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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 311 - 12 de Maio de 2013

MARCELO HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br

Brasília, DF (Brasil)

 
 


Em louvor e em apoio à pesquisa espírita de qualidade!

“A Ciência Espírita está em nossas mãos e nos indica o roteiro a seguir. Mas nós a envolvemos em dúvidas e debates inúteis, ao invés de nos alistarmos em suas fileiras e de nos entregarmos generosamente ao seu estudo, à sua divulgação e à sua prática.

[...]

A Ciência Espírita necessita de escolas, de Universidades, de bibliografias especializadas. Não pode contar com os recursos comuns da simonia, em que se banqueteiam as religiões pomposas e mentirosas. Não existe no mundo uma única Universidade Espírita, em que a Ciência Admirável possa manter e desenvolver os seus trabalhos de pesquisa científica.”

José Herculano Pires, O Desenvolvimento Científico.


O Espiritismo nasceu da pesquisa. Empírica, é verdade, pois partiu da curiosidade de um homem de ciências, Hippolyte Léon Denizard Rivail (depois, Allan Kardec, por pseudônimo), que observou criteriosamente o(s) fenômeno(s) e buscou-lhes, depois, atribuir-lhe(s) causas e explicações à luz da racionalidade cartesiana. Enorme dificuldade, pois, uma vez que os chamados fenômenos paranormais ou extrafísicos não podiam (e não podem, até hoje) serem balizados pelas normas e regras do cartesianismo. Veja-se, a propósito, muito liminarmente, quatro pontuais afirmações de Kardec, já no chamado momento maduro e final de sua produção espiritista: “Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental”; “nunca elaborei teorias preconcebidas”; “observava cuidadosamente, comparava, deduzia conseqüências”; e, “dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão”. 

Vê-se, aí, magistralmente, a humildade científica do pesquisador, requisito fundamental para quem deseja fazer ciência. No meio acadêmico-científico, especialmente no âmbito do desenvolvimento de teses, costuma-se prescrever que, ANTES da pesquisa o pesquisador não pode querer, de antemão, saber qual será o resultado dela. Na prática, todo aquele que se debruça sobre um tema, deseja uma resposta, que pode ser validadora ou rejeitadora de sua hipótese de investigação. Assim, previamente, ele se pergunta: conseguirei (ou não) demonstrar a validade da hipótese, construindo, assim, a tese (afirmativa ou negativa)? 

Com tal premissa, parte ele para o campo experimental e da qualidade da investigação irá depender o resultado final de sua pesquisa. Quanto mais atento e cético em relação à hipótese formulada, maior a isenção que caracterizará seu trabalho e o conduzirá ao aperfeiçoamento do método, a análise de amostras e a formulação das teorias que o fundamentem. 

Muitos espíritas, do passado e do presente, se debruçaram e continuam se debruçando sobre a pesquisa espírita. É fato que as academias permitem a apresentação de “teses espíritas” e temos visto, aqui ou ali, a defesa de trabalhos com foco no Espiritismo em diversas universidades brasileiras. Vez por outra chega a notícia da aprovação laureada de algum trabalho com temática (ou alcance) espiritista em instituições públicas ou privadas de nosso país. Nas bancas, como elemento de valorização do esforço do pesquisador, não estão, usualmente, outros espíritas. Muito pelo contrário. Temos especialistas, doutores e pós-doutores na ciência e nas linhas de pesquisa adotadas pela universidade. Em muitos dos casos, nem o orientador (e o co-orientador, quando existente) têm formação ou vinculação com o movimento e a filosofia espíritas. Mas abraçaram, desde o início da intenção de pesquisa (plano ou pré-projeto), a iniciativa manifesta pelo estudante (doutorando) em enveredar sobre tema com matizes espirituais, buscando a validação científica (ou não) de sua hipótese. Além dele, outros membros da instituição de ensino igualmente avaliaram o documento inicial do pesquisador e afiançaram que o mesmo possuía caracterização e alcance científicos. 

No contexto da vida encarnada, assim, é de absoluta imperiosidade a concretização de parcerias material-espirituais, tendo afirmado sobejamente os Espíritos a Kardec que a manifestação espiritual, por meio da mediunidade, não teria o condão de “[...]liberar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitirem, inteiramente pronta, nenhuma ciência. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no perfeitamente os espíritas”, corroborando a afirmação de que os avanços científicos do nosso mundo seriam possíveis a partir dos esforços dos seres encarnados, sem olvidar a presença e a assistência dos Espíritos na execução das atividades de caráter científico humano. 

Todavia, o número de pesquisas acadêmicas ainda é bastante limitado e precárias são as incursões dos espíritas em várias áreas do conhecimento científico contemporâneo. Muitos até têm a intenção inicial da confecção de um trabalho acadêmico com temática espiritista, mas sofrem com algum preconceito por parte de certos professores, colegas ou especialistas – julgando se tratar de uma investigação “religiosa” ou com elementos de crença, fé ou personalismo – ou o próprio doutorando não se acha suficientemente encorajado para o desenvolvimento de uma “tese espírita” na universidade. 

Em paralelo, temos no chamado “movimento espírita” vários companheiros que são do meio acadêmico, que têm destacada atuação no cenário da divulgação espírita e, até, participam de instituições, compondo seus quadros diretivos, mas concentram sua atividade profissional e de pesquisa em temas “materialistas”, isto é, sem qualquer correlação com os princípios e postulados espiritistas. 

É para este segundo segmento que uma iniciativa inédita começa a ser desenvolvida no meio espírita. No âmbito da Federação Espírita Catarinense, que possui, organizacionalmente, também de maneira única no contexto espírita nacional e internacional, uma vice-presidência de cultura e ciência (VPCC) e, dentro desta, um núcleo de estudos e orientação para a pesquisa (NEOPE), o qual possui, organizacionalmente, uma clara e manifesta intenção: FORMAR PESQUISADORES ESPÍRITAS. Com este escopo, está por lançar, para o movimento espírita nacional, dois cursos específicos, em sede de extensão universitária, possuindo, assim, os elementos fundantes e caracterizadores da seriedade, da autenticidade e da organicidade material acadêmicas. O objetivo é preparar coordenadores de pesquisa transfenomenológica (“pesquisa do Espírito”) para elaborar, planejar e gerenciar projetos de pesquisa transfenomenológica científico e tecnológico com utilização do ambiente virtual. Isto estará ocorrendo ainda neste semestre, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a partir da tutoria de um professor-pesquisador devidamente credenciado pela instituição e que exerce a coordenação do NEOPE. 

“Temos de criar a Universidade Espírita, onde a Ciência Espírita poderá desenvolver-se suficientemente para termos e ampliarmos os benefícios da Cultura Espírita no mundo. Só a Cultura Espírita efetivada nas instituições culturais superiores poderá nos franquear os portais da Era Cósmica”, já teria dito Herculano, formulando o esboço da proposta que ora se concretiza. 

Merece referência, por oportuno, a menção (ainda que parcial) ao conteúdo programático dos cursos, que irão conter: elaboração de um projeto de pesquisa (escolha do tema, definição dos participantes pesquisadores em transfenomenologia, alunos e escolha de locais e pessoas para pesquisar); Revisão bibliográfica, definição e escolha metodológica, técnicas e métodos da pesquisa; definição das etapas pré-campo, campo e pós-campo; definição da estruturação mínima do banco de dados (tipo de sistema, servidor e software) e das informações necessárias para o pré-campo; aspectos éticos e políticos dos projetos; visão sistêmica de um projeto de pesquisa; aspectos específicos das abordagens de pesquisa (qualitativo, quantitativo e tecnológico), entre outros. 

Como bem descrita em um de seus documentos constitutivos, a iniciativa, tanto da vice-presidência quanto do núcleo a ela afeto, pretende tornar-se um centro crítico, , integrativo e de aprimoramento metodológico, pela participação e troca de ideias entre os interessados. Sua ocupação permanente será a de promover a integração mediante subsidiamento de metodologias e recursos adequados. Para dar azo a esse intento, os requisitos fundamentais de recursos humanos, técnicos, organizacionais e financeiros são essenciais. E, durante todo o processo, prévia, concomitante e posteriormente, a INFORMAÇÃO será o seu principal instrumento. 

Como tudo na vida humana se compõe de necessidades materiais, há que se prever a questão do financiamento destas atividades em sede externa ao movimento espírita (institucionalmente falando), tendo em vista a precariedade, em regra, das finanças dos centros e federações, quase sempre deficitárias ou dependentes das contribuições voluntárias dos adeptos e associados, as quais as mais das vezes são direcionadas para a prática assistencial que sempre caracterizou as instituições espiritistas, ao que se pretende interagir com a Sociedade, de modo claro, transparente e ético, na busca de fontes de financiamento, governamentais ou não, incluindo-se os entes públicos, as agências de fomento, os bancos públicos e privados e, é claro, as universidades e faculdades públicas e privadas. 

Nisto, imperioso relembrar a predição-previsão do próprio Herculano Pires, como advertência oportuna: “o aspecto cultural da Doutrina, e particularmente o seu aspecto científico, estruturado na Ciência Espírita, com a mais brilhante tradição, vê-se relegado, como se nada representasse nessa fase de transição, em que todos os espíritas conscientes da importância da Ciência Espírita deviam empenhar-se em lhe assegurar as possibilidades de desenvolvimento. Enganam-se os que pensam que tudo virá do Alto. O trabalho é nosso, dos homens pobres ou ricos, de todos os que se beneficiaram com os recursos da compreensão espírita em suas vidas passageiras” 

Finalmente, para que a iniciativa possa encontrar guarida entre os leitores deste texto, espíritas ou simpatizantes, estudiosos e interessados no continuum espiritista, isto é na permanência da filosofia doutrinária como elemento conceitual-prático de influenciação da vida individual e coletiva neste Planeta, vale salientar os três eixos sobre o qual se ocupa e se ocupará o NEOPE e a VPCC: 

1) A formação de pesquisadores, habituados aos rigores metodológicos próprios da ciência e da cultura, e ao quantum de qualificação, paciência, persistência e estudo que são exigidos para legitimar resultados e obter respeito nas comunidades científica e cultural;

2) O apoio a pesquisadores e redes de pesquisa existentes em todo o país (e, até, propositivamente, em outros países, brasileiros ou não), por meio de um amplo cadastro, ligando pessoas e promovendo a soma de esforços e a necessária universalidade do convencimento e da experimentação; e,

3) A adequada formulação de linhas de pesquisa, inicialmente debatida em sede do próprio NEOPE, e integrado pelos próprios pesquisadores, assegurando-lhe a independência científica tão necessária, a partir de prévio levantamento de vazios do modelo científico ou das condições culturais para ocupá-los objetivamente. 

Vale dizer, assim, que a iniciativa da federativa catarinense, sensível aos novos (e apropriados) tempos, de atender organizacionalmente as áreas da Cultura e da Ciência, que têm objetos específicos e distintos, permitirá, com acuidade e interesse, uma abordagem da vida, da humanidade e do conhecimento, a partir dos novos conceitos espíritas e qualificará a produção do conhecimento espírita e a dar atualidade ao discurso espírita e a prover os vazios sistêmicos. Para isso, estará a oferecer o lastro metodológico paraconsistente para a recompreensão do mundo, a visão espírita sobre a ciência, a filosofia e a religião, na concepção crítica do complexo cultural e humanista, fundada na imanência subjetiva e transcendência objetiva da espiritualidade. Será a preparação de novas leituras, todas conducentes à redução do sagrado à quotidianidade, sem a alienação simbólica dos rituais.

Praticamente o que Herculano Pires, em 1979, cognominou do “vir-a-ser” do Espiritismo, com a Doutrina sendo uma realidade entranhada nas estruturas atuais, na busca de novas soluções para os problemas humanos, projetando-se precisamente no que ainda não é, na rota das aspirações em demanda. Mas tal realidade depende fundamentalmente, na opinião do preclaro professor, de “conseguirmos despertar os homens para o urgente desenvolvimento da Ciência Espírita”, caso contrário, “nada mais teremos do que a cultura terrena em que vivemos, de olhos fechados para o alvorecer dos novos tempos”.

O desafio está lançado! 


Marcelo Henrique Pereira é Assistente da Vice-Presidência de Cultura e Ciência da Federação Espírita Catarinense e Assessor Administrativo da ABRADE - Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo.
 

 


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