Conceito de Justiça Social e realidade atual
A justiça social é um conceito que se refere à igualdade
e à justiça nas relações sociais, econômicas e
políticas. É fundamental para a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária. Procura garantir que
todos os indivíduos tenham acesso igualitário aos
recursos, oportunidades e direitos, independentemente da
sua origem, raça, gênero, religião, classe social ou
qualquer outro fator. É importante para promover a
igualdade, garantir os direitos humanos, fomentar a
coesão social e reduzir a pobreza e a exclusão.
Na atualidade, enfrentamos desafios de vária ordem, que
põe em causa a justiça social, como sendo, por exemplo,
a desigualdade económica, a discriminação e o
preconceito, as mudanças climáticas que fragilizam os
mais desfavorecidos, e tantos outros. Todas as fações da
sociedade, política, social, jurídica, educação, etc.,
reconhecem que é fundamental trabalharmos em cooperação
para promover a justiça social e construir uma sociedade
mais justa e igualitária para todos. No entanto, a forma
como, na prática, se poderão/deverão desenvolver ações
que tendam a implementar a justiça social não é encarada
por todos do mesmo modo e acaba por ficar aprisionada em
discussões políticas e partidárias, que não dão os
frutos esperados.
Parece-nos, por vezes, que estamos demasiado longe desse
mundo melhor, em que a implementação prática dos
Direitos Humanos em todas as sociedades terrenas seja
uma realidade. Sociedades mais coesas e harmoniosas,
onde todos se sentem valorizados e respeitados, de onde
a pobreza e a exclusão social sejam erradicadas, onde as
desigualdades sociais sejam abolidas e a promoção da
igualdade de oportunidades para todos seja efetiva,
parecem sociedades utópicas. Mas, sê-lo-ão,
efetivamente? Será uma realidade inatingível ou, pelo
contrário, algo que está na mão de todos nós construir,
sem esperar, exclusivamente, pelas ações políticas de
quem achamos que tem o poder de fazer leis que alterem
as situações de acordo com o nosso interesse e visão
pessoal?
É certo que, no geral, temos visto quem tem o poder para
fazer a mudança pouco se interessar pelas verdadeiras
causas sociais, e agir, muitas vezes, de acordo com os
interesses das altas potências em desprimor dos mais
desfavorecidos. Outras vezes são as leis, muito bonitas
no papel, mas que dali não saem ou não funcionam, porque
não são acompanhadas de uma sincera preocupação e de
empenho verdadeiro no desenvolvimento das ações
necessárias que levariam à implementação da tão falada e
apregoada justiça social. Esta parece não ser mais do
que uma “bandeira” que se desfralda em ocasiões de
campanha política e que, de imediato, passa ao
esquecimento.
Justiça Social e Espiritismo
Entendemos que a construção de sociedades justas,
pacíficas e em que todos tenham a mesma oportunidade de
ser feliz tem de ser obra de todos nós, pois das ações
individuais de cada um dos membros de uma comunidade
nascem, por arrasto, as ações comunitárias de maior
alcance. Entendemos também que é sempre muito mais fácil
e cómodo esperar que sejam os outros a fazer e
culpabilizar os que nada ou pouco fazem. Mas, está mais
do que comprovado que esse comportamento de espera sem
cooperação não tem como funcionar. Os nossos políticos e
governantes são irmãos nossos, tal como nós, em
evolução, cheios dos mesmos defeitos que ainda
assinalamos em nós mesmos, geralmente pautados pelo
orgulho e egoísmo.
Poderá o Espiritismo oferecer-nos ensinamentos úteis que
permitam uma visão mais alargada sobre a justiça social
e o modo como a pôr em prática? Qual a visão do
Espiritismo sobre esta justiça e igualdade? Haverá
alguma relação entre justiça social e espiritualidade?
Podemos considerar que os princípios de igualdade,
fraternidade e amor ao próximo, inerentes ao conceito de
justiça social, estão presentes em todo o corpo
doutrinário espírita. Sendo o Espiritismo o Consolador
Prometido por Jesus, tomando o Mestre como Divino
Modelo, não podemos esquecer a postura que sempre
apresentou perante as minorias sofredoras, injustiçadas,
exploradas e excluídas, por quem mostrou sempre uma
enorme preocupação e solidariedade. Toda a Sua Doutrina
foi de Amor. Nesse Amor sempre coube todos sem
distinção, exemplificando princípios de igualdade e
fraternidade que não cabiam na época, que pareciam
absurdos numa sociedade que escravizava e excluía, sem
qualquer preocupação pelos “pequeninos” que Jesus tanto
amava. Mas Ele não dirigia as suas ações apenas aos seus
conterrâneos e contemporâneos. Deixou ensinamentos para
a posteridade, para os que haveriam de vir no futuro com
outra visão dos valores a desenvolver.
Hoje já sentimos necessidades de justiça e igualdade que
não sentíamos outrora e, por isso, estamos mais aptos a
cultivar valores e implementar ações que melhorem a vida
de todos, sem exceção. Estamos mais capacitados a
entender os ensinamentos do Mestre do Amor e, como
ferramenta para esse entendimento, temos o Espiritismo
que nos apresenta um conjunto de princípios valiosos
nesse campo. O que nos ensina esta Doutrina?
1. Somos todos iguais perante Deus. Somos todos seres
surgidos da Sua amorosa criação. Somos, por isso,
irmãos. Temos, então, os mesmos direitos e deveres
perante a Divindade. Como decorrência disso, todos os
direitos que sejam identificados, pela sociedade, para
um conjunto de indivíduos terão de abranger todos sem
exceção, sem privilégios de uns sobre os outros.
2. Deus não criou ricos e pobres, inteligentes e
ignorantes, privilegiados e excluídos, senhores e
escravos. Não criou uns para a felicidade e outros
destinados ao sofrimento. Criou-nos, a todos, simples e
ignorantes, com destino à evolução pelo nosso próprio
esforço e aproveitamento dos ensinamentos e provas que
as múltiplas experiências nos proporcionam.
3. O meio pelo qual evoluímos é a Reencarnação, ou seja,
as múltiplas experiências em corpos e mundos materiais,
já que no tempo que dura uma existência humana seria
impossível chegar à perfeição que é o nosso destino.
Entre cada existência terrena, habitamos planos
espirituais, onde tomamos melhor consciência das nossas
ações, desenvolvemos conhecimentos e estabelecemos
propósitos que teremos de pôr em prática em cada
reencarnação. Este é um percurso evolutivo que todos,
mas todos sem exceção, teremos de percorrer.
4. A Terra é uma escola onde, degrau a degrau, vamos
subindo e crescendo em espiritualidade (amor e
sabedoria) e onde todos terão de aprender à sua custa,
tendo as mesmas oportunidades de passar por experiências
de aprendizagem idênticas. O pobre de hoje foi o rico de
ontem, e vice-versa, ou sê-lo-á amanhã. O que hoje
explora, vilipendia, ofende, retira os direitos de
outrem, se acha superior e privilegiado, amanhã terá de
encarar situações que o ponham perante sofrimentos
idênticos aos que causou e talvez tenha de lutar para
defender os seus direitos à custa da dor. Os que hoje
lutam e trabalham pela implantação da justiça social e a
igualdade de direitos talvez sejam os que ontem
exploraram e excluíram e que, hoje, mais atentos e
cônscios dos seus deveres de solidariedade, tentam
reparar os erros que mancham a sua consciência.
5. É a Lei de Causa e Efeito a funcionar. Ação e Reação.
É da Ciência que não há efeito sem causa e a toda a ação
corresponde uma reação. O que cultivamos em dado
momento, mais tarde haveremos de colher. Assim funciona
a Lei Divina. Podemos então concluir que algumas
aparentes desigualdades decorrem não da injustiça
divina, mas sim da sementeira e da colheita que cada um
está fazendo. Mas, reflitamos: segue-se daí que devemos
então nada fazer para implementar a igualdade social?
Deveremos deixar que cada um colha o que semeou, pela
dor, através das injustiças humanas que tanto vemos nas
sociedades terrenas?
6. Kardec questionou o Espírito da Verdade “A
desigualdade das condições sociais é uma lei natural?”,
ao que obteve como resposta “Não. É obra do homem e não
de Deus”. E perguntou ainda “A desigualdade desaparecerá
um dia?”. A resposta foi: “Sós as leis de Deus são
eternas. Não a vês desaparecer pouco a pouco, todos os
dias? Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a
predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão
somente a desigualdade de mérito. Chegará um dia em que
os membros da grande família dos filhos de Deus não mais
se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois
somente o Espírito é mais ou menos puro, e isso não
depende da posição social.” (O Livro dos Espíritos,
cap. IX - Lei de Igualdade.)
7. Pela Lei de Solidariedade e Amor, que Jesus tão bem
exemplificou, todos somos corresponsáveis pelo bem-estar
uns dos outros. É através de nós, como cooperadores na
Ação Divina que o nosso mundo evoluirá para estádios de
maior progresso em que os valores humanos e espirituais
serão o móvel de todas as ações. Se assim não fosse,
porque se daria o Mestre ao trabalho de ensinar que
apenas a Caridade nos salvará? Entenda-se como Caridade
a Solidariedade, a Justiça, o Amor, a Pacificação, a
Partilha, a Fraternidade, e tantos outros valores que
farão da Humanidade um corpo de membros irmãos, todos a
trabalhar em sintonia para o mesmo fim, em que o
trabalho de todos é igualmente valorizado e em que todos
têm a mesma oportunidade de crescer e evoluir.
8. Ao trabalharmos por um mundo melhor hoje, estamos a
preparar a casa onde reencarnaremos amanhã. Quando
dizemos que queremos deixar um mundo melhor para as
gerações futuras, ensina-nos o Espiritismo que, estamos,
na realidade, a preparar um mundo melhor para nós
próprios, uma vez que faremos parte dessas gerações
futuras. Como deixarmos o mundo, assim o
reencontraremos, salvo o decorrido em obediência à Lei
do Progresso. Se trabalharmos hoje por um mundo mais
justo e igualitário, teremos mais probabilidades de numa
futura existência termos o terreno mais aplanado nesse
campo e nos podermos dedicar com mais Harmonia e
Equilíbrio a outros desígnios e “lutas” que nos elevem
até ao infinito.
Pelo estudo e pela reflexão que a Doutrina Espírita nos
proporciona, podemos obter recursos que nos encorajem a
ações positivas e assertivas, quer individualmente, quer
através da participação em ações coletivas, tornando-nos
exemplo vivo da Doutrina do Cristo, junto dos que nos
rodeiam, mais proximamente, e também no seio da
comunidade a que pertencemos. Quando reencarnamos, somos
colocados nos lugares exatos em que fazemos falta,
entendendo-se por fazer falta a necessidade de auxílio e
socorro aos outros e, ao mesmo tempo, o atendimento às
nossas necessidades evolutivas. O nosso exemplo, as
nossas atitudes, a prática da Lei de Caridade, Amor e
Justiça terão possibilidade de contribuir para a
consciencialização de quem convive connosco.
É também imprescindível e urgente o testemunho que
passamos às gerações de crianças e jovens com quem
privamos, nas famílias, nas escolas, na evangelização
infantojuvenil nos Centros Espíritas, através da
literatura infantojuvenil educativa e estimulante, e
todas as outras maneiras que nos ocorram como forma de
educar para a promoção de uma sociedade justa onde os
Direitos Humanos e o respeito por todos sejam reais e
não apenas bandeiras políticas, onde, principalmente,
cada homem veja o outro como um seu igual, um irmão,
filho do mesmo Deus de Amor e Bondade que nos espera ao
longo do caminho que nos cabe percorrer na busca do
aperfeiçoamento e nas conquistas que farão da Terra um
lugar bom e justo para todos.
Maria de Lurdes Duarte reside em Arouca, Portugal.