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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 436 -18 de Outubro de 2015

MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)

 



Imagens em profusão


Ainda nem existia o Facebook. Muito menos o Instagram. No início da década de 2000, a rede social que fazia sucesso era o Orkut, que com o tempo caiu em desuso.

Um conhecido meu havia sido pai e estava empolgado. Pôs, então, fotos do nascimento do filho no Orkut. Lá estava a esposa, de touca na cabeça, sem maquiagem, com os braços estendidos (e presos) à moda Cristo Redentor e deitada na cama da sala de cirurgia.Também se faziam presentes uma espécie de minibiombo tapando a região do baixo ventre, o corte da cesariana, a criança sujinha de sangue e líquido amniótico sendo retirada etc.

Confesso que não achei um pingo de graça em ter visto aquilo publicado na internet. Se fosse eu o pai, não teria levado qualquer tipo de câmera ou filmadora para a sala de parto. Apenas a memória e o coração. A meu ver, existem momentos que, de tão íntimos, não devem ser compartilhados com ninguém. Sei que é um acontecimento de extrema felicidade para o casal. Mas para que dividi-lo indiscriminadamente?

Quando o Facebook chegou desbancando o Orkut, a exibição de imagens se popularizou. Quando o Instagram apareceu, nem se fala. Ainda mais depois do advento dos celulares com câmeras. São fotos e vídeos sendo registrados, postados e compartilhados de forma avassaladora.

Também posto imagens minhas no Facebook. Geralmente, de eventos do qual participo. Mas há pessoas que, todo santo dia, tiram a própria foto (o chamado selfie) levantando da cama, antes de se vestirem, tomando café, dirigindo, almoçando etc. E já vi gente que se fotografou em leito hospitalar: um amigo enfartado com tubo de oxigênio no nariz e uma amiga careca, pois recém-operada de um tumor no cérebro. Ambos internados em um centro de terapia intensiva, o chamado CTI. Não gostei de ver nenhuma delas. Sei que é um fenômeno do nosso tempo, mas creio que estão exagerando na divulgação de imagens. 

Em meu primeiro livro – Inquietações de um Espírita – há um capítulo em que falo sobre o data show e o mundo das imagens. Critico de forma leve o hábito que alguns palestrantes espíritas têm de jogar toda a palestra no power point e ficarem lendo-a, junto com a plateia, na tela. Aproveito e falo sobre como a visão é o sentido que impera em nosso mundo. Tudo precisa ser visto. O médico, para confirmar o diagnóstico, manda o paciente tirar radiografia, tomografia etc. Ele precisa ver. Expressões como homem de visão e enxergar longe são sinônimos de pessoas arrojadas. Não existe testemunha auditiva ou olfativa de um crime. Só a ocular. Ela precisa ter visto o crime.

No ano de 1967, o filósofo, agitador cultural e diretor de cinema francês, Guy Debord (1931 – 1994) lançou um livro chamado A Sociedade do Espetáculo, que é considerado uma das obras mais demolidoras sobre o mundo capitalista e consumista em que estamos inseridos. Ainda na década de 1960, ele previu que todas as relações, a partir de então, seriam permeadas por imagens espetacularizadas. Acertou na mosca e antecipou os dias de hoje. Conforme o texto da orelha da edição brasileira de 1992, nunca a tirania das imagens e a submissão ao império da mídia foram tão fortes como agora. E esta é a transcrição de um texto do início da década de 1990, onde ainda não sonhávamos estar enviando imagens via tablets, smartphones e afins.

Na Copa do Mundo de 2010, disputada no Brasil, o jogador brasileiro Neymar, na partida contra a Colômbia, sofreu uma entrada violenta do jogador Zúñiga. Uma joelhada nas costas que lhe quebrou a terceira vértebra lombar. Neymar saiu de maca da Arena Castelão, em Fortaleza (CE), direto para o hospital. Lá, ficou sabendo que não teria mais condições de continuar defendendo a Seleção Brasileira. Até aí, tudo dentro dos acidentados conformes de um torneio de futebol. Só que, nos corredores do hospital, o atleta brasileiro, gritando de dor em cima de uma maca rumo à emergência, foi filmado por uma enfermeira. Em seguida, ela postou o vídeo nas redes sociais. Foi sumariamente demitida.

Semanas depois, outra cena invadiu o país. Durante o velório de Eduardo Campos, candidato à Presidência da República morto em acidente aéreo, uma mulher tirou um selfie  ao lado do caixão.

O auge da disseminação indiscriminada de fotos e vídeos de pessoas públicas se deu no final de junho de 2015. Foi quando caíram na internet imagens da necropsia do corpo do cantor sertanejo Cristiano Araújo, que morreu em um acidente de carro. Os tanatopraxistas (profissionais que preparam o cadáver para o funeral) que fizeram tais imagens foram demitidos por justa causa. O episódio gerou vários protestos e até um pedido de perdão por parte de um representante da profissão.

Pois é, o mundo de hoje é costurado por imagens. Não basta ir ao show. É necessário filmá-lo e postá-lo nas redes sociais. Não basta assistir ao parto, ir ao casamento, ao velório etc. Tem até gente que, ao presenciar uma batida de automóveis, se preocupa em filmar ou tirar um selfie com a cena ao fundo e postá-la. Não seria mais acertado sermos solidários com as vítimas? Não. É preciso mostrar que estamos lá. Mas será que quem fica postando imagens está realmente lá?

Acredito que, quando estamos numa cerimônia de casamento, por exemplo, devemos vivenciar o momento. Se nos preocupamos em gravar e enviar as bodas via internet, perderemos o evento em tempo real. Ficaremos ocupados com as imagens que captamos e não aproveitaremos o que a ocasião tem para oferecer. Quando nos lembrarmos do evento, pouco teremos do registro emocional, apenas do técnico. Estávamos lá fisicamente, não afetivamente.

Em A Sociedade do Espetáculo, livro já citado, no capítulo chamado Cada Tragédia é um Flash, Guy Debord ressalta: O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. Partindo dessa premissa, não postamos imagens somente para divulgar algo, mas sim para nos relacionarmos. É como se dependêssemos disso para sermos aceitos, termos amigos e amores.

Parece que, nos dias de hoje, só existe quem posta imagens. Sem isso, não há relação social. Sei que é um fenômeno do nosso tempo, mas acho-o preocupante, principalmente quando se passa por cima da ética e do respeito a pessoas acidentadas ou mortas, sejam elas famosas ou não. Pouco importa fulano ter morrido ou se machucado. O importante é que eu estou aqui, no momento do fato, de câmera em punho, postando imagens e me tornando diferente dos demais. Estou mostrando para todo mundo que existo e que captei imagens que ninguém mais captou.

Há, ainda, o agravante de a imagem ser replicada por muita gente e ganhar o mundo em poucos segundos, devassando intimidades, constrangendo pessoas e até acabando com a paz de quem foi filmado.

A palavra hedonismo vem sendo bastante utilizada de uns tempos para cá. Vem do grego, hedon, que significa prazer. Hedonismo, portanto, é uma doutrina que cultua a busca pelo prazer como único propósito da vida. No caso, um prazer que significa algo mais que o mero prazer sensual. É o prazer em excesso, seja em que área for e de que forma for. Por isso, sempre foi combatido por muitas religiões.

Segundo estudiosos, pode ser dividido em hedonismo psicológico e hedonismo ético. O psicológico prega que o homem, em todas as ações, quer obter mais prazer e menos sofrimento; essa seria a única forma de dar sentido à vida e às ações humanas. Já o hedonismo ético defende que o homem deve contemplar o prazer e os bens materiais com as coisas mais importantes da vida.

Estamos de fato numa sociedade bem hedonista. Basta observarmos a busca pelo prazer sem limites nas relações fortuitas, no consumismo, nas baladas, bebedeiras etc. A captação e divulgação incessante de imagens passou a fazer parte do pacote. É o prazer em ser visto sem limites. E também não há limites – éticos – quando se trata de gravar algo que irá ferir a dignidade humana, como um cadáver sendo dissecado. E numa sociedade que prima pelo espetaculoso, todos passaram a se achar artistas, ou melhor, celebridades. Basta ter um blog, um perfil numa rede social ou uma conta no youtube para divulgar vídeos e mais vídeos. Basta postar uma imagem bombástica e ir parar nos trend topics.

Diz Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo: Dentro em breve, nas ruas só haverá artistas, e vai ser muito difícil encontrar um homem. É exatamente esse o sentido da forma modernizada de uma antiga pilhéria dos malandros de Paris: “Olá, artistas! Se é que ainda existe algum”.

O Espírito Joanna de Ângelis, no livro Amor, Imbatível Amor, psicografado por Divaldo Pereira Franco, tece importantes considerações acerca do hedonismo. Segundo ela, o hedonista é alguém que não enxerga o outro, somente a si próprio. Ditadores, criminosos hediondos e similares teriam, portanto, fortes traços hedonistas; buscam apenas a mórbida realização de seus desejos, sem qualquer abertura para o conjunto social. Nesse conjunto – guardadas as devidas proporções – estão os que postam imagens sem se preocuparem com as consequências. Fotógrafos profissionais (os chamados paparazzi*) que perseguem pessoas públicas em busca de algum flagrante, rapazes que postam na internet vídeos sensuais que fizeram de moças por eles seduzidas etc.

No quesito celebridade, muitos famosos não podem andar na praia, passear com o cachorro, fazer compras ou qualquer outra atividade banal. Há sempre paparazzi à espreita, prontos para tirar fotos e enviá-las para sites e revistas especializadas na vida de gente conhecida. Muitas dessas celebridades gostam e até frequentam determinados locais na esperança de serem clicadas “por acaso”. Outras, no entanto, não gostam. O fato de serem pessoas públicas não significa que tenham de ser fotografadas quando estão comprando pão ou buscando os filhos na escola, por exemplo.

Mas há também casos de famosos que reclamam de um assédio por eles mesmos provocados. O mais célebre é o da princesa Diana, ex-esposa do príncipe Charles, da Inglaterra. Diana e o namorado, o milionário egípcio Dodi Al-Fayed, morreram num acidente de carro na madrugada de 31 de agosto de 1997. O carro em que estavam bateu dentro de um túnel na cidade de Paris, França. Motivo: estavam sendo perseguidos por paparazzi. O fato causou grande comoção, e os paparazzi passaram a ser duramente criticados. Perseguidos até. À época, falou-se muito sobre essa insistência constante em clicar famosos; Princesa Diana, principalmente.

O jornalista Artur Xexéo comentou, então, com muita propriedade, que a Princesa Anne, filha da rainha Elizabeth e ex-cunhada de Diana, sempre esteve à frente de muitos projetos sociais. Só que Anne nunca ligou de chamar a imprensa para fotografá-la cuidando de órfãos e doentes. E também nunca fez questão de vestir roupas de grife. Diana, ao contrário, fazia questão de mandar chamar fotógrafos de revistas de celebridades toda vez que visitava um orfanato ou hospital. E sempre com roupas de estilistas badalados. Ela, portanto, teria acostumado os paparazzi a ficar em seu encalço.

Tudo isso nos remete ao capítulo 8 de O Evangelho segundo o Espiritismo. Nele, Allan Kardec comenta o seguinte ensinamento de Jesus: Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará. (Mateus, cap. 6, v. 4.)

Quem faz o bem para aparecer já recebeu a respectiva recompensa. Deu esmola para sair bem na foto e ficar bem-visto socialmente? Flash! Flash! Flash! Pronto! Não passa daí. Não era isso que a pessoa queria? É o que ela vai ter; e só! Já a beneficência praticada sem ostentação (Dá-lhe, princesa Anne!) tem, segundo Kardec, duplo mérito. Além de ser caridade material, é também caridade moral, já que não humilha o beneficiado e também lhe preserva a dignidade e a imagem.

Volto a Guy Debord e ao avassalador A Sociedade do Espetáculo: A sociedade que se baseia na indústria moderna não é fortuita ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculoísta. No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenrolar é tudo. O espetáculo não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo.

Não seria mais ou menos o que Jesus Cristo e Allan Kardec querem dizer? Fazer o bem com o simples intuito de aparecer é um espetáculo que se basta. Não passa daí. Com isso, não se chega a lugar algum, a não ser a um espetáculo sem conteúdo. O mesmo se dá com a divulgação exagerada de imagens vazias ou que ferem a ética e o respeito ao próximo. É isso que as pessoas querem: chamar atenção pelo simples fato de chamar atenção. É o que terão de imagem em imagem. Nada além de uma ilusão espetaculosa, portanto.

Tudo isso é resultado de uma sociedade hedonista e altamente individualista e massificada. Um meio social no qual o homem acaba enxergando a si próprio como algo a ser promovido e destacado. De que forma? Explorando a imagem alheia, seja fazendo uma pseudocaridade de forma alardeada ou divulgando imagens alheias de forma indiscriminada. Aí, a capacidade de identificarmos conteúdos, contornos, fronteiras e intimidades bate em retirada, como bem observa Joanna de Ângelis no já citado Amor, Imbatível, Amor.

Nunca Jesus – principalmente à luz dos pressupostos espíritas – foi tão necessário e atual. Sempre será. E sem chamar atenção de forma espetaculoísta, como diz Debord.

 

* A palavra italiana paparazzi é o plural de paparazzo. O termo surgiu por causa do filme La Dolce Vita, do cineasta italiano Federico Fellini. Na história, o jornalista Marcello Rubini (interpretado pelo ator Marcello Mastroiani) era acompanhado por um fotógrafo chamado Signore Paparazzo.

 
 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita