Diálogo imortal
A lei da reencarnação expressa uma das maneiras mais
sublimes da justiça divina. Somos espíritos imortais em
processo de aperfeiçoamento, e cada existência corporal
é uma etapa dessa ascensão. Deus não cria almas prontas
e acabadas, mas sementes de luz destinadas a florescer.
Pela reencarnação, o ser humano aprende gradualmente a
dominar seus impulsos, purificar seus sentimentos,
ampliar sua inteligência e fazer do amor a sua linha
mestra de conduta. A vida deixa de ser acontecimento
isolado e se torna mero capítulo dentro de uma grande
obra pedagógica, na qual ninguém está condenado ao erro
para sempre e todos, sem exceção, serão alcançados pela
oportunidade de crescer.
Analisando com mais profundidade, vemos que com a
reencarnação nada é perdido. Os afetos, os compromissos,
os erros e as conquistas seguem com o espírito,
acompanhando-o de vida em vida. Laços se refazem,
débitos se resgatam, missões se retomam. O sofrimento,
que tantas vezes parece injusto, ganha sentido educativo
e reparador; não é castigo, mas rota de retorno ao
equilíbrio. Assim, a reencarnação reconcilia o coração
humano com a ideia de Deus: não um soberano arbitrário,
mas um Pai infinitamente paciente, que orienta Seus
filhos pelas trilhas do tempo, oferecendo-lhes tantas
oportunidades quanto necessárias para que aprendam a
amar.
Por fim, a reencarnação nos chama à responsabilidade. Já
não podemos atribuir ao acaso, à fatalidade ou à vontade
de terceiros aquilo que somos e vivemos. Somos
construtores do nosso destino. O passado pode ter sido
de sombra, mas o futuro está sempre aberto, esperando
nossa decisão de escolher o bem, o perdão, o trabalho
edificante, a renovação íntima. A lei da reencarnação,
portanto, consola, esclarece e convoca: consola, porque
ninguém está perdido; esclarece, porque mostra a lógica
divina nas experiências humanas; e convoca, porque nos
lembra que a transformação verdadeira começa agora, em
cada pensamento, palavra e ação que oferecemos à Vida.
À luz dessa lei sublime que governa a evolução das
almas, o diálogo entre Jesus e Nicodemos – em João,
3:1-21 – ganha profundidade viva e comovente. O que para
o doutor da lei parecia enigma, era na verdade a
revelação de um processo que acompanha o espírito desde
o princípio: nascer, viver, morrer, renascer ainda e
progredir sem cessar, até que o amor seja plenamente
realizado. Nicodemos buscava respostas na letra escrita;
Jesus lhe apontava a vida em movimento. A verdade não
estava apenas nos pergaminhos, mas na jornada interior
que cada um percorre através das experiências
sucessivas. É sob essa luz que o encontro entre o Mestre
e o fariseu se ilumina – e é sob essa luz que o poema a
seguir procura recontar esse momento sagrado com emoção,
ritmo e claridade espiritual:
JESUS E NICODEMOS
Ele buscou Jesus na noite escura,
Para saber acerca da Escritura.
Não lhe bastava o velho pergaminho:
Queria luz… mais luz em seu caminho.
Embora fosse mestre em Israel,
Há tanta coisa entre a terra e o céu!…
Mas aqueloutro Mestre, sapiente,
Que admirava, embora ocultamente,
Talvez lhe desse a chave, que ignora…
Por isso o estava procurando agora.
– Rabi, ninguém iguala os feitos teus;
Isto comprova que tu vens de Deus.
Jesus responde ao velho sinedrita:
– Esta é a verdade que deve ser dita:
Quem não nascer do espírito outra vez,
Também da água, em nova gravidez,
Não entrará no Reino do Senhor.
E Nicodemos, já perdendo a cor:
– Como é que pode um homem, sendo velho,
Nascer de novo, segundo o Evangelho?
Para chegar a Deus, será mister
Que ele retorne ao ventre de mulher?
Aguarda o Mestre por breve momento
E lhe desdobra agora o pensamento:
– O que é nascido da carne é carnal;
Da alma nasce o que é espiritual.
Não te admires por Eu te dizer
Que vos importa de novo nascer.*
O vento assopra e tu o ouves bem,
Mas ninguém sabe de onde que ele vem.
O mesmo ocorre àquele que, ao voltar,
Nasce do espírito, em qualquer lugar.
Mas o israelita agora quer saber
Como é que isto pode acontecer.
– Tu, que és rabino nobre e reverendo,
Não compreendes o que estou dizendo?
Se não me credes nas coisas carnais,
Como crereis nas coisas celestiais?
Ora, ninguém aos céus já ascendeu,
Senão Aquele que de lá desceu.
Moisés ergueu, no deserto, a serpente,
E assim do mal resguardou sua gente.
Da mesma forma o Unigênito amado
Perante o mundo há de ser levantado.
Porque, exprimindo Seu Amor fecundo,
De tal maneira Deus amou o mundo,
Que lhe entregou Seu Filho…
E, mais que isto,
Disse que aquele que cresse no Cristo
Estava além de qualquer julgamento:
A Luz se fez no seu entendimento.
E o julgamento é este: a Claridade
Desceu do Céu e entrou na Humanidade,
E a Humanidade deu um passo atrás,
Pois suas obras eram todas más.
Mas nos que avançam só o Bem reluz
E eles se achegam sempre mais à luz,
Porque trabalham, e os trabalhos seus
São todos feitos sob a Luz de Deus...
Se mais falou
Jesus a Nicodemos,
O Evangelho cala e não
sabemos…
* Nota do autor: a mescla pronominal é
própria do texto bíblico.
Mário Frigéri é poeta, escritor, autor e
youtuber com a mente e o coração voltados para o
esplendor do Evangelho e da Doutrina Espírita.
Campinas-SP.
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