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Correio Mediúnico
Ano 8 - N° 387 - 2 de Novembro de 2014
 
 

 

Piparote ao futurismo 

Eça de Queirós (Espírito)


Meu amigo,

Há mais de um decênio que não me preocupo com as parvoíces da Terra. Nem presumia a possibilidade de enviar novamente para aí a minha futilíssima correspondência, entregando-me à atividade, sem fadigas, do trabalho que me foi designado, como abelha dócil e paciente, quando alguém me insinuou a ideia de vir ditar-te as minhas sandices. Quê! Escrever para aí! Toda tentativa que eu fizesse redundaria em rematada loucura. Reafirmar todo o meu asco por essa vida materialona em doses fortes de ironia? Provocar a risibilidade dos enfermos humanos, que copiam fielmente a vida dos patos irracionalíssimos, a refocilarem-se grasnando nos charcos lamacentos?

Empresa inútil; todavia, apesar dos anos que tenho vivido nesta região de aquém, onde me surpreendem inimagináveis imprevistos, ainda não perdi o gosto de rir gostosamente do meu próximo, que se acha metido na veste sebosa da carne nojenta; mas uma necessidade se me impunha, imperiosa, tirânica: adaptar-me de novo a expressar as maviosidades aveludadas da língua portuguesa.

Um olhar retrospectivo bastou para que me sentisse apavorado com tantos progressos, tanta reforma, tanta novidade e tanta tolice...

Sempre amei o que é novo, detestando as formas e as medidas que constringem a beleza e a espontaneidade da ideação, adorando a originalidade, abominando, porém, a macaqueação e a estupidez. E a velha sociedade, com os seus costumes desonestos, deteriorando-se, dia a dia, numa decomposição asquerosa, apresenta-se-me tal qual uma cortesã muito antiga com os seus cabelos brancos, rosto enrugado, olhos escleróticos e dentes podres, cobrindo-se de pós perfumados e rendas de Bruxelas, toucando-se de um ar de mocidade fabricada. Foram talvez essas ânsias de apegar-se ao que seja parvoiçadas que, em confusão, provocaram o parto da onda futurista que avassala os cérebros fúteis da atualidade. Coisas da velhice caduca e incapaz... Cultua-se somente o que é tolo, adora-se apenas a frivolidade, entronizando-se tudo o que transpire a puerilidades ocas e casquilhas.

Que é a literatura hodierna? Um acervo de bagatelas da mentalidade dos palermas. E como se julgam engrandecidos os nossos extraordinários gigantes liliputianos que, atolados até o pescoço na sua ciência, condenam tudo o que é perfeito! O monumento literário da língua portuguesa, modernamente, não é mais do que uma caleça em cacos empoeirados, onde se aboletam os pobres passadistas, enfermos da cabeça.

Os livros nossos, genuinamente nossos, hoje não são mais que repositórios de bolor, de mofo, de sujidades; são letras ordinárias, falhas de beleza, sem a mínima dose de sentimental idade e poesia, e mesmo de patriotismo. Pecam, como arcaicas, por se prenderem a coisas de Portugal e do Brasil. Quem eram Herculano, Camilo, Fialho, Machado de Assis? Nomes que passaram, escrevinhadores de prosa barata para brochuras pífias e reles. Castilho, João de Deus, Antero de Quental? Poetastros e versejadores choramingas, que servem apenas para salientar a beleza imaculada das excelsas produções dos novos príncipes da poesia, imortalizados com os seus altíssimos poemas de cinco palavras. Tudo passou... Classicismo, estilística, vernaculidade? Só com os senhores puristas da época, iluminados de... idiotia. Esses, sim, com o rótulo de doutores por fora, com a carteira recheada de pergaminhos amarelentos, cheirando a bafio, estigmatizados por dentro com o sinal de patetas, são os grandes literatos futuristas. Transudando superioridade até nas extremidades das unhas, acham-se por aí aos centos, turibulados, incensados, provocando a admiração dos seus contemporâneos, que bem se assemelham àquele pobre quadrúpede resignado e pachorrento, que não sabe senão ornear ruidosamente.

Tantos e tão fortes motivos ordenavam que me afastasse da chatíssima intenção de escrever para aí; encontra-se enfraquecido, profundamente depauperado o meu arsenal de ironia e chocarrices, e já que somente com essas armas afiadíssimas se pode enfrentar sem medo a pirâmide imensa e fenomenal das parvoíces da besta humana, era necessário desistir.

Antegozei, contudo, o saboroso prazer de oferecer aos meus semelhantes a minha opinião pessoalíssima, que sempre lhes caiu na alma como pedra de acentuado sarcasmo, e lembrei-me dos bons tempos em que o Fernando de Lacerda transmitia a esse mundo sublunar as minhas asneiras, em cartas sensaboronas, que faziam o prato delicioso da sociedade alfacinha.

Acometeu-me o desejo incoercível de atirar um dos meus petardos de troça ao gênero bípede e estalar uma boa gargalhada, sonora e sã, com o fito de manifestar todas as minhas felicitações à sociedade nova, heroica, futurista, valente, vaidosa, sorridente e atoleimada... Foi o que fiz!

Focalizei no meu pensamento a ideia de vir ter contigo e bastou isso para que as minhas raras faculdades de fantasma alígero me conduzissem a este maravilhoso recanto sertanejo em que vives, esplendor de canto agreste, quase selvagem, trazendo-me reminiscências de uma paisagem minhota, cortada de regatos, aromatizada de frescas verduras, suave e perfumosa, encantadora e alegre, onde apenas faltasse o cheiro caricioso do vinho verde reconfortador.

Eça de Queirós encontra Chico Xavier – Busquei aproximar-me da tua individualidade... Vi-te, finalmente. Lá surgias ao fim de uma rua bem cuidada, onde se alinhavam casas brancas e arejadas, brasileiríssimas, abarrotadas de ar, de saúde, de sol; vinhas com o passo cansado, pele suarenta a derreter-se dentro de roupas quase ensebadas, com os pés metidos em legítimos sacos do Porto, obrigando-me a evocar o cais de Lisboa, onde pululam esses tipos vulgaríssimos de moços de recados e carregadores, envergando tamancos portuguesíssimos.

Sem que pudesses observar-me, submeti-te a demorado exame. Procurei a tua bagagem de pensamentos, encontrando na tua mocidade tudo quanto a tristeza criou de mais sombrio; em tua alma amargurada, vi apenas porções de sofrimentos, pedaços de angústia esterilizadora, recordações tristonhas, lágrimas cristalizadas, reconhecendo que ambos éramos falhos para o labor a empreender.

Que não te cause estranheza o meu modo particular de apreciação sobre a tua personalidade. Crê. Nisso não vai a mínima parcela de desconsideração. É que eu próprio me surpreendo com os tipos originais que o espiritualismo moderno apresenta ao mundo. Mãos que se entregam aos rudes trabalhos braçais, fazendo a literatura do além-túmulo, isto é, deste país estranho, onde, folgadamente, como pintassilgo às soltas na natureza, homens interessantes, que Tartufo, atualmente, mimoseia com os epítetos de bruxos e endemoninhados e que Esculápio, com toda a sua respeitável autoridade científica, qualifica de basbaques ou mistificadores, ou, ainda, classifica de casos patológicos a estudar.

Vi-te e ri-me. Não de ti. Ri-me da estultícia do cérebro desequilibrado do asno humano, com o seu volumoso e pesado arquivo de baboseiras. E é com esse riso espantoso, com essa mordacidade que foi sempre o meu característico, que resolvi dirigir-me a esse círculo vicioso de banalidades e formalismos chatos, onde costumas chorar tolamente. Convence-te de que se comete um ato desarrazoado, uma inqualificável imprudência, em derreter-se inutilmente, porque outrem se estertora voluntariamente no lamaçal onde se repoltreiam os irracionais. Abandona essa exótica preocupação aos mais parvos do que tu. Ri-se o mundo de nós? Riamo-nos dele! Achincalhemos os seus arremedos aos gorilas, ridiculizemos as suas intuições, onde predomina a bandalheira; traduzamos a admiração que tudo isso nos desperta com o riso bom, que sempre apavorou os tímidos e os insuficientes.

Por que há de alguém lamentar-se sobre a grandeza das esperanças, dos entusiasmos e ilusões, pelo motivo de a humanidade tosca preferir constantemente a mentira à verdade, a escuridão à luz, a guerra à paz, nunca conseguindo desviar-se do pantanal de detritos e porcarias?

Tens um ideal, que é o ideal do bem. O mesmo luminoso sonho de quantos têm admirado o maior e único mestre na Terra, que foi Jesus. Deixa os receios, os temores e as vacilações às toupeiras enceguecidas, que não suportam senão a luz coada das suas tocas subterrâneas e segue sempre, olhos fitos no clarão do teu esplendente idealismo, não reparando nem contando as dores, os tropeços, os obstáculos, recordando-te incessantemente de que só os que buscam a espiritualidade pura, que se banham nas claridades sadias do sol esplendoroso do sonho de perfeição de Jesus Cristo é que poderão receber as grandiosidades do seu amor.

Toda a minha capacidade descritiva é impotente para pintar a ventura suprema dessas almas que aí viveram em contubérnio com as úlceras da alma, com os padecimentos superlativos, com os cancros morais. Aqui aportam cobertas de chagas vivas e sanguinolentas, que não são transformadas em focos radiosos. Cada gilvaz de dor é uma flor de luz. São esses os gozadores dos benefícios de Deus.

Nunca consegui haver-me com quem se entregasse a lamentações estéreis e improfícuas...

Conhecendo todo o martirológio dos santos, fui sempre avesso aos cilícios, às penitências, à lágrima e à conta de rosário. É que considerava improdutiva toda oração sem trabalho, toda queixa sem luta, toda lamúria sem um esforço sério, no eterno combate da perfectibilidade.

Os que lutam, os que lutam e sofrem, batendo-se corajosamente, são os que possuem as alegrias daqui, que constituem o 'notre argent' (nossa moeda) com que adquirimos a felicidade sem mescla. E são prazeres radiosíssimos, belos. Nem podem comparar-se ligeiramente ao gozo instintivo do bicho humano, ao contemplar a 'belle femme', as sensações báquicas que se experimentam num café londrino e nem mesmo a alegria louca do artista que se vê, de uma hora para outra, coroado de glórias, no clássico 'salon' de Paris.

São emoções divinizadas, só aprendidas pelos lutadores, pelos que sonharam na esperança linda de concretização das doutrinas de fraternidade, da luz, do amor, da paz e do perdão... Segue, pois, o teu grande e luminoso ideal! E perdoa-me se nada mais sei dizer que te incite à prática do bem. É que nunca me pesaram muito na alma essas questões de virtudes e bem-aventuranças; jamais pude esconder o meu amor 'enragé', (raivoso) por tudo quanto é singularmente profano. Soube rir, rir apenas... Talvez seja esse o motivo por que se enferrujaram as fibras mais delicadas da minha sensibilidade de ironista, faltando-lhes, por certo, para que se mantivessem normais, o lubrificante das lágrimas, que detestei em todos os minutos da minha vida boçal de palhaço.

Adeus! E não olvides do riso, as investidas dos patifes que se refestelam no brejo lodacento das misérias deste mundo de esclarecidíssima ciência ateia, de grandes sábios pigmeus e de portentosas nulidades.         


Mensagem mediúnica recebida por Francisco Cândido Xavier na década de 1930, publicada no livro “O Voo da Garça”, de autoria de John Harley, ed. Vinha de Luz (Belo Horizonte).


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita