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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 312 - 19 de Maio de 2013

JOSÉ ESTÊNIO GOMES NEGREIROS
estenionegreiros@hotmail.com
Fortaleza, CE (Brasil)

 
 


Guimarães Rosa e a
Doutrina Espírita


Grandes vultos da Humanidade, em todos os tempos, têm manifestado sua crença na reencarnação das almas, na vida após a morte e na lei de causa e efeito.

Muitos séculos antes de Allan Kardec cunhar as expressões espírita e espiritista, portanto, em recuadas eras antes do advento do Espiritismo, profetas, governantes, filósofos, homens do povo, sábios e néscios professavam a crença na transmigração das almas, na comunicação e na manifestação dos mortos com e aos que se mantêm jungidos ao corpo carnal.

Principalmente artistas, cientistas, poetas, escritores, pintores e compositores formam um grande bloco daqueles que foram inspirados por entidades do mundo invisível na produção de suas obras e/ou invenções. Seria maçante se nos abalançássemos a referi-los aqui, até porque a lista seria longa demais para este espaço tão curto.

Nesta oportunidade fazemos referência a um dos expoentes da Literatura Brasileira e universal que afirmaram terem sido inspirados pelo mundo invisível em suas produções literárias. Referimo-nos ao escritor mineiro, João Guimarães Rosa, nascido em Cordisburgo, pequena cidade do norte de Minas Gerais, em 27 de junho de 1908, e falecido no Rio de Janeiro a 19 de novembro de 1967.

Formando-se em Medicina, na cidade de Belo Horizonte, no ano de 1930, clinicou no Interior mineiro até 1932, quando entrou na Força Pública como oficial-médico do 9º Batalhão de Infantaria de Barbacena (MG). Em 1934, por concurso, ingressou na carreira diplomática, tendo, nessa função, ocupado postos em diversas representações brasileiras internacionais. Em 1958, foi nomeado Ministro de Primeira Classe, cargo correspondente ao de Embaixador. Posteriormente foi designado Chefe de Serviço de Demarcação de Fronteiras, função que lhe deu a oportunidade de viajar pelo Brasil e certamente de conhecer os tipos diversos de personagens que figuram em suas produções literárias. Somente em 1946 entrou definitivamente para o círculo de literatos, com a publicação de Sagarana, seu primeiro livro. Em 1963, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Fato curioso: temendo que a emoção da posse causasse danos à sua saúde, adiou-a para 1967. A morte, porém, o espreitava. Morreu de uma parada cardíaca, três dias depois da sua investidura como acadêmico. Terá ele tido a premonição do que viria lhe acontecer, ao temer os efeitos emocionais da solenidade que o consagraria? Sua obra é vasta, e a maior expressão dela, reconhecida pela crítica especializada, é, sem dúvida, Grande Sertão: Veredas (1964/1965).

Em 26 de novembro de 1967, através de sua coluna publicada no jornal “O Estado de Minas”, Guimarães Rosa declarou que suas histórias lhe eram inspiradas “por vias supranormais”, e que uma de suas novelas foi escrita baseada num mesmo sonho que teve em duas noites subsequentes.

Referindo-se ele ao conto Carro de Bois, de sua autoria, ele afirma: “Aqui, houve fenômeno interessante, o único caso, neste livro, de mediunismo puro. Eu planejara escrever um conto de carro-de-bois com o carro, os bois, o guia e o carreiro. Penosamente, urdi o enredo, e, um sábado, fui dormir contente, disposto a pôr em caderno, no domingo, a história (nº. 1). Mas, no domingo, caiu-me do ou no crânio, prontinha, espécie de Minerva, outra história (nº. 2) – também com carro, bois, carreiro e guia – totalmente diferente da da véspera. Não hesitei: escrevi-a, logo, e me esqueci da outra, da anterior”.

A respeito do seu romance inacabado, que teria como título A Fazendeira de Velas, cuja trama se passava no final do século XIX, num sobrado de uma antiga cidade mineira e no qual a solitária personagem era vivida pelo próprio romancista, ele assim se expressa: “Mas foi acontecendo que a exposição se aprofundasse, triste, contra meu entusiasmo. A personagem, ainda enferma, falava de sua doença grave. Inconjurável, quase cósmica, ia-se essa tristeza passando para mim, me permeava. Tirei-me de sério medo. Larguei essa ficção de lado. O que do livro havia, e o que a ele se referia, trouxe-me em gaveta. Mas as coisas impalpáveis andavam já em movimento. Daí a meses, ano e meio, adoeci, e a doença imitava, ponto por ponto, a do narrador! Então? Más coincidências destas calam-se com cuidado, em claro não se comentam. Outro tempo após, tive de ir, por acaso, a uma casa – onde a sala seria, sem toque ou retoque, a do romanceado sobrado, que da imaginação eu tirara e decorara, visualizava frequentando-a por ofício. Sei quais foram, céus, meu choque e susto. Tudo isso é verdade. Dobremos de silêncio”. Neste trecho, parece refletir-se um caso de premonição.

Quem teve a oportunidade de ler Grande Sertão: Veredas conhece bem as diversas alusões que a personagem Riobaldo – misto de vaqueiro e jagunço e narrador da história em primeira pessoa – faz do seu Compadre meu Quelemém, para ele, Riobaldo, uma espécie de guru espiritual que tinha sempre uma sábia explicação sobre as ocorrências da vida humana, como se conhecesse a eterna lei de causa e efeito. Tais passagens revelam claramente a influência espírita ou espiritualista exercida sobre aquele escritor. Vejamos, abaixo, tais passagens.

“Compadre meu Quelemém descreve que o que revela efeito são os baixos Espíritos descarnados, de terceira, fuzuando nas piores trevas e com ânsias de se travarem com os viventes – dão encosto. Compadre meu Quelemém é quem muito me consola – Quelemém de Góis. Mas ele tem de morar longe daqui, na Jijujã, Vereda do Buriti Pardo... Arres, me deixe lá, que – em endemoninhamento ou com encosto – o senhor mesmo há de ter conhecido diversos, homens e mulheres. Pois não sim? Por mim. Tantos vi, que aprendi. Rincha-Mãe, Sangue-d´Outro, o Muitos-Beiços, o Rasga-em-Baixo, Faca-Fria, o Fancho-Bode, um Treciziano, o Azinhavre... o Hermógenes... Deles, punhadão. Se eu pudesse esquecer tantos nomes... Não sou amansador de cavalos! E, mesmo, quem de si de ser jagunço se entrete, já é por alguma competência entrante do demônio. Será não? Será?”

“Compadre meu Quelemém reprovou minhas incertezas. Que, por certo, noutra vida revirada, os meninos também tinham sido os mais malvados, da massa e peça do pai, demônios do mesmo caldeirão de lugar. Senhor o que acha? E o velhinho assassinado? – eu sei que o senhor vai discutir. Pois, também. Em ordem que ele tinha um pecado de crime, no corpo, por pagar. Se a gente – conforme compadre meu Quelemém é quem diz – se a gente torna a encarnar renovado, eu cismo até que o inimigo de morte pode vir como filho do inimigo. Mire veja: se me digo, tem um sujeito Pedro Pindó vizinho daqui mais seis léguas, homem de bem por tudo em tudo, ele e a mulher dele, sempre sido bons, de bem. Eles têm um filho duns dez anos, chamado Valtêi – nome moderno, é o que o povo daqui agora apreceia, o senhor sabe. Pois essezinho, essezim, desde que algum entendimento alumiou, feito mostrou o que é: pedido madrasto, azedo queimador, gostoso de ruim de dentro do fundo das espécies de sua natureza. Em qual que judia, ao devagar, de todo bicho ou criaçãozinha pequena que pega; uma vez encontrou uma crioula benta-bêbada dormindo, arranjou um caco de garrafa, lanhou em três pontos a popa da perna dela. O que esse menino bebeja vendo, é sangrarem galinha ou esfaquear porco. – “Eu gosto de matar...” – uma ocasião ele pequenino me disse. Abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça – o voo já está pronto! Pois, o senhor vigie: o pai, Pedro Pindó, modo de corrigir isso, e a mãe, dão nele, de miséria e mastro – botam o menino sem comer, amarram em árvores no terreiro, ele nu nuelo, mesmo em junho frio, lavram o corpinho dele na peia e na taca, depois limpam a pele do sangue, com cuia de salmoura. A gente sabe, espia, fica gasturado. O menino já rebaixou magreza, os olhos entrando, carinha de ossos, encaveirada, entisicou, o tempo todo tosse, tossura da que puxa secos peitos. Arre, que agora visível, o Pindó e a mulher se habituaram de nele bater, de pouquinho em pouquim foram criando nisso um prazer feio de diversão – como regulam as sovas em horas certas confortáveis, até chamam gente para ver o exemplo bom. Acho que esse menino não dura, já está no blimbilim, não chega para a quaresma que vem... Uê-Uê, então?! Não sendo como compadre meu Quelemém quer, que explicação é que o senhor dava? Aquele menino tinha sido homem. Devia, em balanço, terríveis perversidades. Alma dele estava no breu. Mostrava. E, agora, pagava. Ah, mas, acontece, quando está chorando e penado, ele sofre igual fosse um menino bonzinho... Ave, vi de tudo, neste mundo! Já vi até cavalo com soluço... – o que é a coisa mais custosa que há.”

“Eu gosto muito de moral. Raciocinar, exortar os outros para o bom caminho, aconselhar a justo. Minha mulher, que o senhor sabe, zela por mim: muita reza. Ela é uma abençoável. Compadre meu Quelemém sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem assistido, terríveis bons Espíritos me protegem. Ipê! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”

“Bom, ia falando: questão, isso que me sovaca... Ah, formei aquela pergunta, para compadre meu Quelemém. Que me respondeu: que, por perto do Céu, a gente se alimpou tanto, que todos os feios passados se exalaram de não ser – feito sem modez de tempo de criança, más artes. Como a gente não carece de ter remorso do que divulgou no latejo de seus pesadelos de uma noite. Assim que: tosou-se, floreou-se! Ahã. Por isso dito, é que a ida para o Céu é demorada. Eu confiro com compadre meu Quelemém, o senhor sabe: razão da crença mesma que tem – que, por todo mal, que se faz, um dia se repaga, o exato. Sujeito assim madruga três vezes, em antes de querer facilitar em qualquer minudência repreensível... Compadre meu Quelemém nunca fala vazio, não subtrata. Só que isto a ele não vou expor. A gente nunca deve de declarar que aceita inteiro o alheio – essa é que é a regra do rei! O senhor... Mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.”

“Às vezes penso: seria o caso de pessoas de fé e posição se reunirem, em algum apropriado lugar, no meio dos gerais, para se viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo glória do perdão do mundo. Todos vinham comparecendo, lá se levantava enorme igreja, não havia mais crimes, nem ambição, e todo sofrimento se espraiava em Deus, dado logo, até à hora de cada uma morte cantar. Raciocinei isso com compadre meu Quelemém, e ele duvidou com a cabeça: – ‘Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho...’ – ciente me respondeu.”

Na singeleza das histórias contadas por Riobaldo sobre as peripécias de sua sofrida e aventureira vida, manifesta-se o belo vigor poético de Guimarães Rosa, desnudando o homem e mostrando suas fraquezas e limitações morais em face de suas vicissitudes durante sua romagem terrena.

 

Bibliografia:

Livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (Editor Victor Civita, 1983). 



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita