Especial

por Paulo Neto

Reencarnações anteriores de Allan Kardec: análise crítica
de manuscritos póstumos

 

“A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu modo, dará origem a opiniões dissidentes.” (ALLAN KARDEC)

 

Em novembro de 2025, a FEAL – Fundação Espírita André Luiz publica o livro O Espiritismo é Obra de Jesus, de autoria de Paulo Henrique de Figueiredo e outros autores [1].

Do capítulo “7 – As vidas passadas de Rivail”, da Segunda Parte intitulada “O restabelecimento do Espiritismo” analisaremos alguns itens.

1º) O Espiritismo é Obra de Jesus: 7.3 – Meu querido discípulo de Atenas

Um exemplo notável de espírito marcado foi Allan Kardec. Ele iniciou sua colaboração com Jesus muito antes da doutrina espírita, tendo sido seu precursor em diversas encarnações. Uma delas, segundo revelações espirituais, foi como Platão, o grande filósofo grego nascido por volta de 428 a.C., em Atenas. Platão foi um dos pilares da filosofia ocidental, fundador de uma das primeiras instituições de ensino superior do mundo ocidental.

Kardec, ao tomar conhecimento dessa identidade anterior, fez a seguinte prece:

A revelação que me foi feita sobre a minha existência sob o nome de Platão impõe-me uma obrigação adicional, pois dissipa as dúvidas que ainda podiam existir em mim sobre a minha missão. Tenho a satisfação de ver que isso não me enche de orgulho, mas que faz nascer em mim o sentimento de um dever adicional; isso dá-me uma maior força moral. Ficarei muito feliz em ver nossos esforços coroados de sucesso no interesse da humanidade e poder me entregar sem perturbações a todas as meditações que um assunto tão sério comporta. É isso que espero, de acordo com suas promessas e a bondade de Deus Todo-Poderoso (CDOR Canuto 1857 MM_DD_AKD_02).

Platão foi discípulo direto de Sócrates, e em manuscritos preservados, há uma mensagem atribuída ao próprio Sócrates, na qual ele se refere à missão de Kardec e confirma essa ligação espiritual entre mestre e discípulo:

Há preocupação e agitação por toda a parte; questiona-se de forma muito mais séria se a tua obra é a de um louco ou de um filósofo, e se os sectários que te seguem

são alucinados deslumbrados por miragens enganosas, ou crentes convencidos por provas incontestáveis. [...] Continua, pois, o teu caminho pelo mar desconhecido; és o Cristóvão Colombo que caminha com certeza em direção à verdadeira Terra Prometida. Nos exércitos em marcha, sempre houve, e ainda haverá por muito tempo, retardatários, mas isso não importa! O sucesso está garantido para a grandiosa obra para a qual chamei o meu velho amigo, o meu querido discípulo de Atenas. Sócrates (CDOR Lucas 1862_MM_DD, p. 19).

O espírito que animou Platão e mais tarde Kardec – não realizou tais missões por acaso ou improviso. Ele foi enviado por Jesus à Terra após extenso preparo, conhecendo desde antes o planejamento de suas reencarnações. Como veremos a seguir, ele teve existências marcantes ao longo da história da humanidade, compondo uma trajetória coerente e progressiva.

Identificações reencarnatórias atribuídas a Allan Kardec aparecem em comunicações recebidas por médiuns independentes uns dos outros e em dossiês que ele próprio reservou à posteridade, orientado por Jesus, para quando não houvesse mais contemporâneos seus, evitando ferir susceptibilidades. […] [2]

Na mensagem de Sócrates a expressão “meu velho amigo” caberia a Críton, enquanto “meu discípulo de Atenas” corresponderia mais a Platão. Por isso, não parece adequado vinculá-las de forma definitiva a apenas um deles.

Do tópico “Resumo da doutrina de Sócrates e Platão” da Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, destacamos o último parágrafo:

Se Sócrates e Platão tivessem conhecido os ensinos que o Cristo daria quinhentos anos mais tarde e os que agora dão os Espíritos, não teriam falado de outro modo. Não há nisto nada que deva surpreender, se considerarmos que as grandes verdades são eternas e que os Espíritos adiantados devem tê-las conhecido antes de virem à Terra para onde as trouxeram; que Sócrates, Platão e os grandes filósofos daqueles tempos bem podem, depois, ter sido dos que secundaram o Cristo na sua missão divina, e que foram escolhidos para esse fim precisamente por se acharem, mais do que outros, em condições de lhe compreenderem as sublimes lições; que, finalmente, podem hoje fazer parte da plêiade dos Espíritos encarregados de ensinar aos homens as mesmas verdades[3] (grifo nosso)

Pelo que Allan Kardec afirma ao final, compreendemos que Sócrates e Platão, na condição de desencarnados, poderiam ter feito parte da plêiade de Espíritos envolvidos na Codificação Espírita.

É importante destacar que Platão, um suposto personagem anterior do Codificador, segundo se sabe, acreditava na reencarnação, fato que os autores de O Espiritismo é Obra de Jesus confirmam:

Platão e Sócrates adotavam a doutrina da reencarnação, já amplamente conhecida em sua época, admitida por Pitágoras, indianos e egípcios. Mas que deixou Allan Kardec surpreso foi encontrar em Platão a teoria da escolha das provas, revelada pelos espíritos:

Nos surpreendeu estranhamente, porque o confessamos, com toda a humildade, que o que Platão havia escrito sobre esse assunto especial, nos era, então, totalmente desconhecido, prova nova, entre mil, que as comunicações que nos foram feitas não são o reflexo de nossa opinião pessoal (RE58, set, p. 5).

No final de A República, Platão apresenta a alegoria do Fuso da Necessidade como parte do Mito de Er (Livro 10, 614b-621d), uma narrativa que descreve o destino das almas após a morte e o processo de reencarnação. […]. [4] (o grifo do último parágrafo é do original, o restante é nosso)

Destacamos, nestas três obras da Codificação, um ponto de grande relevância que, não raro, escapa à atenção de espíritas empenhados em “descobrir” reencarnações de vultos do Espiritismo:

1ª) O Livro dos Espíritos, capítulo “VII – Retorno à vida corpórea”, tópico “Esquecimento do passado:

 Embora em nossa vida corpórea não nos lembremos com exatidão do que fomos […] nas existências anteriores, temos a intuição de tudo isso, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do nosso passado, […]. [5] (grifo nosso)

2ª) O Céu e o Inferno, Primeira Parte, capítulo “III – O céu”, item 9:

Para cada nova existência, o Espírito traz consigo o que adquiriu nas anteriores, em aptidões, conhecimentos intuitivos, inteligência e moralidade. Cada existência é assim um passo adiante no caminho do progresso. [6] (grifo nosso)

3ª) Revista Espírita 1867, mês de março, artigo “Da homeopatia nas doenças morais”:

Segundo a Doutrina Espírita, não só o Espírito sobrevive, mas preexiste ao corpo; não é um ser novo; quando nasce, traz as ideias, as qualidades e as imperfeições que possuía; assim se explicam as ideias, as aptidões e as tendências inatas. […][7] (itálico do original, negrito nosso)

Assim, se Allan Kardec tivesse sido Platão, seria de se esperar que trouxesse em sua bagagem espiritual a crença na reencarnação. Contudo, não nos parece que isso tenha ocorrido. Citaremos dois artigos da Revista Espírita 1858, os seguintes trechos:

1º) Mês de setembro, do artigo “Platão: doutrina de escolha das provas”:

[…] Todo o mundo sabe que a ideia da reencarnação remonta à mais alta antiguidade, e que o próprio Pitágoras a hauriu entre os Indianos e os Egípcios. Não é, pois, de se admirar que Platão, Sócrates e outros, partilhassem uma opinião admitida pelos mais ilustres filósofos da época; mas o que, talvez, seja mais notável é encontrar, nessa época, o princípio da doutrina de escolha das provas, ensinada hoje pelos Espíritos, doutrina que pressupõe a reencarnação sem a qual não teria nenhuma razão de ser. Não discutiremos hoje essa teoria, que estava tão longe do nosso pensamento quando os Espíritos no-la revelaram, que nos surpreendeu estranhamente, porque o confessamos, com toda a humildade, que o que Platão havia escrito sobre esse assunto especial, nos era, então, totalmente desconhecido, prova nova, entre mil, que as comunicações que nos foram feitas não são o reflexo de nossa opinião pessoal. [8]

2°) Mês de novembro, do artigo “Pluralidade das Existências Corpóreas”, a certa altura o Codificador esclarece:

[…] quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, ela estava tão longe do nosso pensamento, que tínhamos feito, sobre os antecedentes da alma um sistema diferente, de resto, partilhado por muitas pessoas. A doutrina dos Espíritos, sob esse assunto, portanto, nos surpreendeu; diremos mais, contrariou, porque derrubou as nossas próprias ideias; […] não cedemos ao primeiro choque; combatemos, defendemos a nossa opinião, levantamos objeções, e não nos rendemos senão à evidência, e quando vimos a insuficiência do nosso sistema para resolver todas as questões que esse assunto levanta. [9]

Diante disso, surge a inevitável indagação: teria Platão, ao retornar ao palco terreno como Allan Kardec, esquecido sua crença na pluralidade das existências? Tal hipótese não nos parece lógica nem racional, pois o que seria de esperar é justamente o contrário.

2º) O Espiritismo é Obra de Jesus: 7.7 – Outras vidas de Allan Kardec

Platão não foi a única, tampouco a primeira existência marcante vivida pelo espírito que animou Hippolyte Léon Denizard Rivail em benefício da humanidade. Entre as encarnações mais conhecidas, segundo comunicações mediúnicas, destaca-se aquela ocorrida no tempo dos druidas, nas Gálias, onde viveu acompanhado de seu espírito familiar, Zéfiro – o mesmo que, mais tarde, lhe revelaria essa memória espiritual. Nessa época, seu nome era Allan Kardec.

Foi justamente esse nome, Allan Kardec, que Rivail adotou como pseudônimo ao lançar O Livro dos Espíritos. Seu objetivo era claro: dissociar sua identidade reconhecida como pesquisador e escritor nos meios educacionais e científicos, da autoria da obra, que pertencia aos espíritos superiores.

Importante ressaltar que Rivail jamais tornou públicas essas revelações durante sua vida terrena. Contudo, ele organizou um dossiê contendo documentos, relatos e provas relacionados a essas experiências e informações espirituais, reservando esse material à posteridade, com o intuito de possibilitar uma futura e mais ampla compreensão da gênese e da missão do Espiritismo.

Em encarnações anteriores, ele esteve diretamente envolvido nas duas primeiras revelações, exercendo papéis essenciais para o progresso moral e espiritual da humanidade. Essas vidas passadas foram reveladas a Allan e confirmadas por espíritos superiores por intermédio de diversos médiuns, independentes entre si, desde os primeiros anos de sua atividade espírita.

O professor Rivail deixou documentos nos quais revela ter sido:

· o profeta Elias do Antigo Testamento,

· Platão na Grécia Antiga,

· João Batista, na época de Jesus

e o reformador Jan Huss entre os séculos 14 e 15. [10]

A questão, porém, é saber se são verdadeiras revelações ou apenas opiniões pessoais. Para melhor compreensão, vejamos este trecho da fala de Allan Kardec, inserido no “Discurso de encerramento do ano social 1858-1859”, publicado na Revista Espírita 1859, mês de julho:

[…] Um Espírito poderia dizer, pois, que é o Sol que gira e não a Terra, e sua teoria não seria mais verdadeira porque vinda de um Espírito. Que aqueles que nos supões uma credulidade tão pueril, saibam, pois, que tomamos toda opinião manifestada por um Espírito por uma opinião individual; que não a aceitamos senão depois de tê-la submetido ao controle da lógica e dos meios de investigação que a própria ciência espírita nos fornece, meios que todos vós conheceis. [11] (grifo nosso)

Podemos completar com o seguinte trecho do tópico “Diversidade dos Espíritos” do capítulo I da obra O Que é o Espiritismo:

Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são, de certo modo, o reflexo do mundo corpóreo; neles se encontram os mesmos vícios e as mesmas virtudes; há entre eles sábios, ignorantes, pseudossábios, prudentes e levianos, filósofos, argumentadores, cultores de sistemas; […] cada um fala segundo suas ideias, e o que dizem é, muitas vezes, apenas a sua opinião pessoal. É por isso que não se deve crer cegamente em tudo o que dizem os Espíritos. [12] (grifo nosso)

Eis, portanto, a orientação objetiva de Allan Kardec: “não se deve crer cegamente em tudo o que dizem os Espíritos”.

3º) O Espiritismo é Obra de Jesus: 7.8 – Os Espíritos revelaram a trajetória espiritual de Rivail

Em 1865, Rivail passou a utilizar uma propriedade na Villa Ségur – conjunto residencial reservado, com jardins internos e vegetação abundante. […]

Foi também nessa residência que ocorreu, ainda em 1865, uma relevante comunicação mediúnica. Kardec dialogou com o espírito da Sra. Foulon, amiga próxima do casal e também médium, que havia desencarnado no início daquele mesmo ano.

[…].

[…] em 29 de outubro, por intermédio do médium senhor Tailleur, em uma reunião privada, Rivail confirmou as revelações de suas existências passadas:

KARDEC – [Os espíritos] me disseram várias vezes que eu tinha sido Jan Huss. Diga-me, por favor, querida senhora Foulon, o que você acha disso.

FOULON – Eu acredito.

K – Mas no seu estado espiritual e no grau de elevação em que você se encontra, você deveria saber com certeza se isso é verdade ou não. Não me importo com isso, mas, como fato, gostaria muito de saber se é confirmado.

F – Temo enganar-me ao falar de mim mesmo; pergunto a Espíritos mais avançados do que eu, e me dizem: sim, ele foi Jan Huss.

K – E antes disso, você vê o que eu fui? Disseram-me isso muitas vezes, mas como não há provas materiais, não é sem interesse recolher o maior número possível de opiniões.

F – João Batista, o precursor. [13]

K – E antes de João?

F – Elias, depois Platão.

K – Foi o que me disseram muitas vezes

(CDOR Kempf 1865_10_29). [14] (grifo nosso)

Observe caro leitor, que a viúva Foulon é sincera ao dizer “Eu acredito”, deixando claro que se trata apenas de sua opinião. E diante disso, vale o que acabamos de destacar no item anterior.

Importa também ressaltar que, ao afirmar “disseram-me isso muitas vezes”, Allan Kardec não dá como assunto resolvido, como que passado pelo Controle Universal do Ensino dos Espíritos.

4º) O Espiritismo é Obra de Jesus: 7.9 – Uma nova hipótese

Por fim, as etapas desta obra desde a concepção até a conclusão – foram amplamente debatidas com os espíritos [no Grupo mediúnico Mateus]. Eles não apenas orientaram a pesquisa, mas também indicaram caminhos, sugeriram temas e ofereceram reflexões que se integraram ao conteúdo.

O diálogo e a mensagem a seguir são, portanto, fruto dessa interação contínua entre encarnados e desencarnados, buscando resgatar e esclarecer aspectos da história espiritual e filosófica que antecederam o Espiritismo:

São Paulo, 9 de junho de 2025.

Diálogo com um espírito por meio da médium inconsciente D.:

Pergunta: Nessa primeira parte nós vamos revelar o que Kardec deixou nos documentos e agora chegou o momento. Por exemplo, que ele foi Elias, foi Platão, depois retornou como João Batista, juntamente com Jesus. Em seguida, vamos explicar o trabalho de Orígenes, que recuperou a filosofia de Platão para explicar o Cristianismo, nos primeiros séculos após Jesus.

Existe alguma informação de que Kardec tenha sido Orígenes?

Resposta: [4 minutos em silêncio, consultando os espíritos]; informaram que sim. Porque entre o tempo em que Orígenes desencarna até ser Kardec foram muitos anos, e ele teve de passar por um período inicial do Cristianismo, a escola de Alexandria, para justificar aquilo que já havia dito como Platão. Para fortalecer as ideias que eram muito complexas, e não puderam ser ditas por Jesus. Depois, viu que também não estava bem claro nos livros de Platão. Olha que interessante, vou dizer uma coisa. Jesus, para trazer essa nova compreensão, a nova vida, a partir dele, contou com o apoio daqueles que poderiam ser os comunicadores dele. Os porta-vozes de sua doutrina.

P: O espírito de Kardec foi um intérprete fiel em muitas vidas.

R: Foi, mas o próprio Jesus sabia que não poderia ser de uma só vez e por apenas uma abordagem das ideias. Por isso foram em vários momentos da história.

P: Então tudo ocorreu por um planejamento?

R: Sim, claro. E foi muito minucioso.

P: Então essa informação de que Kardec foi Orígenes se confirma?

R: Sim, Orígenes explicou os ensinamentos de Jesus de uma forma condizente. Estabeleceu uma transição do pensamento de Jesus dentro do contexto de uma compreensão filosófica mais profunda. Inclusive para que isso não fosse destruído pelos desvios místicos que estavam ocorrendo.

P: Podemos constatar, por exemplo, que o líder gnóstico Basilides estava destruindo, enquanto Orígenes, ligado ao verdadeiro Cristianismo, estava renovando o entendimento, para preparar a chegada do Espiritismo como o Consolador prometido.

R: Exato. Orígenes escreveu para que a doutrina de Jesus fosse considerada, e não destruída. Esse é um processo de recuperação ainda em andamento, que não vai terminar agora.

Em seguida, o espírito fez o seguinte relato:

Platão retorna como Orígenes

Nos primeiros séculos do Cristianismo, surgiam interpretações místicas e dogmáticas que distorciam o sentido das parábolas e alegorias de Jesus.

Nesse cenário, Orígenes deu continuidade ao Cristianismo Filosófico iniciado por seu mestre, Clemente de Alexandria.

Segundo a tradição espiritualista, Platão teria reencarnado como Orígenes para preservar a doutrina do Cristo até a chegada do Consolador prometido. Sua missão consistia em evitar que os ensinamentos de Jesus se perdessem nos desvios e disputas da época. O longo processo entre a desencarnação de Platão e seu retorno como Allan Kardec atravessou muitos séculos, exigindo uma etapa intermediária.

Essa etapa foi justamente a encarnação como Orígenes, na qual ele pôde escrever e ensinar de modo a justificar e fortalecer as ideias complexas que já havia defendido em Atenas. Reconhecia que, em sua obra anterior, nem sempre fora suficientemente claro, e buscou então oferecer uma compreensão mais ampla e fundamentada. A presença espiritual de Jesus sempre amparou aqueles que seriam comunicadores e intérpretes de suas alegorias – verdadeiros porta-vozes de sua palavra.

Ciente de que a educação da humanidade não poderia ser realizada de uma só vez nem por um único método, o Cristo articulou um plano gradual, desenvolvido em etapas sucessivas. Platão surgiu como precursor das ideias cristãs; séculos mais tarde, Orígenes retomou esses princípios na era cristã; por fim, Kardec fundou o Espiritismo. Em todas essas etapas, ciência e filosofia se uniram para completar e esclarecer a mensagem moral do Cristo.

Um espírito.

Grupo mediúnico Mateus.

São Paulo-SP, 9 de junho de 2025.

A hipótese de Orígenes ajuda a compreender o fio que une Platão a Kardec na preservação do Cristianismo. Mas a missão desse espírito não começou ai suas raízes remontam ainda mais longe, ao tempo de Israel, quando apareceu sob a figura de Elias. Foi nesse momento que se manifestou pela primeira vez na Terra como profeta e reformador, inaugurando a dimensão social e espiritual de uma obra que atravessaria séculos. [15] (nesse último parágrafo o grifo é nosso)

Essa é a primeira vez que encontramos menção ao filósofo Orígenes como um personagem anterior de Allan Kardec. Além disso, surpreendeu-nos a afirmação de que sua primeira encarnação do Codificador na Terra teria sido como o profeta Elias. É provável que parte do movimento espírita – especialmente o grupo comumente conhecido como “chiquistas” – não receba bem essa hipótese.

Cabe-nos ainda apresentar a seguinte explicação dada pelos autores de O Espiritismo é Obra de Jesus, que julgamos levará os leitores a uma interpretação equivocada:

Por outro lado, é natural que alguém pergunte: se Kardec sabia, desde 1858, que havia sido Platão, por que publicou mensagens espirituais assinadas com esse nome? Ele próprio respondeu a essa questão na Revista Espírita de 1865, ao tratar da identidade dos espíritos historicamente conhecidos. Kardec utilizou exatamente o nome de Platão como exemplo e explicou:

Aqueles que chegaram a uma certa elevação formam famílias similares pelo pensamento e o grau de adiantamento, dos quais todos os membros estão longe de nos serem conhecidos. Se um deles se manifesta, o fará sob um nome nosso conhecido, como indício de sua categoria. Evocando-se Platão por exemplo, pode ocorrer que ele responda ao chamado; mas se não pode, um Espírito da mesma classe responderá por ele: este será seu pensamento, mas não sua individualidade (RE65, fev, p. 9). [16] (grifo do original)

Várias vezes vimos confrades explicar a manifestação de Platão pela possibilidade de um Espírito ter se apresentado em seu lugar e expressar o seu pensamento. Entretanto, o texto de Allan Kardec citado como apoio não afirma exatamente isso. O detalhe que muitos deixam escapar é que a substituição só ocorre quando o Espírito evocado não pode comparecer; nesse caso outro vem em seu lugar, ou seja, isso não vale para as manifestações espontâneas que é exatamente o caso das de Platão bem como as de João Batista e a de Orígenes.

Todo estudioso do Espiritismo sabe que entre as várias assinaturas dos autores da mensagem constante em de “Prolegômenos” [17], em O Livro dos Espíritos, a de Platão está no meio. Na questão 1009 [18], uma das mensagens também leva a sua assinatura. É importante relembrar que, além dessas, há mais quatro mensagens na Revista Espírita em reuniões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – SPEE:

1ª) Comunicação espontânea na sessão realizada em 18 de novembro de 1859 [19];

2ª) Comunicação espontânea na sessão de 20 de janeiro de 1860 [20];

3ª) Ditado espontâneo na sessão de 03 de fevereiro de 1860, assinada em conjunto com Moisés e Julien [21];

4ª) Em comunicação coletiva na sessão de 1º de novembro de 1867 [22].

Na Revista Espírita 1860, mês de março, há registro da ata da sessão realizada em 27 de janeiro de 1860 na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, na qual temos esta informação: “3º Dois ditados espontâneos foram obtidos simultaneamente; o primeiro de Abeilard, pelo senhor Rose, o segundo de João, o batista, pelo Senhor Colin.” [23] (grifo nosso)

Na Revista Espírita 1861, vamos encontrar a “Epístola de Erasto aos Espíritas lioneses”, lida em 19 de setembro de 1861, na qual ele designa João Batista como “eminente guia espiritual” [24].

Na Revista Espírita 1862, temos informação de que o Espírito João Batista foi o guia protetor espiritual da Sociedade Espírita de Saint-Jean d'Angély, onde sempre se manifestava por evocação de seus membros. [25]

Em novembro de 1862, ainda nessa obra, no artigo “Os mistérios da Torre Saint-Michel de Bordeaux” [26], temos relatado perguntas e respectivas respostas ao Espírito Guilhaume Remone (grande parte delas), à sua mulher e, por fim, ao guia espiritual São João Batista.

Guilhaume, respondendo à pergunta sobre onde se encontrava a sua mulher, disse: “Não sei o que ela se tornou, mas vos será fácil disso se informar, junto de vosso guia espiritual, São João Batista.[27] (grifo nosso)

As questões dirigidas a São João Batista, guia espiritual, foram: 29 a 35, 40 a 46, 54 a 56 e 83 a 84 [28], perfazendo um total de dezenove perguntas.

Tendo a Sociedade Espírita de Saint-Jean d'Angely como guia e protetor João Batista, então, a coisa torna-se mais estranha ainda, pois teríamos um Espírito encarnado exercendo essa tarefa, algo nunca visto em obras da Codificação.

Na Revista Espírita 1859, mês de dezembro, no “Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos” da sessão do dia 22 de setembro, há registro de uma manifestação espontânea de Orígenes através da senhoria L. J… [29]

Ora, como é de conhecimento de todos nós que estudamos os fascículos da Revista Espírita, Allan Kardec presidia as reuniões da SPEE. Se nelas ocorreram manifestações desses três personagens – Platão, João Batista e Orígenes, e se os supusermos como reencarnações anteriores do Codificador, estaríamos diante de uma manifestação de Espírito de pessoa viva – e não, como alguns afirmam, de uma manifestação anímica.

Entretanto, tais ocorrências não devem sequer ser consideradas manifestações de Espírito de pessoa viva, pelo simples motivo de que, para esse tipo de manifestação ocorrer, a pessoa cuja alma se manifesta jamais estará em estado de vigília, mas sim dormindo ou em estado de êxtase, conforme se encontra na Codificação.

Diante disso, cabe aos que defendem a hipótese de manifestações de pessoas vivas a obrigação de demonstrar que, em todas as ocasiões em que qualquer um dos personagens se manifestou, o Codificador se encontrava em condições que permitissem a emancipação da alma. Só assim poderão provar que as suas opiniões não se baseiam em “achismos”, “confidências” ou “revelações místicas”.

Sobre esse tema temos um ebook, produto de pesquisa mais aprofundada, intitulado Manifestações de Espírito de pessoa viva (em que condições elas ocorrem), disponível em nosso site [30]. Por essa razão, aqui não estenderemos mais nossos argumentos; pois esses foram desenvolvidos nele.

Na Revista Espírita 1869, mês de setembro [31], foi publicado o artigo “Precursores do Espiritismo – Jan Huss”, do qual extraímos:

Evocado por um de nossos médiuns, o Espírito de João Huss deu a seguinte comunicação, que nos apressamos em mostrar aos nossos leitores, bem como uma instrução do Sr. Allan Kardec sobre o mesmo assunto, porque nos parecem bem caracterizar a natureza do homem eminente, que se ocupou com tanto ardor, desde o século quinze, a preparar os elementos da emancipação e da regeneração filosóficos da Humanidade. [32] (grifo nosso)

A mensagem de Jan Huss ocorreu em 14 de agosto de 1869 [33] e a de Allan Kardec em 17 de agosto de 1869 [34]. Portanto, trata-se do mesmo Espírito manifestando-se como dois personagens. É importante ressaltar que diferença das manifestações anteriores é que, nessa ocasião, o Espírito se apresentou como Jan Huss, já que foi esse personagem quem foi evocado; a dada como Allan Kardec, por sua vez, foi espontânea.

Diante de todos os elementos apresentados, entendemos que os supostos personagens anteriores de Allan Kardec, listados na obra em análise, devem ser considerados apenas como hipóteses de estudo, nunca como afirmações definitivas. Ainda que tais conjecturas possam encontrar respaldo em opiniões de determinados Espíritos, carecem da comprovação necessária para que sejam reconhecidas como parte do Controle Universal do Ensino dos Espíritos. Por isso, não podem ser tomadas como verdades absolutas, mas apenas como possibilidades sujeitas à análise crítica e ao exame cuidadoso dos fatos.

 

Referência bibliográfica:

FIGUEIREDO, P. H. et al. O Espiritismo é Obra de Jesus. Guarulhos (SP): FEAL, 2025.

KARDEC, A. O Céu e o Inferno. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O Que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001.

KARDEC, A. Revista Espírita 1858. Araras (SP): IDE, 2001.

KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras (SP): IDE, 1993.

KARDEC, A. Revista Espírita 1860. Araras (SP): IDE, 2000.

KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras (SP): IDE, 1993.

KARDEC, A. Revista Espírita 1862. Araras (SP): IDE, 1993.

KARDEC, A. Revista Espírita 1867. Araras (SP): IDE, 1999.

KARDEC, A. Revista Espírita 1869. Brasília: FEB, 2009.

Internet:

SILVA NETO SOBRINHO, P. Manifestações de Espírito de pessoa viva (em que condições elas ocorrem), disponível em: Manifestações de pessoas vivas. Acesso em: 22 nov. 2025.

 

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[1] Fabricio Hampshire, Genesi Ribeiro, Gilson Assis Filho, Juliana Hilbert, Lucas Sampaio, Lúcia Gomes e Paula Macedo.

[2] FIGUEIREDO et al. O Espiritismo é Obra de Jesus, p. 173-175.

[3] KARDEC, O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 33.

[4] FIGUEIREDO et al, O Espiritismo é Obra de Jesus, p. 181.

[5] KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 202.

[6] KARDEC, O Céu e o Inferno, p. 35.

[7] KARDEC, Revista Espírita 1867, p. 66.

[8] KARDEC, Revista Espírita 1858, p. 243.

[9] KARDEC, Revista Espírita 1858, p. 295-296.

[10] FIGUEIREDO et al, O Espiritismo é Obra de Jesus, p. 183-184.

[11] KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 176-177.

[12] KARDEC, O Que é o Espiritismo, p. 107.

[13] Nota da transcrição: Atualmente, dizemos João Batista, mas no texto original do manuscrito está “Jean le précurser” (João, o precursor). Esse é o qualificativo dado a João pela tradição o povo para a vinda do Cristo. Na França do século 19, em contextos literários.

[14] FIGUEIREDO et al, O Espiritismo é Obra de Jesus, p. 185-186.

[15] FIGUEIREDO et al, O Espiritismo é Obra de Jesus, p. 190-192.

[16] FIGUEIREDO et al. O Espiritismo é Obra de Jesus, p. 176.

[17] KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 49.

[18] KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 437.

[19] KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 358.

[20] KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 39.

[21] KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 68.

[22] KARDEC, Revista Espírita 1867, p. 82.

[23] KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 66.

[24] KARDEC, Revista Espírita 1861, p. 303-305 e 308.

[25] KARDEC. Revista Espírita 1862, p. 327-328.

[26] KARDEC, Revista Espírita 1862, p. 323-335.

[27] KARDEC. Revista Espírita 1862, p. 327.

[28] KARDEC. Revista Espírita 1862, p. 327-334.

[29] KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 356-357.

[30] SILVA NETO SOBRINHO, Manifestações de Espírito de pessoa viva (em que condições elas ocorrem), disponível em: Manifestações de pessoas vivas.

[31] A Revista Espírita 1869, edição da FEB, continua publicando textos do mês de maio até dezembro – período após o desencarne de Allan Kardec.

[32] KARDEC, Revista Espírita 1869, p. 372.

[33] KARDEC, Revista Espírita 1869, p. 372-374.

[34] KARDEC, Revista Espírita 1869, p. 374-375.

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita