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por Marcus De Mario

 

Velório no centro espírita


O Espiritismo tem por característica ser uma doutrina sem rituais, sem paramentos, sem sacerdócio, sem vestimentas especiais, sem realização de cerimônias especiais; isso é sabido por todo aquele que estuda seus princípios, motivo pelo qual os centros espíritas são locais simples, sem altares, sem culto a quadros, estátuas ou objetos, pois o que vale é o pensamento e o sentimento, na prática da caridade e na crença na imortalidade e na continuidade da vida após a morte. Desencarnar é um fenômeno normal que liberta o espírito da vestimenta carnal, com o retorno à verdadeira vida, ou seja, à dimensão espiritual. Tal é a crença do espírita.

Pois bem, diante disso, recebemos com certa estranheza, comunicado da desencarnação de querido trabalhador da seara espírita, cujo legado no bem será sempre lembrado. Nossa surpresa não estava na notícia, pois que sabíamos da sua condição precária de saúde, e sim como a notícia estava sendo veiculada através dos meios de comunicação. A nota de falecimento fora expedida pelo centro espírita ao qual ele estava vinculado, tendo a seguinte redação inicial: “É com imenso pesar que comunicamos…”. Compreendemos a natural saudade e o fato de não se poder mais contar com a presença física e o trabalho atuante do abnegado companheiro, mas daí utilizar a expressão “imenso pesar”, destoa do pensamento espírita sobre a imortalidade da alma e a continuidade da vida após a morte. E isso fica mais acentuado quando sabemos que a idade já estava avançada, e que ele se encontrava hospitalizado, em estado de saúde crítico, com grande possibilidade, no caso de uma recuperação, de ficar com graves sequelas, o que lhe acarretaria limitações e daria muito trabalho aos familiares.

A bondade e misericórdia de Deus entregaram ao trabalhador do bem o justo descanso, retirando-o do fardo pesado da matéria, pois que, não temos dúvida, não merecia ele, nem seus familiares, passar por mais sofrimento.

Se o caso estivesse encerrado na expressão utilizada no comunicado, não precisaríamos escrever um artigo sobre o assunto, mas o fato estende-se a algo ainda mais estranho e inusitado. É que na nota de falecimento havia o convite para o comparecimento ao velório do corpo, o qual aconteceria nas dependências do centro espírita, com a realização de cerimônia fúnebre antes da saída para o enterro. É isso mesmo o que o leitor acaba de ler: velório e cerimonial fúnebre nas dependências do centro espírita.

Se o Espiritismo não contempla rituais, cerimônias especiais e outras coisas do gênero, o que fazia um caixão funerário no auditório do centro espírita, ladeado de coroas de flores e pessoas em lágrimas, com pesar pela partida do colaborador? E os familiares e amigos não espíritas, constrangidos a comparecer a um centro espírita para velar o corpo do morto? E os espíritas, sabedores que a morte não existe, e que o ser pensante não é o corpo, e sim a alma?

Os dirigentes do centro espírita poderiam ter convidado os amigos e familiares para uma prece coletiva, numa reunião singela nas dependências da instituição, vibrando carinhosamente pelo companheiro, colaborando desse modo com o seu melhor retorno à vida espiritual e, em seguida, comparecendo ao velório nas dependência apropriadas destinadas para isso pela administração do cemitério ou crematório, onde deverão continuar em prece e, na medida do possível, exercendo o esclarecimento e consolo às pessoas, conforme nos ensinam os princípios do Espiritismo.

Velório no centro espírita não encontra respaldo na doutrina, portanto deve ser evitado, assim como o Espiritismo não valida cerimônias de batismo, de casamento e outras nas dependências da instituição que deve representar legitimamente a doutrina que estampa em seu nome.

Julgamos que escrever este texto é um alerta necessário aos espíritas, para que não venhamos a querer justificar o que é injustificável perante a doutrina espírita, fazendo do centro espírita uma cópia das igrejas cristãs que deturparam o Evangelho com a criação de rituais e cerimônias que nada têm a ver com os ensinos e exemplos de Jesus.

Cuidemos de estudar seriamente o Espiritismo, e transformamos nossos valores, crenças e comportamentos com a sua mensagem, sendo simples, humildes e caridosos, pois o Espiritismo não necessita de acréscimos ritualísticos, tão ao gosto dos que ainda não se desvincularam das questões de ordem material, pois, como aprendemos no estudo da doutrina, o corpo não é nada, o espírito é tudo.


Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube; é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e apresenta programas espíritas na internet; possui 40 livros publicados.

 
  
    

     
     

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