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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 426 - 9 de Agosto de 2015

IVOMAR SCHÜLER DA COSTA
ivomarcosta@gmail.com
Pelotas, RS (Brasil)

 


 

Devotamento e abnegação: virtudes análogas


Quando no estudo de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, sempre me desperta a atenção e causacerta confusão o fato de que os Espíritos algumas vezes usam os termos abnegação e devotamento como sinônimos:[i] falam em um quando se referem ao outro, ou dizem que abnegação é devotamento, ou este é aquela. Contudo, Kardec e outros Espíritos diferenciam um termo do outro. Essa suposta confusão ou desacerto entre Kardec e os Espíritos poderia nos levar a pensar que ou algunsEspíritos estão errados e Kardec está certo, ou que este está errado e aqueles certos. De qualquer maneira, tal confusão poderia conduzira uma desconfiança na capacidade de Kardec de selecionar e interpretar as mensagens dos Espíritos, ou mesmo na validade da moral espírita, já que não haveria entendimento sobre definições morais basilares.

Quando Kardec elencou as virtudes elementares da Caridade[ii], dispôs a abnegação ao lado do devotamento, tendo citado em primeiro lugar a abnegação. Desse modo de distribuí-las podemos deduzir inicialmente que não existe identificação total entre uma e outra, ou seja, elas são distintas. Poderíamos pensar também que uma está inclusa na outra, o que significaria a existência de uma identidade parcial. Porém, se uma estivesse completamente contida em outra ele as teria disposto de maneira diferente, citando apenas aquela que inclui a outra. Por outro lado, pode ser que exista apenas uma área de intersecção entre ambas, ou nenhuma área de intersecção. Assim temos quatro possibilidades, 1ª) existe união total entre ambas, elas são iguais, isto é, existe identidade plena, b) existe pertinência de uma em relação à outra, pois uma estaria totalmente inclusa na outra; c) existe apenas identidade parcial devido a uma área de intersecção entre ambas; d) não existe qualquer pertinência entre ambas, sendo totalmente diferentes, portanto, sem qualquer identidade. Tentaremos resolver a confusão inicialmenteidentificada verificando qual das possibilidades é a verdadeira.

Vejamos primeiramente o que assemelha as duas virtudes.

Entendemos, a partir de estudos nas “obras básicas” e dos luminares da moral, que devotamento é o esforço desinteressado, intenso e contínuo, realizado com alegria e confiança, pela aplicação útil das forças e recursos físicos e morais de que se dispõe e nas condições em que se encontra o agente, após analise e reflexão do contexto, visando promover o bem de outrem[iii]. Por sua vez, abnegação é o esforço desinteressado, intenso e contínuo, realizado com alegria e confiança, pela aplicação útil das forças e recursos físicos e morais de que dispõe, e nas condições em que se encontra o agente, após analise e reflexão do contexto, visando promover o bem de outrem acima e prioritariamente ao próprio bem deste[iv].Ora, estas definições, apresentam muitas semelhanças. As duas principaissão o esforço e o objetivo visado. O esforço é constitutivo de ambas, esforço que é a mobilização de “forças” para vencer um obstáculo qualquer. Está claro, pelas exposições precedentes, que este obstáculo é o egoísmo do próprio agente. Mas o esforço exige também a participação de diversas capacidades intelectuais e afetivas, como a reflexão, a alegria e a confiança nas leis divinas. O objetivo visado é,em ambas, o bem de outrem.São semelhanças secundáriasas seguintes características:direção, intensidade e persistência do esforço.

É em decorrência dessas semelhanças que algunsEspíritos utilizam os termos “devotamento” e “abnegação” como intercambiáveis, sobretudo em “O Evangelho...”, mas que Kardec, com sua extrema atenção aos detalhes, como poliglota e filólogo, tratou de clarear-lhesos significados, distinguindo-os quando elencou as virtudes componentes da Caridade.

Vejamos alguns exemplos que ilustram bem esta questão. O primeiro se refere à senhorita Desirée Godu, uma médium curadora, citado na Revista Espírita do mês de Março de 1860, sob o título “Um médium Curador”. Como médium curadora, os Espíritos lhes indicavam os remédios, e frequentemente ela mesma os preparava e os aplicava nos doentes, cuidando deles e tratando as feridas mais repugnantes, mas fazia isso sempre com muita delicadeza. Além disso, ela inspirava os enfermos com sua forte confiança, e contagiando-os com a sua jovialidade, alegria e fé, o que contribuía enormemente para o rápido reestabelecimento deles. Durante vários dias da semana, desde as primeiras horas da manhã até anoitecer, sua casa ficava repleta de pessoas que buscavam o seu auxílio. Antes de tornar-se médium curadora e passar a tratar dos enfermos, ocupava seus dias confeccionando roupas para os pobres e para os recém-nascidos, e para não feri-los usava todos os meios para que não soubessem quem os havia beneficiado. O autor deste relato diz que seu devotamento assemelha-se ao de “uma irmã de caridade”.

O segundo exemplo, citado na Revista Espírita do mês de maio de 1866, refere-se à “Morte do Doutor Cailleaux”, médico que dedicara sua vida a cuidar dos enfermose auxiliar os sofredores, tratando deles apesar da sua idadeavançada. Irrompendo uma epidemia de cólera em certa região da França, onde vivia, ele colocou-se inteiramente ao serviço dos doentes: percorreu aldeias onde a epidemia grassava, visitando mais de 800 doentes, tratando-os pessoalmente, aplicando os remédios, sentando à cabeceira dos moribundos. Ele cumpria este dever sem qualquer lamentação ou queixa, ao contrário, permanecia sempre bem-humorado e alegre, o que influía decisivamente na cura dos doentes. Apesar de sentir os sintomas de cólera, continuou atendendo-os, mas não resistiu e morreu. Devido à sua ação decidida salvou muitas famílias, evitou que os pais ficassem sem os filhos, ou que estes se tornassem órfãos. O autor do comentário ressalta que ele trabalhou até o último dia sem querer jamais repousar, e que não vivia para si mesmo, mas para os seus semelhantes.

Pode-se identificar nitidamente no primeiro exemplo o devotamento, enquanto no segundo destaca-se a abnegação.Ambas se assemelham, mas do próprio texto percebemos a existência de algo diferente. Mas o que diferencia uma virtude da outra?

No devotamento, o agente, embora mobilizando suas capacidades internas, doa algo externo ao outro, enquanto que na abnegação, o agente, embora mobilizando as mesmas capacidades, doa ao outro algo de interno a si mesmo. Há, assim, uma diferença importante entre ambas, pois utilizar nossas potencialidades, condições e situações materiais para promover o bem do outro e doar a si mesmo para promover este mesmo bem exige que a intensidade do esforço seja amplificada para níveis extremos, tão altos que somente Espíritos de escol conseguem realizá-lo completamente. O que queremos dizer é que a diferença entre ambas é de grau; expressando-nos de outra maneira, há uma diferença qualitativa.Existe como que um “ponto de emergência”, um momento em não há transformação de um em outro, mas sim como que a geração de uma virtude a partir de outra. Assim, a abnegação emerge sem que desapareça o devotamento, pois elas passam a coexistir. No devotamento há uma doação de algo externo, sem que aconteça a entrega total do agente ao bem do outro; continua existindo como que uma preservação da vida do agente. Já na abnegação, o bem do outro é colocado acima de qualquer condição; o agente se entrega totalmente ao seu objetivo, rompendo inclusive com todas as barreiras de autopreservação. Claramente, a abnegação exige sempre a reflexão e a utilização das capacidades intelectivas do agente; não ocorre renúncia à racionalidade, mas sim renúncia ao próprio egoísmo. É bom lembrar que uma virtudesem reflexão pode transformar-se em vício com muita facilidade.

Num exemplo dado por Kardec ao elogiar os espíritas espanhóis, esse “ponto de emergência” é destacado: Já tivemos muitas vezes a ocasião de dizer que a Espanha contava com numerosos adeptos, sinceros, devotados e esclarecidos; aqui, é mais do que o devotamento, é a abnegação; não uma abnegação irrefletida, mas calma, fria, como a do soldado que caminha para o combate dizendo a si mesmo: O que quer que me custe isto, eu cumprirei o meu dever. [...]é o devotamento daquele que coloca o interesse de todos antes do interesse pessoal[v].(grifos nossos).

Observemos que no primeiro grifo Kardec aponta para um algo mais, algo que está além do devotamento. No segundo, a principal característica da abnegação, a doação da própria vida é destacada, ao ser a abnegação dos espíritas espanhóis comparada com a do soldado que cumpre o seu dever, mesmo que à custa da própria vida. No terceiro grifo ele procura esclarecer o significado de abnegação comparando-o com o devotamento, mas mostrando que nesta o bem de outrem é prioritário ao interesse pessoal. Podemos entrever, da mesma forma, que existe um momento em que surge a abnegação a partir do devotamento. Este momento é aquele em que o Espírito entende, finalmente, que é seu dever fazer tudo o que for possível pelo bem de outrem, doando tudo aquilo que é somente seu e de mais ninguém, “apagando” sua “personalidade” para que outrem seja beneficiado. Naturalmente, quando nos referimos à doação da própria vida, trata-se de uma dedicação e de um esforço hercúleo do agente, esquecendo suas necessidades e carências, visando ao bem de outrem. Assim, isto nos leva a crer que o devotamento é uma condição e um fator predisponente para o surgimento da abnegação, mas, uma vez gerada, ela se diferencia daquele, embora mantendo alguns elementos comuns.

Talvez seja devido a esta diferença que Kardec tenha colocado a abnegação antecedendo ao devotamento, sem dúvida não com a intenção de diminuir a importância deste, mas para marcar com mais força a diferença qualitativa existente entre estas virtudes.

Consequentemente, parece-nos que a terceira opção é a mais adequada, pois existe apenas uma relação de identidade parcial devido à comunidade de algumas características.

 


 

[i] Veja, por exemplo: Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. V – Bem-aventurados os aflitos – Sacrifício da própria vida. Item 29 e Cap. XI – Amar o próximo como a si mesmo – Deve-se expor a vida por um malfeitor? Item 15.

[ii] Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XVII – Sede Perfeitos. Item 2. p.284. Ed. FEB. Brasília. 1994.

[iii] http://www.oconsolador.com.br/ano9/418/ivomar_costa.html

[iv] http://www.oconsolador.com.br/ano9/409/ivomar_costa.html

[v] Kardec, Allan. Revista Espírita. Março de 1869. P. 48 – Apóstolos do Espiritismo na Espanha. Edição Eletrônica.


 

 


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