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Natural de São Paulo, capital, e residente em
Bauru (SP) há 30 anos, Ângela Francischini
Moraes (foto) é jornalista e vincula-se
ao Centro Espírita Vicente de Paulo, na cidade
onde reside. É atuante de reuniões mediúnicas,
alternando as funções de médium e esclarecedora,
em boa sintonia com o esclarecedor principal.
Ângela lançou seu novo livro: Quando o Amor
encontra a Dor, fruto das próprias
experiências com a mediunidade, que é um dos
assuntos tratados na seguinte entrevista:
Como conheceu o Espiritismo?
Tive algumas vivências na infância, entre os 8 e
11 anos, com famílias espíritas de amigas, me
lembro de auxiliar em arrecadação de alimentos
pela Campanha Auta de Souza, participei de
Evangelho no Lar. Eu não entendia muito, mas me
lembro de achar aquilo muito bonito. No entanto,
segui a vertente católica da minha mãe e fui
para o catecismo, o grupo de jovens da igreja,
que me foi muito rico e importante,
principalmente no conhecimento do Evangelho. Aos
15 anos, eu me despedi da Igreja. Com a minha
mente curiosa, eu não conseguia aceitar os
dogmas. Fui então conhecer outras religiões, até
orientais, e sem querer encontrei um livro na
estante do meu pai chamado ‘Nosso Lar’. Meu pai
dizia sempre respeitar a liberdade de escolha
religiosa de cada um, por isso não tive uma
formação espírita propriamente. Li e senti toda
aquela narrativa surreal absolutamente crível,
fazendo sentido com muitas das ideias que eu
tinha e não encontrava eco na Igreja, como a
reencarnação. Mas deixei a obra em meu ‘stand
by’ mental, sem me aprofundar. Voltei para a
literatura não espírita que eu amava muito na
época: Jorge Amado, Fernando Veríssimo, Marcelo
Rubens Paiva. Foi
aos 18 anos, no entanto, que o Espiritismo
entrou de vez em minha vida.
O que mais lhe marcou nesse contato inicial?
Aos 18 anos, fui morar no Japão com meus pais, o
que me abalou muito, eu acabei entrando em
estado depressivo. Numa noite, eu sonhei com uma
moça muito bonita, parecia uma ‘nossa senhora’
jovem, ao pé da minha cama, sorrindo para mim.
Me senti amorosamente cuidada! Curiosamente, no
final de semana seguinte, me chamou a atenção um
exemplar de O Evangelho Segundo o
Espiritismo entre os livros do meu pai. Li
os capítulos em sequência, ávida, encontrando
consolo e entendimento para muitas das angústias
que eu tinha. Notei também que a leitura
sequencial do Evangelho trouxe conhecimentos que
pareciam emergir pelas entrelinhas. Ao chegar ao
final do livro, eu tinha um olhar diferente para
os acontecimentos da vida. O OESE falou direto
ao meu coração! A partir daí, voltando ao
Brasil, eu consumi de tudo na literatura
espírita: André Luiz, Emmanuel, romances de
Lucius, as outras obras de Kardec, Manoel
Philomeno de Miranda, e por aí vai.
E como surgiu a ideia de seu novo livro?
Eu lancei o livro Respostas que a vida traz,
em 2010, já como jornalista, me valendo de
histórias de vidas reais, com o entendimento do
meu amado O Evangelho Segundo o Espiritismo. Um
conto para cada capítulo. Em 2013, eu sentia um
chamado para um novo livro e eu já não tinha
mais histórias reais para utilizar, eu
precisaria fazer o que chamamos de
‘laboratório’.
Veio-me então o ‘pensamento’: “por que não
colher histórias de vidas reais na reunião
mediúnica? Que dores trouxeram aqueles irmãos
àquele ponto de suas existências?”. Iniciei
então o laboratório em um grupo que acolheu meu
projeto amorosamente, com a intenção de anotar
as comunicações das médiuns, e então encontrar
ligação com ensinamentos evangélicos que
poderiam servir de consolo aos leitores. O que
eu não esperava é que eu comecei a me sentir
‘estranha’ a partir da 3ª reunião... uma pressão
no estômago, vontade de chorar, cabeça
confusa... a caneta me caía da mão. Me descobri
médium!
Nessa descoberta a si mesma como médium, o que
gostaria de relatar?
Me descobrindo médium, eu entendi que o projeto
do livro mudaria: eu não iria mais reportar as
comunicações trazidas pelas outras médiuns, eu
poderia relatar as minhas próprias. Isso me
acendeu um senso de responsabilidade: eu não
poderia falar do que não tinha experiência.
Parei então o projeto do livro por 5 anos, e me
tornei membro fixo do grupo mediúnico. Neste
período, confiei integralmente em nosso
orientador, relatando todas as sensações,
visões, emoções que iam me surgindo, de forma
que fomos descobrindo juntos qual a modalidade
de mediunidade me era mais natural, e como o
socorro aos irmãos eram providenciados pelo
grupo e pela equipe espiritual em cada caso. Eu
notei que a minha mente criativa criava muitos
cenários e começamos a explorar isso. Descobri
que não era criação minha, mas o chamado
desdobramento, que vim a entender ser a
irradiação do perispírito para regiões
longínquas, ainda que consciente no local da
reunião.
Sendo jornalista você também psicografa ou ficou
apenas na psicofonia?
Apesar de ser leitora voraz e amante da redação,
na reunião mediúnica eu não sou capaz de segurar
uma caneta. Definitivamente, psicografia não é
minha praia. A psicofonia sim, me sinto bastante
conectada às emoções e dores do irmão, com
facilidade para narrar ao orientador o que ele
está sentindo ou dar vazão para que ele mesmo
fale por mim, sentindo toda a sua angústia,
raiva ou medo, como se fossem meus sentimentos.
Sinto as dores físicas do irmão também. Neste
contexto, é bem comum eu ter noções, com uma boa
dose de detalhes, do lugar onde ele se encontra.
Relate a experiência de desdobramento.
Já me vi, junto ao grupo, em locais umbralinos –
com bastante frequência – tipo cavernas,
cidadelas, vales profundos, terrenos de terra
escura seca e céu avermelhado, construções tipo
laboratório, edificações em ruínas, região de
suicidas. Surpreendeu-me, no entanto, o
atendimento ter me levado a locais na Terra, em
conexão com irmãos encarnados, como os casos que
relato no livro: a toxicômana e o filho em seu
ventre; um quarto numa favela terrena; pessoas
durante o transe da morte, no hospital, e eu
auxiliei o espírito a aceitar o desligamento.
Não apenas pelos locais, mas foi muito
significativo para mim os diferentes tipos de
dor que aquelas pessoas viviam, sempre
singulares, profundas, complexas, muitas vezes
resistentes, carregadas de mágoas e ódios
milenares, por si mesmas e por seus algozes.
Mesmo em relação aos líderes trevosos,
carregados de indiferença e com discursos
ameaçadores, aprendemos a enxergar seu ferimento
interno.
O livro, além do relato da própria experiência,
traz casos de relatos mediúnicos, tendo você
como médium. As comunicações foram gravadas para
posterior transcrição e transformação nos
capítulos do livro. Qual caso lhe marcou mais
nas histórias selecionadas?
Nos 5 anos de laboratório, fui gravando tudo.
Quando retomei o projeto, com dor no coração
selecionei as 10 histórias mais diferentes entre
si que me marcaram também de diferentes formas,
seja pelo inusitado contexto, pela intensidade
das emoções envolvidas, pelos desfechos
inesperados, pelos esforços da espiritualidade
ao levar o Amor até aquelas dores profundas.
Cada história me marcou singularmente, mas duas
são especiais para mim: a primeira foi narrada
pela outra médium, na qual eu vislumbrei todo o
ambiente com riqueza de detalhes: num lugar
escuro com centenas de irmãos presos no barro
seco, tive a bendita oportunidade de ‘ver’
descer do Alto dezenas de luzes que chegavam ao
solo em forma de filhas de Maria. Elas tocavam
os olhos dos irmãos e os puxavam, retirando-os
consigo. Ouvi “Ave Maria” altíssimo, ecoando
naquele vale, entendendo que nosso aparelho de
som estivesse tocando essa música no momento.
Não estava. Chorei emocionada e me lembrei de
irmã que me apareceu ao pé da cama, aos 18 anos:
uma das filhas de Maria.
A outra história me rende críticas de confrades
espíritas, mas foi de um valor inestimável para
mim. Em um subsolo de uma edificação cercada de
terra vermelha, havia uma sala com montes de
cinzas ao centro. Eu me vi naquela cena em
formato de lustre – era bem comum acontecer de
seu me sentir uma bola de luz, sem conseguir me
mexer, apenas cedendo energia. Assim fiquei eu,
imóvel, enquanto em torno das cinzas notei uns 8
a 10 irmãos sentados em círculo. Reparei que
pareciam encarnados, e deduzi que eram
trabalhadores de outras reuniões mediúnicas.
Após algum tempo sem nada acontecer, o alçapão
do teto, por onde entramos, se abriu e um homem
de túnica alva e cabelos longos entrou, com uma
energia que fez meus olhos verterem lágrimas
incontroláveis... Os detalhes desta história
ficarão aos leitores do livro, para que os
apreciem com a atenção que eles merecem.
Nesses anos de atuação mediúnica, que lição
maior lhe fica?
Eu ouvi uma parábola, quando ainda no grupo de
jovens da Igreja, que nunca fizeram sentido pra
mim: a da ovelha perdida. Jesus fala que mais
vale um pecador que se arrependeu do que 99
justos. Aquilo me parecia uma injustiça! Para os
99 que se comportaram bem, nada de festa no
céu... mas umzinho arrependido, pronto!
Alegria geral! Bem, eu fui compreender esta
parábola ao ingressar no trabalho mediúnico.
Quando regressamos de um resgate ou a cada
atendimento a sofredor, é inenarrável a alegria,
a sensação de proximidade com Jesus e Deus, a
imensidão de conhecimentos e sentimentos que
experenciamos, a honra de nos sentirmos
trabalhares do Cristo. Nós somos parte das 99
ovelhas que a parábola cita e realmente a
alegria de trazer uminha que seja de
volta ao Amor, é uma grande festa para a alma!!!
Que convite você faria ao leitor em respeito ao
dinamismo do intercâmbio mediúnico?
Para integrar uma reunião mediúnica, não precisa
ser médium ostensivo, aquele que dá comunicação,
apenas. O médium de apoio, que fica em vibração
do início ao fim da reunião, é o suporte
silencioso para que tudo aconteça! O
esclarecedor, por sua vez, o verbo e Amor em
ação. Há oportunidade de trabalho para todos na
reunião mediúnica, com Divino aproveitamento do
que cada um pode oferecer, iniciando pela boa
vontade e pelo espírito de serviço. Convido a
todos que, como eu, sentia um vazio na alma e
não sabia o que era, a fazerem parte das 99
ovelhas do Pai. Porque, na realidade, não é
apenas uma ovelha que se perdeu, mas milhares
que hoje se encontram nas regiões de sofrimento
e precisam de mãos operosas de grupos sérios e
comprometidos para encontrarem o Amor.
Para quem quiser adquirir o livro, como fazê-lo?
O leitor pode adquirir pelo site da Editora Vida
Eterna.
Você também afirmou em nossos diálogos que a
receita com a venda do livro tem uma função
social. Relate para o leitor.
Eu tomei contato com um projeto social chamado
“Victor Hugo Alimentando Almas”, apoiado pela
Editora Vida Eterna, e que me comoveu muito:
apoio e acolhimento a famílias de refugiados
venezuelanos na cidade de Campo Grande/MS. A
imigração é uma questão sensível pra mim, em
função de ter morado do Japão, e eu sei o que é
chegar a um lugar desconhecido e não ter abrigo,
trabalho. As famílias chegam com crianças,
idosos, mães e pais e encontram o apoio amoroso
destes irmãos que levam centenas de marmitas,
mantimentos, roupas, cobertores e até brinquedos
para as crianças, até conseguirem se
estabelecer. Solicitei então à Editora que
revertesse a renda do livro para ele.
Suas palavras finais.
O livro Quando o Amor encontra a Dor não
é um livro teórico. Também não é um romance. É
antes um relato pessoal – da minha alma para a
sua – convidando-a a conhecer, emocionar-se, e
quem sabe, integrar-se também ao Amor Divino
através da mediunidade.

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