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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 433 - 27 de Setembro de 2015

FELINTO ELÍZIO DUARTE CAMPELO
felintoelizio@gmail.com
 
Maceió, Alagoas (Brasil)

 

 

Macaco Simão


Carregando o peso dos seus oitenta e oito anos, dos quais setenta e nove vividos na dura faina da roça, Simão, um negro robusto, o mais antigo morador da Fazenda Oiteira, depois de um dia estafante, retornava do trabalho a passos lentos, levantando o pó do chão, num penoso arrastar de pés.

No aconchego do lar, cercado do carinho de sua Maria – pensava feliz – acharia novas forças para enfrentar as labutas do dia seguinte.

Antes, porém, que alcançasse sua choupana, encontrou Matias, neto dos atuais patrões, um garoto de doze anos, inconveniente e atrevido, que, maldosamente, só o tratava por Macaco Simão.

Insolente, o petiz não perdeu a oportunidade de zombar do pobre ancião, cantarolando:

– “Meio dia, panela no fogo, barriga vazia.

Macaco torrado que vem da Bahia

Fazendo caretas pra Dona Maria”.

Simão descontrolou-se, aguentara silencioso todos os insultos, mas não suportava ver sua Maria incluída nas troças do irreverente guri. Revidou:

– Menino arreliento, quando você morrer vai pras profundezas do inferno de cabeça pra baixo. E eu vou achar graça.

– Macaco Simão – chasqueou Matias – o inferno foi feito para os negros sujos como você e sua mulher.

De pouco valeram os apelos de muita paciência e as palavras de conforto de Dona Maria.

Simão estava injuriado, pouco se alimentou e, logo depois, saiu.

Sentado na margem do açude grande, seu lugar predileto para meditar e orar, deu vazão à tristeza. Em pranto convulso, perguntava:

– Por que, meu Deus, tanta maldade no coração daquele fedelho? Que fazer para corrigi-lo?

Pensamento solto, volveu aos tempos de criança, quando chegou à fazenda. Conhecera os bisavós de Matias, pessoas austeras e exigentes, contudo, justas; não detratavam os empregados quer fossem brancos, mulatos ou negros. Os avós e os pais haviam seguido a mesma linha de conduta, sérios, compenetrados, mas respeitadores e bondosos. Só o Matias escarnecia dele.

Morosamente o sol declinava no horizonte. O velho Simão, em oração, aos poucos, refazia-se do desgosto. Admirou o céu tingido de púrpura anunciando o final da tarde morna, sentiu a suave brisa acariciar-lhe a fronte escaldante, desejou voltar aos cuidados de Maria, porém o sono anestesiou-lhe os sentidos, pendeu a cabeça sobre o peito, dormiu profundamente e sonhou com um anjo luminoso convidando-o:

– Venha, Simão, sossegue sua alma tão angustiada. Muitos foram os seus sofrimentos, grande será sua recompensa.

– Meu bom anjo, como posso asserenar-me se vejo o menino Matias inclinando-se para o mal? Desejo o seu bem, sofro com o seu descaminho.

– Hoje, Matias, Espírito endurecido, não poderá ouvi-lo; no futuro, você terá como dar sua ajuda direta para salvar aquela alma rebelde. Agora, repouse para um despertar feliz.

Ao amanhecer, encontraram o corpo de Simão hirto, olhar sereno fixado no infinito, tendo nos lábios o sorriso daqueles que morrem em paz.

Sessenta anos passaram na carruagem do tempo.

Matias, sentado à margem do mesmo açude, angustiava-se pensando no passado, no presente e nas sombrias perspectivas do futuro.

A Fazenda Oiteira viera-lhe diretamente dos avós. Administrador severo, fez-se temido e repudiado. Juntou dinheiro, mas não fez amigos. Agora, envelhecido, vivia como eremita, malvisto, rejeitado. Não casou, não tinha filhos. Quem poderia assisti-lo na senectude?

Da angústia passou ao desespero. Quis gritar, não conseguiu. Dor intensa comprimiu-lhe o peito, a visão anuviou-se. Morreu blasfemando.

No dia seguinte, acharam o cadáver de Matias, olhos esbugalhados, lábios contraídos, reflexo de uma morte atormentada.

Dez anos se foram na inexorável marcha do tempo. Matias, que vagara em densas trevas, lentamente despertou em profunda aflição, sem decifrar o que lhe acontecera.

Pressuroso, demandou à casa grande. Constatou, contrariado, radicais modificações. Na entrada, um belo e bem cuidado jardim; no interior, recentemente pintado, móveis novos; empregados zelosos cuidavam do asseio.

Aturdido, retirou-se procurando informações. Nenhuma resposta, fingiam não escutá-lo.

Só então, contrafeito, pôde observar que as antigas e acanhadas casas de barro batido tinham sido substituídas por outras maiores, mais confortáveis, de alvenaria. Viu ainda uma escola, uma creche, um clube recreativo. Tudo feito com o seu dinheiro, sem autorização. Verdadeira espoliação dos seus bens!

De repente, lembrou-se de suas considerações à beira do açude, da sufocante dor no peito, do turvamento da visão acompanhado de um longo vazio. Certamente morrera, era a explicação.

Vencido pelo desgosto, chorou amargamente, lamentou seu infortúnio que, reconhecia, só podia imputar a si próprio. Caiu de joelhos e orou:

– Se realmente morri, se há esse Deus que todos têm como Pai de infinita misericórdia, que eu seja socorrido neste momento de inquietação e de dúvidas atrozes.

Inimaginável é o poder da prece. Natalício, um ser angelical, abeirou-se de Matias, tocou-lhe de leve o ombro, falando com ternura:

– Matias, que você fez da vida? Desperdiçou uma oportunidade de crescer espiritualmente! Discriminou os negros, desconsiderou os direitos dos seus empregados, cometeu uma série de equívocos.

– Bem sei que mereço ir para o inferno de cabeça para baixo. Mande-me logo arder no fogo. Cumpra a justiça.

– Não, Matias, você não irá. Deus é bom e misericordioso, não permitirá tal absurdo. Por ser justo, Deus concede sempre novos ensejos de redenção.

– Estou confuso.  Que fazer então?

– Recomeçar – retrucou Natalício – Outra vida ser-lhe-á dada se aceitar reencarnar como filho dos novos donos da Oiteira para retomar a tarefa abandonada por negligência. À noite, durante o sono, promoverei um encontro para o entendimento fraterno. Aceita?

O carrilhão soava anunciando as vinte e três horas quando Matias, acompanhado do protetor, penetrou na alcova do jovem casal que dormia serenamente.

Ao chamamento de Natalício, ambos desprenderam-se do corpo físico indo ao encontro dos visitantes.

– Muitos anos atrás, acataram de bom grado a incumbência de guiá-lo pelo caminho reto do dever. Deseja conhecê-los melhor?

– Sim, quero muito saber qual a ligação entre nós que justifique o sacrifício de receber-me como filho – respondeu Matias, cheio de curiosidade.

Como num passe de mágica, o guapo rapaz e sua encantadora esposa transmudaram-se. As peles alvas tornaram-se escuras, os cabelos lisos ficaram encarapinhados; eram dois idosos vergados pelo peso dos anos.

Trêmulo, incapaz de suster-se em pé, Matias arrojou-se aos pés dos pretos velhos, gemendo de assombro e de dor:

– Macaco Simão, Dona Maria! Como podem aceitar-me como filho? Não mereço voltar nem como empregado. Sou um pobre diabo indigno de ser olhado. Perdoem este infeliz.

Emocionado até as lágrimas, Simão replicou:

– Levante-se, Matias, há muito tempo você foi perdoado. Venha, abrace-nos como irmãos queridos, esqueçamos o passado, olhemos o futuro promissor.

Mais cinco anos transcorreram. Eliseu e Marina contemplam embevecidos o filho recém-nascido como um presente descido do céu.


 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita