Velório no centro espírita
O Espiritismo tem por característica ser uma doutrina
sem rituais, sem paramentos, sem sacerdócio, sem
vestimentas especiais, sem realização de cerimônias
especiais; isso é sabido por todo aquele que estuda seus
princípios, motivo pelo qual os centros espíritas são
locais simples, sem altares, sem culto a quadros,
estátuas ou objetos, pois o que vale é o pensamento e o
sentimento, na prática da caridade e na crença na
imortalidade e na continuidade da vida após a morte.
Desencarnar é um fenômeno normal que liberta o espírito
da vestimenta carnal, com o retorno à verdadeira vida,
ou seja, à dimensão espiritual. Tal é a crença do
espírita.
Pois bem, diante disso, recebemos com certa estranheza,
comunicado da desencarnação de querido trabalhador da
seara espírita, cujo legado no bem será sempre lembrado.
Nossa surpresa não estava na notícia, pois que sabíamos
da sua condição precária de saúde, e sim como a notícia
estava sendo veiculada através dos meios de comunicação.
A nota de falecimento fora expedida pelo centro espírita
ao qual ele estava vinculado, tendo a seguinte redação
inicial: “É com imenso pesar que comunicamos…”.
Compreendemos a natural saudade e o fato de não se poder
mais contar com a presença física e o trabalho atuante
do abnegado companheiro, mas daí utilizar a expressão
“imenso pesar”, destoa do pensamento espírita sobre a
imortalidade da alma e a continuidade da vida após a
morte. E isso fica mais acentuado quando sabemos que a
idade já estava avançada, e que ele se encontrava
hospitalizado, em estado de saúde crítico, com grande
possibilidade, no caso de uma recuperação, de ficar com
graves sequelas, o que lhe acarretaria limitações e
daria muito trabalho aos familiares.
A bondade e misericórdia de Deus entregaram ao
trabalhador do bem o justo descanso, retirando-o do
fardo pesado da matéria, pois que, não temos dúvida, não
merecia ele, nem seus familiares, passar por mais
sofrimento.
Se o caso estivesse encerrado na expressão utilizada no
comunicado, não precisaríamos escrever um artigo sobre o
assunto, mas o fato estende-se a algo ainda mais
estranho e inusitado. É que na nota de falecimento havia
o convite para o comparecimento ao velório do corpo, o
qual aconteceria nas dependências do centro espírita,
com a realização de cerimônia fúnebre antes da saída
para o enterro. É isso mesmo o que o leitor acaba de
ler: velório e cerimonial fúnebre nas dependências do
centro espírita.
Se o Espiritismo não contempla rituais, cerimônias
especiais e outras coisas do gênero, o que fazia um
caixão funerário no auditório do centro espírita,
ladeado de coroas de flores e pessoas em lágrimas, com
pesar pela partida do colaborador? E os familiares e
amigos não espíritas, constrangidos a comparecer a um
centro espírita para velar o corpo do morto? E os
espíritas, sabedores que a morte não existe, e que o ser
pensante não é o corpo, e sim a alma?
Os dirigentes do centro espírita poderiam ter convidado
os amigos e familiares para uma prece coletiva, numa
reunião singela nas dependências da instituição,
vibrando carinhosamente pelo companheiro, colaborando
desse modo com o seu melhor retorno à vida espiritual e,
em seguida, comparecendo ao velório nas dependência
apropriadas destinadas para isso pela administração do
cemitério ou crematório, onde deverão continuar em prece
e, na medida do possível, exercendo o esclarecimento e
consolo às pessoas, conforme nos ensinam os princípios
do Espiritismo.
Velório no centro espírita não encontra respaldo na
doutrina, portanto deve ser evitado, assim como o
Espiritismo não valida cerimônias de batismo, de
casamento e outras nas dependências da instituição que
deve representar legitimamente a doutrina que estampa em
seu nome.
Julgamos que escrever este texto é um alerta necessário
aos espíritas, para que não venhamos a querer justificar
o que é injustificável perante a doutrina espírita,
fazendo do centro espírita uma cópia das igrejas cristãs
que deturparam o Evangelho com a criação de rituais e
cerimônias que nada têm a ver com os ensinos e exemplos
de Jesus.
Cuidemos de estudar seriamente o Espiritismo, e
transformamos nossos valores, crenças e comportamentos
com a sua mensagem, sendo simples, humildes e caridosos,
pois o Espiritismo não necessita de acréscimos
ritualísticos, tão ao gosto dos que ainda não se
desvincularam das questões de ordem material, pois, como
aprendemos no estudo da doutrina, o corpo não é nada, o
espírito é tudo.
Marcus De Mario é escritor,
educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo
on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação
Espírita no YouTube; é editor-chefe da Revista Educação
Espírita; produz e apresenta programas espíritas na
internet; possui 40 livros publicados.