sociais através da internet.

As mudanças e o “reset” também acabam indo para o nível do indivíduo. O medo expõe a fragilidade humana e devido aos períodos de lockdown com separação da família e outros membros da vida social sadia, aparecem a necessidade desta alteração de comportamento. Ou como dizem os autores do livro, de nossa humanidade, para o bem ou mal. A perda de uma identidade forte e integral, bem como o enfraquecimento dos laços sociais e familiares tornará o indivíduo mais vulnerável e ávido, ao mesmo tempo, para estas escapadas virtuais. O que poderá dificultar a conscientização do ser para as macro-necessidades do espírito.

Diferentemente de um desastre natural que une as pessoas, a pandemia gera sua separação e também, certo sentimento moral de impotência e vergonha. A vergonha de ter abandonado ou perdido algum familiar, ou então, algo similar como a dependência e a falta de informação. Esta vergonha acaba se tornando um “peso na consciência”, o que pode gerar sacrifícios ou vínculos emocionais de reparo, tal como pagamento de impostos verdes ou sociais. Outro ponto é a carga de estresse, de desgaste emocional e de falta de bem-estar como um todo.

Por outro lado, segundo os autores, crises como as pandemias podem auxiliar no fortalecimento do indivíduo, desde que focada no ângulo certo, ou ainda, com as atitudes e condutas corretas. Nas palavras finais dos autores (Schwab, Maller, 2020):

Encontramo-nos agora numa encruzilhada. Um caminho nos levará a um mundo melhor: mais inclusivo, mais equitativo e mais respeitoso da Mãe Natureza. O outro nos levará a um mundo que se assemelha ao que acabamos de deixar atrás - mas pior e constantemente atormentado por surpresas desagradáveis. Temos, portanto, de acertar [as escolhas]. Os desafios iminentes poderiam ser mais consequentes do que temos até agora optado por imaginar, mas a nossa capacidade de reiniciar também poderia ser maior do que nos atrevemos a esperar anteriormente.[7].

Todavia, esta encruzilhada e sombreamento entre o mundo de regeneração e Great Reset não pode ser assumida como idênticas ou similares sem averiguação minuciosa. É preciso verificar se não há agendas ocultas, bem como as bases morais de seus idealizadores e possíveis consequências para o progresso do indivíduo, do espiritismo e da sociedade como um todo. É desejado a vinda do mundo de regeneração, mas não podemos deixar de orar e vigiar durante o processo[8].  

Sem dúvida nenhuma, o maior dos males pode ser implementado quando não se desconfia dos perigos, principalmente ao envolver um controle planetário por uma pequena elite global. Enfim, as narrativas podem usar de premissas justas (causas ambientais e sociais) para disfarçar as distorções para exploração e outras formas de domínio e controle social. Por isso, nas recomendações de Jesus: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas[9]”.

Portanto, o movimento espírita deve estar atento aos eventos globais, principalmente de players de imensa envergadura que buscam impor um novo mundo, mas sem as devidas reformas internas. Enfim, medo, isolacionismo, falta de esperança, descrédito em Deus podem servir como nutrientes para colheitas amargas na esteira da humanidade. Que a Paz de Cristo nos abençoe sempre.


 

[1] Alvin Toffler. A terceira onda. Rio de Janeiro: Record, 1981.

[2] C.G.Jung. Sobre sentimentos e sombra. Petrópolis: Vozes, 2015.

[3] Emmanuel. Vinha de Luz. Cap. 106, p. 226. Brasília: FEB, 2018.

[4] Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) - link-1

[5] Fonte: link-2

[6] Schwab, K.; Matter, T. Covid 19: The great resetForum Publishing, Julho 2020.

[7] Tradução nossa.

[8] Mateus 24:42-44.

[9] Mateus 10:16.



 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita