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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 458 - 27 de Março de 2016

MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)

 



Contando um conto e aumentando vários pontos
 

Em maio de 2007, perdi dois irmãos com 19 dias de intervalo. Ambos com câncer. Sandra com câncer de mama, diagnosticado em 2002. Marcus com câncer de pulmão, que o levou antes dela.

Sandra era mãe solteira. Ela e a filha vieram morar conosco quando a Jéssica, minha sobrinha, tinha quatro meses. À época, meu pai ainda estava encarnado. Marcus era solteiro. Dois anos depois, meu irmão se casou, mas como construiu uma casa ao lado da nossa, ficou por perto.

Quando Marcus adoeceu, Sandra já estava bem debilitada e era cuidada por todos nós. Como ele, esposa e filho moravam perto, passamos todos a cuidar do Marcus também. Revezávamo-nos para atender ambos. Médicos, exames, internações, ida aos tratamentos à base de radioterapia e quimioterapia... Ele ficava boa parte do tempo em nossa casa. Era uma forma de acarinhá-lo e de também ajudar minha cunhada, já que Rafael, filho de ambos, ainda era criança.

Durante esses acontecimentos, comentei com uma companheira de centro espírita que minha casa parecia um hospital de campanha, aqueles hospitais provisórios que são erguidos com barracas de lona para atender feridos em situações de emergência, como guerras. 

Tempos depois de meus irmãos haverem desencarnado, comentei com essa mesma amiga que, apesar de todo o sofrimento por que a família passou, compreendíamos que havia sido melhor a desencarnação, pois a agonia deles e nossa era muito grande. Ela, então, arrematou: - É mesmo, Marcelo. Lembro até que você comentou comigo que a sua casa parecia um hospital de malucos.

Parou tudo! Conforme dizia um professor meu, Parem a aula! Hospital de malucos? Em momento algum eu disse isso. Ou melhor, eu jamais diria isso! Confesso que fiquei tão chocado na hora que nem retruquei. Fiquei com receio de ser contestado. Até hoje me arrependo. Ao me calar, consenti com a troca de hospital de campanha por hospital de malucos. Ainda bem que sou escritor.

Fico pensando se ela, na ocasião, comentou com alguém que eu havia dito que minha casa parecia um hospital de malucos. E se esse alguém passou o comentário adiante, provavelmente trocou hospital de malucos por um termo mais objetivo. Hospício ou manicômio, por exemplo. Coitados dos meus irmãos! E coitado de mim! Puseram em minha boca algo que eu não disse.

Escrevendo estas linhas, lembrei-me da história do Wolney, conhecido meu aqui de Petrópolis. Há um tempo, ele teve a casa reformada no quadro Lar Doce Lar, do programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo. A casa, num monte em frente ao centro espírita do qual faço parte, ficou linda.

Semanas depois da participação de Wolney e família no programa, ouvi de um motorista de taxi que a casa havia sido assaltada. Os ladrões haviam levado a TV de plasma. Um conhecido, mais adiante, disse que haviam roubado a motocicleta que Wolney havia ganhado para fazer entregas. Na mesma época, um parente meu disse que haviam levado a TV, a moto, os móveis, o fogão etc. A casa, portanto, teria sido depenada.

Tempos depois, encontrei o Wolney numa fila de banco. Conversa vai, conversa vem, comentei com ele o que haviam me dito. Ele riu e disse que eu não fazia ideia de como os boatos haviam ido longe. Então, contou que, além dos supostos roubos, inventaram que ele havia se separado da esposa e até que havia morrido. A ponto de um antigo colega tomar um susto ao vê-lo na rua. Resumo da ópera: pilharam a casa do Wolney, separaram-no e até o mataram sem que ele soubesse. Fico impressionado com a capacidade de as pessoas ouvirem histórias e as passarem adiante sem saberem se são verídicas. É a outra faceta de quem é mau ouvinte: não se preocupar em checar se a história é ou não verdadeira antes de sair espalhando-a aos quatro ventos.

Isso tudo me faz pensar em como as pessoas têm dificuldade para ouvir. Não estou me referindo a problemas de audição, mas ao hábito de torcer o que de fato foi dito ou dar ouvidos ao que nunca foi dito, nem nunca será. Isso se deve a vários motivos.

No livro Trabalhando para Si Mesmo, o professor universitário, escritor e palestrante espírita José Carlos Leal ressalta a importância de sermos bons ouvintes. Para tanto, é preciso demonstrar interesse pelo que o interlocutor está dizendo. Dito assim parece simples, mas geralmente a conduta de quem ouve transforma o simples em complicado. Nem sempre nos concentramos no que as pessoas estão dizendo. Ela fala e estamos pensando em outro assunto, no compromisso que teremos em seguida, nas contas a pagar, no telefonema que ainda não demos e por aí vai. Desinteresse. Ou então, antecipamos o final da história e interrompemos a pessoa, apresentando uma conclusão diferente da oficial. Mais ainda: há alguém falando comigo e começo a dar atenção a um terceiro, começo a prestar atenção a algo ao meu redor, fico mexendo no smartphone, lendo revista... Ou então, falo ao mesmo tempo, atropelando o interlocutor. Ou simplesmente não conheço um termo utilizado e troco-o por um similar sonoro que nem sempre tem a ver com a ideia original. Tudo isso causa o chamado ruído na comunicação. Dizemos A e ouvinte entende B. Digo hospital de campanha e a interlocutora entende hospital de malucos.

No caso do Wolney, prestamos muita atenção a uma história inverídica e nos apropriamos dela, sem nos darmos conta de que pode ser algo infundado. Há um antídoto eficaz: duvidar do que foi dito e checar se é ou não verdade. Se não for, deixemos para lá. Se for, deixemos para lá também; a vida dos outros não nos interessa.

Infelizmente não é o que acontece. Contamos o conto e vamos aumentando os pontos, chegando ao cúmulo de separar quem está casado, matar quem não morreu ou chamar pacientes de câncer terminal de loucos. Valha-me, Deus!

O Espírito Joanna de Ângelis, através do médium e tribuno baiano Divaldo Pereira Franco, aborda a questão do saber ouvir na mensagem intitulada Ouvir com Atenção, do livro Momentos de Harmonia. Segundo Joanna, estamos tão dominados por conflitos e estresses cotidianos que acabamos perdendo a capacidade de ouvir. Todo mundo quer falar ao mesmo tempo. Com isso, ninguém presta atenção ao que o outro está dizendo. É necessário ouvir sem tensão, mas com atenção, diz ela. Olhemos fundo no olho do interlocutor e prestemos atenção ao que ele diz; isso o estimula a prosseguir e a falar com clareza. Além disso, não devemos ouvir emitindo mentalmente juízo de valor. Algo do tipo Você está errado!, Não concordo com isso!, Vou protestar assim que você se calar!, O que é que eu tenho com isso?, Que assunto chato! etc. Se nos deixamos levar pelo emocional, perdemos o melhor da palavra e torcemos o que foi dito e prejudicando seu entendimento. E se de fato nos predispusermos a ouvir, poderemos até perceber quando a informação é infundada e não a passarmos adiante.

Se estivermos prestando atenção e não entendermos aonde a pessoa quer chegar, devemos pedir para que ela repita, a fim de que tudo fique às claras. Mas se não prestamos atenção e fingimos entender, pode ser que estejamos concordando com algo não condizente com o que pensamos ou com um assunto que não dominamos. Daí para um sério mal entendido pode ser um pulo.

Maus ouvintes costumam ser egoístas. Acreditam que não têm a aprender com o interlocutor. São automáticos. Mal começa a conversa, desligam; não se esforçam para de fato ouvir o que está sendo dito. Querem logo se livrar da pessoa. Ou então, ficam ligadíssimos quando é um assunto picante ou trágico e não se dão conta de que pode não ser verdadeiro.  

Se soubermos ouvir, alguém a quem não damos muita importância ou um assunto que julgamos desinteressante pode se revelar fascinante, abrindo portas para novas amizades e interesses saudáveis. E uma notícia ruim referente à vida de quem não conhecemos é imediatamente esquecida, pois, mesmo sendo verdadeira, não nos diz respeito.

No já citado Trabalhando para Si Mesmo, José Carlos Leal conta que certa vez foi visitar o pai de um amigo. Era um senhor já bem idoso, porém muito lúcido. Esse senhor havia sido pracinha (soldado) na Segunda Guerra Mundial. Um mau ouvinte contumaz decerto teria desligado os tímpanos ao deparar-se com um senhor idoso, cheio de histórias de gente velha. O que Leal fez? Interessou-se pelo assunto e fez diversas perguntas, fazendo-o falar sobre detalhes importantes da participação do Brasil na II Grande Guerra. A conversa revelou-se fascinante e uma saudável simpatia nasceu entre ambos.

Saber falar é uma arte, mas saber ouvir também o é. E saber passar ou não adiante o conteúdo da conversa, nem se fala.

Só para garantir: minha casa parecia um hospital de campanha. E o Wolney continua feliz com a esposa e filhos, vivinho da Silva e com tudo dentro de casa.


 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita