Entrevista

por Wellington Balbo

O Espiritismo é um convite para aprendermos a pensar


 
Francisco Muniz (foto) nasceu no interior da Bahia, em Santo Amaro da Purificação, no ano de 1956. Desde criança morou em Feira de Santana, a Princesinha do Sertão, e lá teve o primeiro contato com o Espiritismo. Mudou-se para Salvador aos 20 anos, casou-se, teve filhos e netos e está por essa região até os dias de hoje. Jornalista e escritor, foi editor da revista Visão Espírita e do jornal Bahia Espírita. Desde o ano de 1996, Chico Muniz, como é conhecido, colabora com o Centro Espírita Deus, Luz e Verdade e Casa de Oração Bezerra de Menezes, ambas em Salvador. E foi para falar de juventude espírita, literatura e desafios existenciais que nosso amigo nos concedeu a entrevista abaixo.

 

Em sua adolescência você participou da mocidade espírita. Como era o movimento espírita em sua época de jovem?

O movimento espírita, em minha época de jovem no interior da Bahia - morei em Feira de Santana até 1976, quando vim trabalhar em Salvador - tinha suas peculiaridades, mas não era tão diferente do que havia em outras plagas, desde que sopraram os ventos do Pacto Áureo, hoje avalio. Além das atividades rotineiras na Casa Espírita, basicamente focadas nos estudos e na frequência às reuniões doutrinárias, havia os eventos ocasionais com a participação da juventude, como a visita a outras instituições em ocasiões festivas e a participação em campanhas voltadas para as obras assistenciais, quando saíamos às ruas geralmente em busca de donativos para compor cestas básicas para distribuição aos necessitados.

Vivemos outros tempos, momentos bem distintos, você pensa que o jovem de ontem estava mais engajado no movimento espírita do que o jovem atual? O que perdemos e o que ganhamos no que se refere à juventude com o passar desses anos?

Sem dúvida, o envolvimento juvenil no movimento espírita do passado permitia muito mais engajamento do que se pode observar na atualidade, embora saibamos que nessa fase eles, os jovens, estão se exercitando ou formando para futuras experiência muito mais producentes. Talvez as redes sociais, surgidas com a Internet, que ampliou em muito a diversificação de atrativos para os jovens, atendendo a muitos interesses materialistas, tenha provocado esse distanciamento, o que somente os esforços dos pais quanto à evangelização de seus filhos mostrando a riqueza da vivência espírita para o pensamento renovado e renovador, pode conseguir. Por outro lado, muitas Casas Espíritas têm se esforçado, através de seu departamento de Infância e Juventude, para mudar esse perfil, promovendo eventos integrativos voltados para a ampliação da consciência de cidadania, pela discussão de temas sociais como a preservação do meio ambiente, por exemplo.

Você é escritor com vários livros publicados. O que o despertou para a literatura?

Despertei para a literatura ainda na juventude. Eu fui um jovem romântico que sonhava viver de literatura, descobrindo depois quanto a realidade é dura. Minha formação de jornalista ajudou a desenvolver o gosto pela escrita e cheguei a ter um livro de contos publicado, após ganhar um concurso literário na UFBA quando ainda era estudante. O envolvimento na literatura espírita contou com uma experiência na imprensa espírita: fui editor do jornal Bahia Espírita, da Federação Espírita do Estado da Bahia, e da revista Visão Espírita, de circulação nacional. Os livros vieram quando fui convencido de que não se tratava de mera veleidade ou mesmo vaidade de minha parte, principalmente por considerar que eu não tinha nada a dizer. No entanto, acredito que a Espiritualidade estava por trás dessa tarefa e assim aproveitei para expandir o que já vinha fazendo ao colaborar no boletim interno que a Casa onde trabalho utiliza no apoio aos estudos acerca da mediunidade, produzindo artigos que me estimularam a publicar o primeiro livro - Lições do Evangelho para a Vida Prática.

A revista Visão Espírita foi uma publicação bem ousada, com a ideia de levar para outros horizontes a mensagem espírita atingindo um público diverso. Você, como editor da revista, avalia de que forma a atuação da imprensa espírita nos dias de hoje.

Houve uma época em que a ação da imprensa espírita teve ampla visibilidade junto ao público leitor, com a presença de muitas publicações à venda em bancas de revista e até em livrarias. Agora, a maioria esmagadora dos profissionais de imprensa, no âmbito do Espiritismo, concentra sua atenção nos veículos da mídia eletrônica, graças à penetração da Internet. Desse modo, os sites e blogs têm se encarregado de disseminar a produção de textos - artigos e reportagens - e vídeos, o que efetivamente ganha muito mais junto aos consumidores desse material informativo, que nos chega por e-mail ou são disponibilizados nas diversas plataformas existentes. Jornais e revistas que migraram para essa vertente eletrônica continuam valorosamente o ideal de Allan Kardec, consoante as palavras do Espírito Emmanuel: "A maior caridade que podemos fazer à Doutrina Espírita é sua própria divulgação".

Qual o perfil dos seus livros, o que encontrará o leitor ao tomar contato com sua literatura? Aproveite e fale um pouco sobre cada um deles.

Meus livros registram minha paixão pelo Evangelho de Jesus, manifestando minha vivência e compreensão do que seja o Espiritismo em seus três aspectos. Isso me permite considerar que a Doutrina, sendo libertária, não nos diz o que pensar, mas nos ensina a pensar, de modo que podemos tirar algumas conclusões de vários temas que podem de fato interessar a mais alguém. Atualmente, seis livros de minha autoria, de cunho eminentemente espírita, ou doutrinário, já chegaram ao público: o citado Lições do Evangelho para a Vida Prática, no qual tento explicar como fazer a reforma íntima; O Chamado, nascido após manter contato com o Espírito Irmã Rafaela, mentora de uma querida amiga já desencarnada que me inspirou algumas mensagens reflexivas; em Casas do Evangelho, com prefácio de Adilton Pugliese, foi publicado pelo C. E. Deus, Luz e Verdade em seu cinquentenário, exploro um tema inédito, os lugares que Jesus visitou na Palestina, sendo uma tentativa de explicar a importância do culto do Evangelho no lar; já Por Causa Dele - Pequenas histórias do tempo de Jesus, editado pela Casa de Oração Bezerra de Menezes no ano em que completava meio século de existência, reúne contos que dão vez e voz a personagens do Evangelho que só são citados "en passant"; O Alfabeto Divino, publicado por uma editora de Minas Gerais e prefaciado pelo escritor Wellington Balbo, surgiu a partir da informação do Espírito Lázaro no tópico sobre "A lei de amor" no Evangelho Segundo o Espiritismo dando conta da existência de um alfabeto de Deus. Por fim, este ano veio a lume Alma Espírita, uma coletânea de textos (artigos e ensaios) publicados no blog com esse nome que mantenho na Internet (almaespirita.blogspot.com).

Você escreveu um livro que narra sua experiência ao lidar com um câncer que o acometeu no ano de 2019. Pode compartilhar com nossos leitores como foi escrever um livro mesmo sendo visitado pela enfermidade? E, para aproveitar, como o conhecimento espírita foi colocado em prática nesse momento, digamos, tão desafiador.

Logo que foram se abrandando os incômodos – sim, durante o processo do tratamento quimioterápico, não senti dor um instante sequer, o que reputo à assistência espiritual sempre constante – da quimioterapia, após a cirurgia para retirada do tumor no reto, e aproveitando o isolamento social imposto para pandemia do Novo Coronavírus em 2020, a ideia de pôr no papel minha experiência com o câncer tomou vulto. Tive a oportunidade de refletir um pouco mais profundamente acerca desse meu envolvimento com a enfermidade, a partir de ocorrências na família e da colaboração com uma instituição que cuida de portadores de câncer que vêm do interior pra realizar o tratamento em Salvador. Durante um ano inteiro pude refletir sobre perdas (no corpo combalido) e ganhos nesse aprendizado, no contato com outros pacientes no hospital Aristides Maltez, onde me tratei, ampliando e fortalecendo também as relações familiares. É claro que, nesse período, minhas convicções religiosas em muito contribuíram para meu fortalecimento, muito mais moral do que físico, graças ao amparo incessante dos amigos espirituais e à ação de companheiros encarnados cujo apoio foi fundamental para meu restabelecimento. Hoje estou curado e faço o acompanhamento médico anualmente, mas sempre tirando 10 nos exames. Posso dizer de cátedra, então, que se o Espiritismo não cura corpos, suas orientações, se bem seguidas, nos deixam num tal equilíbrio mental que permite cuidarmos do organismo satisfatoriamente.

Diante de sua experiência no movimento espírita, qual aspecto da doutrina você considera ter um maior impacto na vida em sociedade?

Sem dúvida alguma, o aspecto do Espiritismo que mais impacta a vida em sociedade é o filosófico, de onde partem as consequências moralizantes que configuram o lado religioso da Doutrina codificada por Allan Kardec. Isso se deve à carência tanto material quanto emocional da população brasileira, em cujo coração as ideias consoladoras da Terceira Revelação fizeram pouso.

Quando alguém que está iniciando os estudos do Espiritismo pede sugestão de leitura, o que você indica e por quais razões?

Há dois tipos de literatura espírita que costumo indicar aos simpatizantes da Doutrina interessados em adentrar esse conhecimento: primeiro, o livro Boa Nova, de Humberto de Campos por Chico Xavier, para a necessária familiaridade com Jesus, onde tudo começa. Depois, indico as obras da Codificação, especialmente O Livro dos Espíritos, que oferece a base de novas reflexões, e O Evangelho Segundo o Espiritismo, para se saber como interpretar as palavras do Mestre Nazareno. Simbolicamente, é como o que indica a fita de Moebius, cujo movimento sempre leva ao começo e onde nada parece ter fim, porquanto tudo é mesmo infinito, um ir e vir que resulta em aprendizado e aperfeiçoamento, desde que se queira fugir do óbvio.

Deixe suas palavras finais aos leitores de nossa revista, por gentileza.

Costumo pensar e dizer, quando tenho oportunidade para isso, que o Espiritismo é um convite - na verdade, a renovação do convite de Jesus - para aprendermos a pensar e assim conseguirmos desfazer antigos conceitos, abraçar novas ideias e mudar de opinião sobre diversos assuntos para então assumirmos uma postura independente em relação ao estatuído. Sermos livres  pensadores, parece-me, é a grande proposta de Allan Kardec ao veicular com nova roupagem as ideias  revolucionárias do Cristo no sentido de conhecermos a Verdade que liberta, salientando que o caminho é para dentro de nós mesmos.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita