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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 344 - 5 de Janeiro de 2014

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP (Brasil)

 
 


O perigo da idolatria espírita


Por enquanto pertencemos a uma época instável e compomos, no geral, uma sociedade instável. Porém, ser moderno não é apenas estar vivendo atualmente (2013), mas também procurar compreender o que denuncia nosso Zeitgeist, ou seja, tentar discernir os ecos do plano invisível que guiam os padrões do existir no plano visível – e, portanto, os comportamentos sociais não são apenas “eventos externos”, eventos da esfera privado-público, mas também “internos” e como ocorrências ou fatos da alma.

Por isso somos obrigados a tornar conscientes motivos e/ou convicções que no geral estão a orientar nossas vidas para que possamos viver “menos” às cegas, mais conscientes em relação a nós mesmos, nossos deveres, tarefas, compromissos e para que não sejamos escravos da biografia alheia.

É fato que as pessoas na Antiguidade tinham por hábito cultuar deuses. Não sem razão, Jung perguntou para onde foram os deuses depois que deixaram o Olimpo, e ele mesmo adivinhou que tinham ido para o plexo solar. Mais tarde, quando os homens descartaram as catedrais medievais – e o culto a reis e papas –, o mesmo Jung escreveu numa carta que eles, os ocidentais, despencaram no abismo do Si-mesmo.

Em consequência, embora a diversidade de facetas da experiência moderna, uma há que chama a atenção, porquanto hoje (como no passado) os homens estão a cultuar deuses, mas estes agora estão metamorfoseados de líderes políticos, atores, jogadores de futebol, celebridades em geral e, no contexto espírita, celebridades espíritas!

Sem alarde, sabemos, através de estudos e pesquisas sérias, que grande parte da população mundial sofre nos tempos de agora, em maior ou menor grau, da síndrome do culto à personalidade. Além disso, os adolescentes, insinuam os estudos dedicados ao tema, são os mais suscetíveis ao transtorno. Mas particularmente observo muitos adultos preocupados com o ídolo...

Compreendo o respeito que se tenha a pessoas pela admiração que elas nos provocam quando realizam (e/ou realizaram) ações (obras) que nos afetam ou cativam em profundidade por qualquer razão ou motivo sensato. É humano e um belo tributo à pessoa, que terá seu nome inscrito na história de um povo, de uma comunidade, e, no nosso caso, nos registros espíritas...

Mas a meu ver isso basta. A idolatria não dá certo.

Cada um de nós pode, de tempos em tempos, regredir através de um padrão que polariza uma pessoa (no caso uma personalidade pública), tornando-se prisioneiro da arte de idolatrar. 

E o mínimo então que temos a fazer diante do risco das grandes forças regressivas dentro de nós, muito ligadas talvez ao antigo hábito de idolatrar ‘deuses ou bezerro de ouro’, é procurar retomar a consciência e se ater à prudente observação do poeta persa Rumi: “cada homem veio ao mundo para realizar um trabalho particular e esse é o seu propósito”. Quer dizer, mesmo “ele” [o ídolo] está fadado à realização de um trabalho particular e é um ser humano como qualquer outro.

Assim somos gratos a Francisco Cândido Xavier por sua fecunda mediunidade dedicada aos livros, por seus exemplos de consolo, caridade e humildade. Igualmente, sem olvidar que, segundo o próprio Jung, a coisa mais desastrosa sobre o inconsciente é que ele é inconsciente, somos gratos aos livros que alargaram nosso entendimento sobre o mundo interior, rigorosamente escritos pelo competente Espírito Joanna de Ângelis, e através da mediunidade de Divaldo Franco, cuja obra de assistência e de divulgação do Espiritismo pelo mundo é vasta e por si mesma denuncia o belo “trabalho particular” desse homem, trabalhador de Jesus.

Mas condutas que, no meio espírita, extrapolem o justo reconhecimento aos trabalhadores espíritas, infelizmente fazem aliança com o equívoco da idolatria. E creio que nenhum trabalhador espírita sério e mesmo Divaldo Franco mereçam ser alvos disso. Com ênfase, muito menos Divaldo Franco (1) e no instante do seu crepúsculo... Tenho certeza de que ele, se pudesse, apenas pediria para ser reconhecido como um trabalhador que de forma luminosa completou sua tarefa e que honra a Obra de Jesus.

Então, espíritas, por que dar vazão à síndrome do culto à personalidade e, em consequência, a esses excessos que observamos na mídia espírita, quando há registros de reportagens ou escritos de qualquer natureza carregados de expressões superlativas e/ou adulações? A discrição e humildade são sempre sinais de maturidade espiritual e essenciais para um existir equilibrado.

Como aprendizes da desistência da necessidade egoica de identificação/comparação, isto é, a atitude de estar ligado àquele que não sou, mas do qual dependo para ser quem sou, o culto à personalidade é sempre algo que urge ser retificado e evitado, principalmente no contexto espírita (e aqui me refiro especialmente aos responsáveis pela imprensa espírita), pois somos convocados a procurar nos precaver contra maneiras vicárias de viver.

Sabemos que Jesus é o modelo de todas as virtudes. E quando em sua passagem se reconheceu Mestre (Professor), recusou o qualificativo de bom, afirmando que somente o Pai merecia esse adjetivo. Uma clara prova de humildade e também uma atitude veementemente pedagógica contra o culto à personalidade.

Por fim, em julho deste ano, Papa Francisco pediu a remoção de uma estátua que o retrata, e que fora colocada nos jardins da Catedral Metropolitana de Buenos Aires. Ele, segundo o jornal Clarín, pediu a um padre da capital argentina: “tirem a minha estátua de Buenos Aires, sou contrário ao culto à personalidade”.

Assim como o Deus espírita não é um ídolo, “mas aquela realidade que, como dizia Descartes, está na consciência do homem como a marca do artista na sua obra” (Herculano Pires), tratemos pessoas e trabalhadores espíritas (2) como nossos irmãos (alguns mais experientes e, por isso, bem-sucedidos em suas tarefas e projetos), mas não como ídolos; afinal, o único modelo, e para todos nós, é Jesus, nosso Mestre e irmão mais velho, como bem esclareceu Francisco de Assis.

 

(1) E que fique claro o objetivo deste escrito: o problema não é “Divaldo Franco”, trabalhador honesto e autor de uma obra dedicada à causa do Cristo bela e decente, mas sim os “divaldianos”. Meus professores diziam sempre que o problema dificilmente reside no “autor da obra”, mas no geral o “fator de complicação” está nos seguidores (pensemos aqui em Marx e os marxistas; em Kant e os kantianos; em Lacan e os lacanianos etc.). Com exceções, é claro, muitos seguidores correm o risco do fanatismo. E isso diz respeito também a uma das facetas da idolatria, e que pode mascarar-se como ideologia etc. 

(2) O culto à personalidade espírita é um desserviço à divulgação da Doutrina, especialmente com o advento da Internet e mesmo das redes sociais. Poderíamos então evitar cultuar espíritas, estejam eles vivos ou mortos (vida além da vida). Senão corremos o risco, principalmente no Brasil, de observamos um “Espiritismo” polarizado nas figuras de “Chico e Divaldo” e isso não é saudável, pois muitos outros contribuíram e contribuem para a difusão desta Doutrina luminosa.  E penso que nós temos o dever de analisar as coisas de maneira serena e compreensiva, mas é preciso dar nosso testemunho sempre. E o Espiritismo, como uma Doutrina evolutiva, não pode por ingenuidade/imaturidade anuir com a idolatria. Fiquemos, pois, com um só Modelo: Jesus.

 

 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita