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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 458 - 27 de Março de 2016

ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)

 


Asas de cera

O homem nunca poderá realizar-se nem realizar o mundo
se não encontrar o Cristo
 

“Quando se voa muito alto e se ultrapassa os limites do bom senso, se cai com facilidade na frustração ou no desencanto de viver.”-      Lourdes Catherine[1]


Assim como não existem duas folhas iguais no reino da Natureza, cada criatura que existe é um universo à parte, singular, sem similar... Por isso mesmo, nós não temos que ser como os outros, nem mesmo ser como idealizamos e não conseguimos e tampouco achar que deveríamos ser tratados pelos outros desta ou daquela forma e muito menos deixar que desmedidas ambições tomem o comando de nossas vidas.

As decepções pelas quais passamos originam-se muitas vezes de uma autoavaliação muito generosa, muitas vezes completamente apartada da realidade.

Fénelon alerta-nos para a questão desses tormentos voluntários[2]: “(...) malgrado às vicissitudes que formam o cortejo inevitável da vida terrena, poderiam as criaturas pelo menos gozar de relativa felicidade, se não a procurasse nas coisas perecíveis e sujeitas às mesmas vicissitudes, isto é, nos gozos materiais em vez de procurá-la nos gozos da alma, que são um prelibar dos gozos celestes, imperecíveis; em vez de procurar a paz do coração, única felicidade real neste mundo, o homem se mostra ávido de tudo o que o e turbará e, como que de intento, cria para si tormentos que estão nas suas mãos evitar.

(...) Que de tormentos, ao contrário, se poupa aquele que sabe contentar-se com o que tem, que nota sem inveja o que não possui, que não procura parecer mais do que é. É sempre calmo, porque nunca cria para si necessidades quiméricas”.

Assim, manter o “plano de voo” de nossas vidas na altura mediana dos limites da realidade, tal o ideal que devemos perseguir, a fim de não nos “queimarmos” com os raios abrasadores dos altiplanos ainda inatingíveis pelas nossas possibilidades ou mergulharmos nas águas profundas dos equívocos, “afogando” as oportunidades que nos são oferecidas.

A mitologia grega falando do célebre voo de Ícaro poderá auxiliar-nos a compreender melhor o tema. Eis o que ensina Lourdes Catherine1: “o mito grego de Dédalo e Ícaro ilustra o caminho em busca da realidade. É típico de todos os seres humanos o uso das asas da imaginação.  

A princípio, Ícaro achou ousado o plano de Dédalo, seu pai, genial escultor-arquiteto; mas depois, a seu lado, começou a procurar um meio de construir as asas que os salvariam do Labirinto de Cnossos. Primeiro, reuniram penas de aves e as selecionaram de acordo com o tamanho. Em seguida, amarraram-nas com fios de linho e as fixaram firmemente com cera, umas às outras.

Antes de partirem, Dédalo recomenda ao filho muito cuidado. Pede que ele voe em altitude mediana, para não molhar as asas no oceano nem derretê-las ao contato com os raios solares.  

Encantado com as nuvens, o Céu e os pássaros, Ícaro perde completamente a noção de perigo. Voa demasiadamente alto, e o calor do sol lhe queima as asas, dissolvendo a cera que unia as penas. Assim, ele é lançado nos abismos dos mares.

As pessoas costumam colocar suas expectativas num nível excessivo de aspiração, propondo em seus projetos de vida um anseio desproporcional ou superior a suas habilidades.

Ícaro é o protótipo das pessoas que ultrapassam os níveis de possibilidades interiores. Não aceitam a própria fragilidade de seu potencial e cedem ao ditador interno, que as constrange a agir acima de suas possibilidades. Esse déspota interior representa uma autoimagem falsa, construída sobre qualidades que a criatura ainda não possui.

(...) O voo de Ícaro resulta em uma busca de enganosas realizações. Ao vencer as alturas, ele presumiu que tinha consolidado sua idealização efêmera, mas foi surpreendido pelos raios solares, que desmancharam a cera da ilusão. Como estavam ainda adormecidas suas reais potencialidades latentes, perdeu a sensatez e o equilíbrio, destroçando a si mesmo. Voou alto demais!...

O sentido dessa história mítica é claríssimo: o Sol – estrela provedora da vida na matéria – representa as leis da Natureza obedecendo à Divina Providência. Esse “astro-rei” (lei natural) guia os homens em sua marcha evolutiva e corrige suas incoerências; por isso, queima-lhes as asas idealizadas, conclamando-os ao equilíbrio e ao bom senso, e utilizando, sempre que preciso, da decepção ou da desilusão.

O homem só se liberta através do próprio trabalho interior. Nenhuma tarefa é maior ou melhor que outra.  Somente aquele que descobriu o seu dever na Terra é que pode ser libertado da cruz de causa e efeito, à qual a ignorância de si mesmo o pregou”.

JESUS E O AUTOENCONTRO

Os Benfeitores Espirituais revelaram a Kardec[3] que Jesus é o Espírito mais perfeito que Deus ofereceu à humanidade para servir-lhe de guia e modelo. Assim, só nos encontraremos a nós mesmos seguindo esse Singular Modelo e Guia!

Podemos perceber o quanto de razão tinha Sócrates ao aconselhar o célebre: “conhece-te a ti mesmo”!

Dentro do espírito desse axioma socrático, e embora – provavelmente – desconhecendo a Codificação Espírita, escreveu o célebre escritor francês Michel Quoist[4]:                     

(...) “verdadeiramente, forte e equilibrado, só o é aquele que consegue recolher todas as suas forças e, após reordená-las, submetê-las ao Espírito em função de seu valor próprio.

O sonho do homem é ser totalmente senhor de sua existência. E tem razão, pois sua superioridade sobre o animal consiste em poder analisar-se, analisar o mundo, julgar e dirigir sua vida segundo as normas de seu ideal. Mas muitos homens que se julgam donos de sua ação, são, de fato, mais ou menos escravos de seu corpo e de sua sensibilidade. Não conseguiram estabelecer e manter sólida a hierarquia de suas faculdades. Estes, ou não são lúcidos, ou não contam senão com suas próprias forças para se manterem “de pé”.

O homem nunca poderá realizar-se nem realizar o mundo, se não encontrar o Cristo. Enquanto ele não tiver interiormente encontrado o Cristo, sua religião consistirá em gestos vazios de sentido, uma vaga sentimentalidade ou simples hábito social. Ora, Jesus está vivo no Evangelho. Ele nos espera para vir ao nosso encontro e manter um diálogo conosco.

Muitos cristãos fracassam em suas exegeses do Evangelho por falta de perseverança, disponibilidade, ou talvez, ainda mais, ignoram como abordá-lo. Não se trata de “adaptar” o Evangelho a uma apresentação humana, e sim, de ensinar aos homens o que é o Evangelho e como devem contemplá-lo para vivenciá-lo.

O conhecimento e aplicação do Evangelho ajuda a criatura a construir-se.  Psicologicamente, pouquíssimas pessoas são realmente “construídas”, permanecendo como construção inacabada. Poucos homens foram capazes de ordenar e pôr no devido lugar os diferentes planos de seu ser. Poucos são equilibrados, ou porque ninguém os ajudou a se construírem (educação), ou porque nunca se construíram a si mesmos, ou porque se deterioraram, ou porque os outros, as coisas, as circunstâncias, a vida, as estruturas os deterioraram...

São três os níveis do homem bem construído: o físico, o sensível e o espiritual.

Esses três planos se interpenetram, comunicam-se, reagem uns sobre os outros, mas sua hierarquia deve ser respeitada; o físico é o último, o menos nobre, e o espiritual está acima de todos, e é o mais belo.  Se a ordem dos valores não for conservada, a construção fica mal feita, e o homem se desagrega... Alguns homens andam de cabeça para baixo. O homem não foi feito para isso!

ANDAR DE CABEÇA PARA BAIXO

Andamos de cabeça para baixo quando o físico – o corpo – assume o comando. É a sensualidade sob todas as suas formas.  

Se o corpo decide e ordena, e se lhe obedecemos, o seu peso esmagará todo o resto em nós.  Nossa sensibilidade se embotará, o espírito se asfixiará e se tornará “anêmico”.

Talvez o corpo não tenha tomado completa e definitivamente as rédeas do poder. Mas, se você se observar lealmente, surpreender-se-á mais de uma vez andando de cabeça para baixo: o prato apetitoso a que você não pode resistir, o doce, o copo de whisky, a cerveja, o vinho; a moleza que o impede de levantar cedo e, uma vez acordado, recusa o esforço; a sensação nova que você vive procurando, sem outro fim que a sua própria satisfação; o prazer sexual que você às vezes deseja como um fim...

CAMINHAR DE RASTROS

Algumas criaturas caminham de rastros: é a sensibilidade que domina. A sensibilidade governa quando uma afeição se torna paixão e, escapando ao controle da razão, o faz “perder” a cabeça.  E se a sensibilidade domina, paralisa o espírito. Ela o escraviza e ele não pode mais julgar com objetividade e agir livremente.

Você pode não ser ainda um escravo da sensibilidade; mas quantas vezes ela não manda em você? Vejamos algumas situações onde ela dita as ordens: você acha que tal pessoa tem razão porque simpatiza com ela, e que tal outra está errada porque antipatiza com ela; você estuda bem a matéria de um dos seus professores porque ele é simpático, e nada fará com outro porque tal é a sua ojeriza que “não pode nem vê-lo”; você fica deprimido, e não se sente capaz de mais nada porque uma censura o feriu ou um sorriso irônico o mortificou ou talvez alguém lhe tenha negado algo; você só faz suas orações quando está “disposto”, e está disposto porque recebeu uma carta agradável, porque seu amigo o elogiou, porque se emocionou pelo espetáculo de um grande sofrimento. Mas, amanhã, você não poderá orar porque se sentirá vazio, e isto porque não notou nenhum resultado sensível de seus esforços, porque alguém não acreditou em você, porque seu amigo o abandonou ou magoou...

Você não está mais de pé: está se arrastando, como um escravo!...

NEFELIBATAS

Alguns homens são “aéreos” e vivem “no mundo da lua”.

Vivemos no mundo da lua quando tomamos o sonho pela realidade e passamos todo o tempo concebendo planos grandiosos e nunca os realizamos; quando não nos adaptamos às circunstâncias e às pessoas; quando não nos aceitamos ou quando não aceitamos os outros, ou o meio em que vivemos, o lugar que ocupamos, os acontecimentos que nos atingem; quando, por medo da realidade, falta de generosidade ou satisfação orgulhosa, deixamo-nos levar pelos devaneios utópicos. Sonhar a vida não é vivê-la!... Todos temos o direito de agarrar-nos a um sonho, mas desde que ele nos empurre para a frente e nunca nos afaste da realidade.

HOMO ERECTUS

O homem de pé é aquele cujo espírito, inteiramente livre, comanda a sensibilidade e o corpo. Não despreza nem um nem outro, pois ambos são bons e belos, porque criados por Deus, mas os domina e dirige, como um chefe a seus subordinados.

Você tem o direito de desenvolver a sua sensibilidade e o vigor de seu corpo. Eles são uma força, mas necessitam de orientação segura. Eles são suas montarias, mas ao instigá-los conserve as rédeas em suas mãos. Eles são seu carro e não há problema em deixar-se levar por ele, mas conserve firme o volante e os freios em dia. 

Para que nos construamos corretamente e permaneçamos de pé, há que se observar lealmente a nossa intimidade, a maneira como nos portamos face às outras pessoas, atitudes ou atos... Que foi que nos levou a decidir isto, a agir ou reagir daquela forma? A sensibilidade, o corpo ou o espírito? Se foi o espírito já não seremos mais uma vítima inerme e cega, mas começamos a libertar-nos e assumir a missão de dirigir nossa própria vida.

Por nossos próprios meios não poderemos manter-nos de pé: nosso corpo é muito pesado, nossa sensibilidade muito sedutora. Temos necessidade de uma força que nos leve para cima, nos sustente e nos transfigure interiormente. Se abrirmos nossa Alma para Deus, seremos fortes com a Sua força e, a nossa sensibilidade e o nosso corpo estarão em nossas mãos porque nossas mãos estarão entre as d`Ele.

Se não acolhermos Deus, nos mutilaremos. Seremos um modelo inacabado, uma criatura truncada, decapitada, pois o homem completo, no pensamento eterno do Pai é o homem de pé e divinizado.

Aquele que deseja viver plenamente o seu Cristianismo, não deve restringi-lo aos estreitos limites de alguns ritos religiosos, à aplicação das grandes linhas de uma lei moral. É preciso que sua fé atinja dimensões adultas, que possam dar um sentido à sua existência em seus mínimos detalhes, à existência da humanidade e do Universo.

Sua religião (religar o homem e o mundo a Deus), tem que ser vivida em toda a sua vida, encontrando o Cristo por toda a parte e sempre, no próprio centro dessa existência concreta, para onde Ele foi enviado, não como para uma emboscada, mas para um encontro de amor de todos os instantes.

Para conseguir isso, não precisamos olhar nossa vida em totalidade, tampouco a vida de nosso próximo, mas lançar um olhar de fé e esperança que exige uma resposta da caridade...

Temos que descobrir o Plano do Pai sobre o mundo; as verdadeiras dimensões dos acontecimentos e praticar a revisão de nossa vida, construindo-nos, assim, dentro dos alcandorados e insofismáveis parâmetros do Evangelho de Jesus.                                                


 

[1] - Lourdes Catherine/Neto, F.E.S. Conviver e melhorar. Catanduva: Boa Nova, 1999, cap. 47.

[2] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. V, item 23.

[3] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 625.

[4] - Quoist, M. Réussir – Editora Les Editions Ouvrières – Paris.  (Tradução de Rose Marie Muraro.) 

 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita