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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 416 - 31 de Maio de 2015

MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)

 



Ser do mundo, estar no mundo, fugir do mundo
 

Era o ano de 2002 quando o filme brasileiro Cidade de Deus chegou aos cinemas. A história, adaptada pelo diretor Fernando Meirelles, do livro homônimo de Paulo Lins narra o cotidiano barra-pesada de uma comunidade carente da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Violento, impactante e real a toda prova, Cidade de Deus tornou-se o filme brasileiro de maior projeção desde então. Recebeu, inclusive, quatro indicações ao Oscar.

O cinema brasileiro já vinha mostrando sinais de retomada há um bom tempo. Dois bons exemplos são O Quatrilho e Central do Brasil, que levou a atriz Fernanda Montenegro a ganhar o Urso de Prata no Festival de Berlim e a concorrer ao Oscar de melhor atriz.

A partir de Cidade de Deus, nosso cinema tornou-se um produto mais crível, tanto aqui como no exterior. Produções como Carandiru; Tropa de Elite I e II; O Cheiro do Ralo; Cinema, Aspirinas e Urubus e Estômago foram aclamados pela crítica e alcançaram boas bilheterias.

Por que estou dizendo isso tudo? Porque, certa vez, preparando uma palestra espírita sobre O Bem e o Mal, resolvi citar uma cena de Cidade de Deus. Quando assisti ao filme, considerei essa cena a mais violenta; um dileto exemplo do que é, de fato, o mal. Tempos depois, participando de um seminário com teóricos das áreas de comunicação e literatura, vi que não estava sozinho. Era opinião geral que o momento mais violento de Cidade de Deus (e olha que o filme é repleto de cenas de execução, tiroteio e espancamento) era a cena que eu escolhi e que descrevo a seguir.

Buscapé, o protagonista do filme, é um garoto que não se deixa levar pela vida marginal e vai trabalhar de contínuo num jornal de grande circulação. Como tem o hábito de fotografar, certo dia tira fotos dos jovens criminosos da Cidade de Deus e as mostra, inocentemente, para o pessoal do jornal. No dia seguinte, à revelia de Buscapé, as fotos aparecem na primeira página. Ele, muito nervoso, conversa com os jornalistas, pois tem medo que os bandidos possam expulsá-lo da comunidade ou até matá-lo. Os jornalistas, então, enrolam Buscapé. Quando ele sai de cena, o repórter e o diagramador do jornal se olham, se entreolham e sorriem maliciosamente. Esta é a cena mais violenta. Não há tiroteio, estupro, palavrões, consumo de drogas... Apenas um garoto com pouca instrução sendo ludibriado pela turma culta e bem articulada da imprensa.

Retornando à palestra, quando fui dar tal cena como exemplo, perguntei antes quem da plateia havia assistido à Cidade de Deus para corroborar o exemplo que eu daria. Para minha surpresa, ninguém ergueu o braço. Confesso que fiquei decepcionado. Havia cerca de 80 pessoas no salão; adultos na casa dos 30 e 40 anos, a maioria. Todos de classe média. Por que não haviam assistido ao filme? Por que é violento? Gostam somente de filmes? Preferem filme de cunho espiritualista? É filme brasileiro, portanto, pornográfico, como muitos ainda pensam? Terá sido por todos esses motivos?

Anos antes, assisti ao seminário Espiritismo e Ecologia, proferido pelo jornalista André Trigueiro. Para ilustrar o tema, ele perguntou se alguém da plateia sabia quem havia ganhado o Prêmio Nobel da Paz no ano anterior. Havia sido a ambientalista queniana Wangari Maathai. Ninguém sabia. Mais adiante, perguntou se alguém sabia qual havia sido o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica. Resposta: Água, fonte de vida. Mas ninguém sabia também.

Ele, então, ressaltou que o Espiritismo é uma doutrina moderna, sempre a par dos avanços da ciência e sempre dando respostas racionais e consoladoras aos conflitos do homem contemporâneo. Por essa razão, os espíritas não podiam ficar de fora da discussão ambiental. A Igreja, pelo tema da referida campanha, já se mostrava engajada.

Faço minhas as palavras do André Trigueiro e estendo-as à questão cultural. Será que Cidade de Deus, Tropa de Elite e os demais não devem ser vistos pelos espíritas por serem violentos? Em que mundo estamos? Num mundo onde ainda prevalece o mal. Deveremos, por isso, passar ao largo da violência que assola classes menos favorecidas e vem sendo brilhantemente retratada e denunciada pelo cinema brasileiro? Penso que não.

É corrente, no movimento espírita, dizer que “devemos estar no mundo sem sermos do mundo”. Eu mesmo já disse isso várias vezes em palestras. Mas o que de fato essa sentença quer dizer?

A realidade violenta retratada por boa parte da atual safra da produção cinematográfica nacional é chocante de ser vista. É uma realidade resultante de um misto de corrupção, descaso e injustiça social para a qual não podemos fechar os olhos. Pregamos o amor ao próximo e o perdão às ofensas? Sim. Devemos perseverar no bem? Sim. Mas isso não quer dizer que devemos ficar alheios a essa atual vertente da produção cinematográfica. Ela retrata e denuncia questões que muitos compatriotas vivem e que precisam ser superadas. Entender como funciona esse mundo cão pode nos dar subsídios para que o estudemos e até contribuamos para ajudar na busca de soluções, por mais difíceis e utópicas pareçam. Isso é estar no mundo sem ser do mundo. Seríamos do mundo se fôssemos coniventes ou diretamente ligados a tudo de errado que fomenta a indústria da violência.

Julgo preocupante o fato de muitos companheiros de movimento espírita não se arriscarem a assistir a tais filmes a pretexto de que são tristes e horrorosos, como já ouvi. Triste e horrorosa é a realidade que eles mostram, e de forma brilhante, lúcida, criticamente construtiva. Nessa realidade, há pessoas de bem que são espezinhadas por bandidos, milicianos e políticos corruptos; há policiais que suam a camisa, ganham pouco e não se deixam corromper; e há autoridades que arriscam a vida na luta contra um sistema corrompido. Gente, enfim, que merece nosso apoio, nossas preces, nosso incentivo.
Às vezes tenho a impressão de que muita gente pensa que, pelo fato de a verdadeira vida ser a espiritual, não devemos nos ater aos fatos do mundo, já que estamos aqui de passagem. Sermos indiferentes à questão da violência e da boa safra da produção nacional dos últimos tempos é nos comportarmos de forma alienada. É fugirmos do mundo, algo totalmente diferente de ser do mundo. É nos julgarmos superiores e crermos que não temos nada a ver com as mazelas do Brasil atual por estarmos nos preparando para o lado de lá.

Estar no mundo: reencarnamos na Terra para progredir, desenvolver potencialidades, transformarmos desafetos em afetos, resolvermos pendências de vidas passadas e contribuirmos para um mundo mais justo. Além disso, participarmos das discussões que visam a melhorar o País, cerrar fileiras contra o banditismo e a corrupção, sermos cidadãos mais participativos.

Ser do mundo: pactuarmos com o mal; sermos omissos; acovardarmo-nos diante de injustiças; irmos de roldão junto com a turba que xinga, bate, corrompe, fala o que não deve...

Fugir do mundo: não nos posicionarmos politicamente; não nos engajarmos na causa ecológica (Atenção, espírita: precisamos reciclar o lixo, evitar o desperdício de água; abolir o uso de sacolas plásticas na hora das compras...); não ir ao cinema, teatro, restaurantes; ficar alheio ao que muita gente interessante tem a dizer em livros, jornais... E, o mais preocupante, a meu ver: só sair de casa para ir ao centro espírita; só ler livros espíritas; só ir ao cinema para ver filmes espíritas. Agindo desse jeito, podemos nos tornar pessoas maçantes que só têm um assunto: Espiritismo, que, por mais fascinante e consolador que seja, não deve interessar a todas as pessoas com quem convivemos. Ou será que só convivemos com o pessoal do centro espírita?
É claro que temos o direito de assistir aos filmes que quisermos. Mas é triste ver pessoas do movimento espírita (adultos jovens, ainda por cima) ignorarem um filme como Cidade de Deus sob o pretexto de que é violento. Claro que é. Mas não é uma violência gratuita. Muito pelo contrário. Temos a ver, mesmo que indiretamente, com o que Fernando Meirelles mostra na tela.

Quando adotamos uma postura, digamos, isolacionista, corremos o risco de perder o senso crítico, ou seja, achar que só o que é espírita é bom. Não é, sinto muito. Dos recentes filmes espíritas, gostei de Nosso Lar e de Chico Xavier – O Filme. Mas confesso que não gostei de outros títulos. Não vou achá-los lindos só porque são espíritas. Louvo a atitude, acho importante que a Doutrina Espírita esteja cada vez mais presente nos cinemas. Não devemos, no entanto, perder de vista o senso crítico. A não ser que queiramos fugir do mundo em vez de estar no mundo.

Isso me lembra de um episódio vivido por mim e outros amigos da época da mocidade espírita, em meados da década de 1980. Estávamos numa cachoeira de Petrópolis num dia de verão. Um dos integrantes da mocidade havia levado um colega espírita de outro Estado. Lá pelas tantas, chega um grupo de pessoas e se acomoda um num ponto mais adiante de nós. Sem problema. Afinal, estávamos em local público. Nadávamos e conversávamos em paz quando esse rapaz espírita vira-se para nós e diz que era melhor irmos embora, pois ele havia visto entidades sofredoras junto com o grupo que chegara há pouco. Argumentamos que ficaríamos onde estávamos, nos divertindo de forma saudável.

Faço votos para que esse rapaz, a quem nunca mais vi, tenha amadurecido e educado sua mediunidade. Se começarmos a evitar determinados lugares por causa das entidades sofredoras que provavelmente lá se encontram, nunca mais iremos à praia, ao supermercado e aos já citados cinemas, teatros, restaurantes... Precisamos do mundo, e ele de nós. Vivamos as oportunidades culturais que o mundo oferece, mas sabendo separar o joio do trigo, como ensinou o Cristo. Isso é estar no mundo.

Tenhamos, portanto, cuidado para não nos isolarmos do mundo como se nada em volta além do Espiritismo nos interessasse. Não é isso que a Doutrina Espírita prega; não é isso que ela espera de nós.


 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita