Entrevista

por Orson Peter Carrara

Ego, preconceitos, atendimento fraterno: uma experiência
valiosa para ser conhecida


 
Natural de Jaboticabal (SP), onde também reside, Viviane Martins Del Vecchio Reche (foto) é psicóloga, com pós-graduação em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Atualmente graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental e Abordagens da Terceira Onda, participa há 28 anos da UNENLAR – União Espírita Nosso Lar, atuando em várias atividades da instituição, inclusive no curso para gestantes. Frequenta também o CEU – Centro Espírita Universal, na mesma cidade, instituição que conheceu num momento pessoal delicado, ao buscar auxílio no Atendimento Fraterno. Nesta segunda instituição integra o Grupo de Atendimento Fraterno, oferecendo escuta, acolhimento e apoio emocional aos que buscam auxílio, além de participar do Evangelho e do Passe. Na outra instituição, UNENLAR, sua atuação é marcada pela presença constante e pelo envolvimento em atividades que promovem o cuidado e a espiritualidade. Não ocupa cargos diretivos nessas instituições, mas considera sua atuação uma doação de amor, um serviço voluntário que une a formação profissional ao propósito espiritual de acolher e servir.

 

Como e quando conheceu o Espiritismo?

Conheci o Espiritismo há cerca de 28 anos, em um momento muito delicado da minha vida. Foi através de uma vizinha, que era católica, mas cujo filho frequentava o centro espírita, UNENLAR. Meu primeiro contato com a doutrina aconteceu dez dias após o nascimento do meu primeiro filho, que veio ao mundo com uma má formação no canal da bexiga. Isso causava infecções urinárias constantes, muita dor, choro intenso e até perda de fôlego. Além disso, ele sofria com refluxo severo e não ganhava peso. Como mãe de primeira viagem, me vi profundamente abalada, entrei em um quadro depressivo. Essa vizinha, sensibilizada com meu sofrimento, comentou com seu filho que frequentava a UNENLAR, e era trabalhador do tratamento espiritual com passe magnético, ele me convidou para participar do Evangelho e do tratamento. Foi um divisor de águas: meu filho foi curado, e não precisou passar pela cirurgia que estava indicada para quando completasse um ano de idade. A partir desse momento, o Espiritismo passou a fazer parte da minha vida como fonte de acolhimento, fé e transformação. Foi o início de uma caminhada que me acompanha até hoje, com muito respeito e gratidão.

O que mais lhe chama a atenção na Doutrina Espírita?

Antes de conhecer a Doutrina Espírita, eu era uma pessoa muito revoltada, marcada por uma infância difícil, vivida em uma família desestruturada e disfuncional, com muita negligência afetiva, emocional e até de necessidades básicas. Ao começar a frequentar o centro espírita e participar dos estudos de O Evangelho Segundo o Espiritismo, fui entrando em contato com ensinamentos, advindos daquela obra, que não trazem respostas prontas, mas sim reflexões profundas sobre nossas dores, dificuldades e escolhas. Essas reflexões me trouxeram acolhimento e entendimento sobre o “bem ou mal sofrer”, e isso foi transformador. O que mais me tocou foi conhecer o conceito de reforma íntima e compreender o poder do livre-arbítrio. Essa consciência foi essencial para minha transformação interior e para a construção de uma nova forma de viver e sentir.

De onde lhe veio o interesse pela psicologia?

Desde a infância, sempre tive um olhar cuidadoso para o outro. Gostava de ouvir, acolher e ajudar as pessoas ao meu redor. Na adolescência, esse interesse começou a se transformar em curiosidade pela Psicologia, mas naquela época, as condições financeiras não permitiam que eu pensasse em uma formação acadêmica, mesmo assim, sentia que esse era o meu caminho. Esse sonho ficou adormecido por muitos anos, até que tive a oportunidade de trabalhar no setor de Recursos Humanos de uma empresa. Lá, ao lidar com escuta ativa, gestão de conflitos e apoio aos colaboradores, o desejo pela Psicologia reacendeu com força. Certo dia, o diretor da empresa me chamou para conversar e perguntou se eu tinha vontade de fazer uma faculdade. Respondi com o coração: “Sim, é meu sonho. Quero cursar Psicologia.” Inicialmente, ele sugeriu Administração, mas alguns dias depois voltou atrás e me disse que havia levado o assunto para diretoria da empresa, e eu estava aprovada para iniciar a graduação em Psicologia. Foi na faculdade que me encontrei. Ali tive a certeza de que não fui eu quem escolheu a Psicologia — a Psicologia me escolheu.

Que relação você estabelece entre a Psicologia e o Espiritismo?

A relação que estabeleço entre a Psicologia e o Espiritismo é de complementaridade e profundo respeito. Ambas são ciências que buscam compreender o ser humano em sua totalidade. A Psicologia, com foco nos aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais; e o Espiritismo, ampliando essa visão para a dimensão espiritual, moral e evolutiva do ser.  Minha vivência pessoal me mostrou que o sofrimento humano não pode ser compreendido apenas pela ótica material. Ao estudar O Evangelho Segundo o Espiritismo, entrei em contato com reflexões que me ajudaram a entender o “bem ou mal sofrer”, e isso ressoou profundamente com os princípios da Psicologia, especialmente quando falamos de reforma íntima, autoconhecimento e responsabilidade pelas escolhas. A Psicologia me deu ferramentas  para escutar, acolher e intervir com técnica, com embasamento cientifico e ética. O Espiritismo me ensinou a olhar com compaixão, fé e propósito. Juntas, essas duas ciências me ajudam a cuidar do ser humano em sua complexidade — corpo, mente e espírito — promovendo não apenas alívio da dor, mas também transformação e crescimento.

Pensando na grande contribuição da Psicologia em favor dos dramas humanos, como podemos compreender o ego?

Na perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental, o ego pode ser compreendido como a estrutura psicológica que organiza nossa identidade, percepção de nós mesmos, do outro e do mundo. Ele está diretamente ligado aos nossos esquemas cognitivos, padrões de pensamento formados ao longo da vida, que influenciam como interpretamos situações, reagimos emocionalmente e nos comportamos. O ego, nesse contexto, não é visto como algo negativo, mas como um conjunto de crenças centrais que podem ser funcionais ou disfuncionais. Por exemplo, uma pessoa pode ter um esquema de “não sou suficiente”, que afeta sua autoestima e suas relações. A TCC busca identificar essas crenças, avaliar sua validade e promover reestruturações cognitivas, ajudando o indivíduo a desenvolver uma visão mais realista e saudável de si mesmo. Portanto, o ego é o reflexo da nossa construção interna, e quando essa construção está distorcida, pode gerar sofrimento. A TCC contribui para fortalecer o ego de forma adaptativa, promovendo autoconhecimento, regulação emocional e mudança de padrões disfuncionais.

E os preconceitos que nos permitimos, como devemos entender?

Na perspectiva da TCC, os preconceitos que nos permitimos estão diretamente ligados aos nossos esquemas cognitivos; estruturas mentais formadas a partir de experiências de vida, crenças culturais, familiares e sociais. Esses esquemas moldam a forma como interpretamos o mundo e as pessoas ao nosso redor. O preconceito, nesse contexto, é uma interpretação distorcida da realidade, sustentada por crenças automáticas negativas e generalizações. Por exemplo, ao pensar “todo grupo X é perigoso”, o indivíduo está julgando sobe uma crença rígida e não questionada, que pode gerar comportamentos discriminatórios e sofrimento emocional. A TCC propõe que essas crenças sejam identificadas, questionadas e reestruturadas. O processo terapêutico convida o indivíduo a refletir: De onde vem essa ideia? Ela é baseada em fatos ou em julgamentos? Que evidências existem contra essa crença? Ao promover essa análise crítica, a TCC ajuda a desenvolver pensamentos mais flexíveis, empáticos e realistas, favorecendo relações mais saudáveis e uma convivência mais ética e respeitosa.

No caso do ego, então, ele não é só negativo?

O ego não é sempre negativo. Na verdade, ele possui aspectos positivos e fundamentais para o equilíbrio psicológico. O ego representa nossa identidade, nossa capacidade de autorregulação, de tomar decisões conscientes e de nos posicionarmos no mundo. Ele nos ajuda a organizar pensamentos, interpretar experiências e agir de forma coerente com nossos valores. Na TCC, o ego está relacionado aos esquemas cognitivos que moldam nossa percepção de nós mesmos e dos outros. Quando esses esquemas são funcionais, o ego atua de forma saudável: favorece a autoestima, a assertividade e a adaptação às situações da vida. Já quando os esquemas são disfuncionais, o ego pode se tornar rígido, defensivo ou distorcido, gerando sofrimento emocional. Portanto, o ego não é o vilão, ele é uma estrutura essencial. O que importa é como ele está estruturado e quais crenças o sustentam. Trabalhar o ego na TCC significa promover autoconhecimento, flexibilidade cognitiva e crescimento pessoal.

Há uma receita, uma dica, para vencer os variados preconceitos? 

Vencer os preconceitos exige um processo de autoconhecimento e reflexão. Na abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental, compreendemos que os preconceitos são sustentados por crenças automáticas e esquemas cognitivos formados ao longo da vida, muitas vezes sem que tenhamos consciência disso. Por exemplo, uma pessoa que cresceu ouvindo que “homens não choram” pode desenvolver a crença de que expressar emoções é sinal de fraqueza. Essa ideia, quando não questionada, pode gerar preconceito contra homens sensíveis ou até contra si mesmo, dificultando o acesso à própria vulnerabilidade. Uma dica essencial é aprender a questionar essas crenças. Perguntar a si mesmo: Essa ideia é baseada em fatos ou em julgamentos? Que evidências existem contra essa crença? Se eu fosse a pessoa alvo desse pensamento, como me sentiria? Esse exercício ajuda a identificar distorções cognitivas que alimentam o preconceito. Além disso, é importante exercitar a empatia cognitiva, ou seja, tentar compreender racionalmente a perspectiva do outro, reconhecendo que cada pessoa carrega uma história única. Ampliar nossas fontes de informação e conviver com diferentes realidades também favorece a flexibilização do pensamento. E, acima de tudo, aceitar que mudar é um processo, que exige humildade, disposição e compromisso com a reforma íntima. A Psicologia, nesse sentido, nos oferece ferramentas para transformar julgamentos em compreensão, e o Espiritismo nos convida a fazer isso com amor e propósito.

O que pode ocasionar os excessos do ego? Quais fatores contribuem para que ele se torne inflado, rígido ou desadaptativo, e como isso impacta nossa saúde emocional?

Os excessos do ego geralmente têm origem em esquemas cognitivos disfuncionais, que são padrões de pensamento formados ao longo da vida, muitas vezes como forma de proteção diante de experiências dolorosas, traumas ou carências emocionais. Na Terapia Cognitivo-Comportamental, entendemos que o ego inflado pode ser uma tentativa de compensar sentimentos profundos de insegurança, rejeição ou inferioridade. Quando o indivíduo não se sente suficiente ou valorizado, pode desenvolver crenças rígidas como “preciso ser perfeito” ou “não posso mostrar fraqueza”, o que leva a comportamentos defensivos, arrogância ou dificuldade em lidar com críticas. Esse funcionamento desadaptativo do ego impacta diretamente a saúde emocional, pois gera sofrimento, conflitos interpessoais e resistência à mudança. A TCC propõe a reestruturação dessas crenças, promovendo mais flexibilidade, autoconhecimento e equilíbrio entre autoestima e humildade. Reconhecer os excessos do ego é um passo importante na reforma íntima, pois nos convida a olhar para dentro com honestidade e responsabilidade, transformando dor em crescimento.

O que gostaria de relatar sobre sua participação no atendimento fraterno?

Minha participação no Atendimento Fraterno surgiu como um verdadeiro chamado interior. Foi algo que senti profundamente, como se a vida me convidasse a colocar em prática tudo aquilo que venho aprendendo, tanto na Psicologia quanto na vivência Espiritual. Sou muito grata por essa oportunidade, pois posso compartilhar meus conhecimentos de forma acolhedora, oferecendo escuta, empatia e orientação a quem busca apoio emocional e espiritual. Cada encontro é único e me ensina muito sobre a dor humana, sobre a força que nasce do acolhimento e sobre o poder da escuta compassiva. O Atendimento Fraterno é, para mim, uma extensão do cuidado que acredito ser essencial na jornada de transformação e cura. É onde teoria, prática e espiritualidade se encontram com amor e propósito.

Algo marcante de sua vivência espírita que gostaria de compartilhar?

Uma das experiências mais marcantes da minha caminhada espírita foi o acolhimento que recebi num momento de profunda fragilidade: quando meu filho, ainda bebê, enfrentava sérios problemas de saúde. A possibilidade de uma cirurgia delicada nos assustava, e foi nesse cenário de dor e incerteza que encontrei na doutrina espírita um refúgio de luz e esperança. O Espiritismo me acolheu com uma fé raciocinada, que não impõe verdades, mas convida à reflexão, ao entendimento das provas da vida e à confiança na justiça divina. Através do tratamento espiritual e do passe magnético, meu filho foi curado, sem precisar da intervenção cirúrgica que parecia inevitável. Essa vivência foi um divisor de águas, não apenas como mãe, mas como ser espiritual em busca de sentido. Desde então, essa experiência se tornou um pilar na minha jornada pessoal e profissional, reafirmando que fé, conhecimento e acolhimento caminham juntos na construção de uma vida com propósito, serviço e amor.

Algo mais a acrescentar?

Gostaria de acrescentar minha profunda gratidão pela oportunidade de participar desta entrevista. Foi uma honra poder compartilhar um pouco da minha trajetória, das experiências que me transformaram e dos caminhos que escolhi com o coração. Falar sobre Psicologia, Espiritismo e Atendimento Fraterno é, para mim, mais do que relatar vivências, é reafirmar meu compromisso com o cuidado, com o acolhimento e com a construção de uma vida com sentido. Agradeço pelo espaço generoso, pela escuta respeitosa e pelo convite que me permitiu refletir e expressar aquilo que acredito e vivencio. 

Suas palavras finais.

Foi uma oportunidade valiosa compartilhar não apenas minha história, mas também os caminhos que me conduziram à Psicologia e ao Espiritismo, duas fontes de luz que transformaram minha vida e me ensinaram a servir com dedicação e amor. Acredito que cada experiência, por mais desafiadora que seja, pode se tornar uma semente de cura e crescimento. E se há uma frase que resume minha caminhada, seria: “Quando o coração se abre para o cuidado, a alma encontra sentido.” Que esta conversa possa tocar outras vidas e inspirar caminhos de acolhimento, fé e transformação.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita