Especial

por Maria de Lurdes Duarte

Justiça Social e Espiritismo: uma perspectiva espírita sobre igualdade e fraternidade

 

Conceito de Justiça Social e realidade atual

A justiça social é um conceito que se refere à igualdade e à justiça nas relações sociais, econômicas e políticas. É fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Procura garantir que todos os indivíduos tenham acesso igualitário aos recursos, oportunidades e direitos, independentemente da sua origem, raça, gênero, religião, classe social ou qualquer outro fator. É importante para promover a igualdade, garantir os direitos humanos, fomentar a coesão social e reduzir a pobreza e a exclusão.

Na atualidade, enfrentamos desafios de vária ordem, que põe em causa a justiça social, como sendo, por exemplo, a desigualdade económica, a discriminação e o preconceito, as mudanças climáticas que fragilizam os mais desfavorecidos, e tantos outros. Todas as fações da sociedade, política, social, jurídica, educação, etc., reconhecem que é fundamental trabalharmos em cooperação para promover a justiça social e construir uma sociedade mais justa e igualitária para todos. No entanto, a forma como, na prática, se poderão/deverão desenvolver ações que tendam a implementar a justiça social não é encarada por todos do mesmo modo e acaba por ficar aprisionada em discussões políticas e partidárias, que não dão os frutos esperados.

Parece-nos, por vezes, que estamos demasiado longe desse mundo melhor, em que a implementação prática dos Direitos Humanos em todas as sociedades terrenas seja uma realidade. Sociedades mais coesas e harmoniosas, onde todos se sentem valorizados e respeitados, de onde a pobreza e a exclusão social sejam erradicadas, onde as desigualdades sociais sejam abolidas e a promoção da igualdade de oportunidades para todos seja efetiva, parecem sociedades utópicas. Mas, sê-lo-ão, efetivamente? Será uma realidade inatingível ou, pelo contrário, algo que está na mão de todos nós construir, sem esperar, exclusivamente, pelas ações políticas de quem achamos que tem o poder de fazer leis que alterem as situações de acordo com o nosso interesse e visão pessoal?

É certo que, no geral, temos visto quem tem o poder para fazer a mudança pouco se interessar pelas verdadeiras causas sociais, e agir, muitas vezes, de acordo com os interesses das altas potências em desprimor dos mais desfavorecidos. Outras vezes são as leis, muito bonitas no papel, mas que dali não saem ou não funcionam, porque não são acompanhadas de uma sincera preocupação e de empenho verdadeiro no desenvolvimento das ações necessárias que levariam à implementação da tão falada e apregoada justiça social. Esta parece não ser mais do que uma “bandeira” que se desfralda em ocasiões de campanha política e que, de imediato, passa ao esquecimento.

 

Justiça Social e Espiritismo

Entendemos que a construção de sociedades justas, pacíficas e em que todos tenham a mesma oportunidade de ser feliz tem de ser obra de todos nós, pois das ações individuais de cada um dos membros de uma comunidade nascem, por arrasto, as ações comunitárias de maior alcance. Entendemos também que é sempre muito mais fácil e cómodo esperar que sejam os outros a fazer e culpabilizar os que nada ou pouco fazem. Mas, está mais do que comprovado que esse comportamento de espera sem cooperação não tem como funcionar. Os nossos políticos e governantes são irmãos nossos, tal como nós, em evolução, cheios dos mesmos defeitos que ainda assinalamos em nós mesmos, geralmente pautados pelo orgulho e egoísmo.

Poderá o Espiritismo oferecer-nos ensinamentos úteis que permitam uma visão mais alargada sobre a justiça social e o modo como a pôr em prática?  Qual a visão do Espiritismo sobre esta justiça e igualdade? Haverá alguma relação entre justiça social e espiritualidade?

Podemos considerar que os princípios de igualdade, fraternidade e amor ao próximo, inerentes ao conceito de justiça social, estão presentes em todo o corpo doutrinário espírita. Sendo o Espiritismo o Consolador Prometido por Jesus, tomando o Mestre como Divino Modelo, não podemos esquecer a postura que sempre apresentou perante as minorias sofredoras, injustiçadas, exploradas e excluídas, por quem mostrou sempre uma enorme preocupação e solidariedade. Toda a Sua Doutrina foi de Amor. Nesse Amor sempre coube todos sem distinção, exemplificando princípios de igualdade e fraternidade que não cabiam na época, que pareciam absurdos numa sociedade que escravizava e excluía, sem qualquer preocupação pelos “pequeninos” que Jesus tanto amava. Mas Ele não dirigia as suas ações apenas aos seus conterrâneos e contemporâneos. Deixou ensinamentos para a posteridade, para os que haveriam de vir no futuro com outra visão dos valores a desenvolver.

Hoje já sentimos necessidades de justiça e igualdade que não sentíamos outrora e, por isso, estamos mais aptos a cultivar valores e implementar ações que melhorem a vida de todos, sem exceção. Estamos mais capacitados a entender os ensinamentos do Mestre do Amor e, como ferramenta para esse entendimento, temos o Espiritismo que nos apresenta um conjunto de princípios valiosos nesse campo. O que nos ensina esta Doutrina?

1. Somos todos iguais perante Deus. Somos todos seres surgidos da Sua amorosa criação. Somos, por isso, irmãos. Temos, então, os mesmos direitos e deveres perante a Divindade. Como decorrência disso, todos os direitos que sejam identificados, pela sociedade, para um conjunto de indivíduos terão de abranger todos sem exceção, sem privilégios de uns sobre os outros.

2. Deus não criou ricos e pobres, inteligentes e ignorantes, privilegiados e excluídos, senhores e escravos. Não criou uns para a felicidade e outros destinados ao sofrimento. Criou-nos, a todos, simples e ignorantes, com destino à evolução pelo nosso próprio esforço e aproveitamento dos ensinamentos e provas que as múltiplas experiências nos proporcionam.

3. O meio pelo qual evoluímos é a Reencarnação, ou seja, as múltiplas experiências em corpos e mundos materiais, já que no tempo que dura uma existência humana seria impossível chegar à perfeição que é o nosso destino. Entre cada existência terrena, habitamos planos espirituais, onde tomamos melhor consciência das nossas ações, desenvolvemos conhecimentos e estabelecemos propósitos que teremos de pôr em prática em cada reencarnação. Este é um percurso evolutivo que todos, mas todos sem exceção, teremos de percorrer.

4. A Terra é uma escola onde, degrau a degrau, vamos subindo e crescendo em espiritualidade (amor e sabedoria) e onde todos terão de aprender à sua custa, tendo as mesmas oportunidades de passar por experiências de aprendizagem idênticas. O pobre de hoje foi o rico de ontem, e vice-versa, ou sê-lo-á amanhã. O que hoje explora, vilipendia, ofende, retira os direitos de outrem, se acha superior e privilegiado, amanhã terá de encarar situações que o ponham perante sofrimentos idênticos aos que causou e talvez tenha de lutar para defender os seus direitos à custa da dor. Os que hoje lutam e trabalham pela implantação da justiça social e a igualdade de direitos talvez sejam os que ontem exploraram e excluíram e que, hoje, mais atentos e cônscios dos seus deveres de solidariedade, tentam reparar os erros que mancham a sua consciência.

5. É a Lei de Causa e Efeito a funcionar. Ação e Reação. É da Ciência que não há efeito sem causa e a toda a ação corresponde uma reação. O que cultivamos em dado momento, mais tarde haveremos de colher. Assim funciona a Lei Divina. Podemos então concluir que algumas aparentes desigualdades decorrem não da injustiça divina, mas sim da sementeira e da colheita que cada um está fazendo. Mas, reflitamos: segue-se daí que devemos então nada fazer para implementar a igualdade social? Deveremos deixar que cada um colha o que semeou, pela dor, através das injustiças humanas que tanto vemos nas sociedades terrenas?

6. Kardec questionou o Espírito da Verdade “A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?”, ao que obteve como resposta “Não. É obra do homem e não de Deus”. E perguntou ainda “A desigualdade desaparecerá um dia?”. A resposta foi: “Sós as leis de Deus são eternas. Não a vês desaparecer pouco a pouco, todos os dias? Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão somente a desigualdade de mérito. Chegará um dia em que os membros da grande família dos filhos de Deus não mais se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois somente o Espírito é mais ou menos puro, e isso não depende da posição social.” (O Livro dos Espíritos, cap. IX - Lei de Igualdade.)

7. Pela Lei de Solidariedade e Amor, que Jesus tão bem exemplificou, todos somos corresponsáveis pelo bem-estar uns dos outros. É através de nós, como cooperadores na Ação Divina que o nosso mundo evoluirá para estádios de maior progresso em que os valores humanos e espirituais serão o móvel de todas as ações. Se assim não fosse, porque se daria o Mestre ao trabalho de ensinar que apenas a Caridade nos salvará? Entenda-se como Caridade a Solidariedade, a Justiça, o Amor, a Pacificação, a Partilha, a Fraternidade, e tantos outros valores que farão da Humanidade um corpo de membros irmãos, todos a trabalhar em sintonia para o mesmo fim, em que o trabalho de todos é igualmente valorizado e em que todos têm a mesma oportunidade de crescer e evoluir.

8. Ao trabalharmos por um mundo melhor hoje, estamos a preparar a casa onde reencarnaremos amanhã. Quando dizemos que queremos deixar um mundo melhor para as gerações futuras, ensina-nos o Espiritismo que, estamos, na realidade, a preparar um mundo melhor para nós próprios, uma vez que faremos parte dessas gerações futuras. Como deixarmos o mundo, assim o reencontraremos, salvo o decorrido em obediência à Lei do Progresso. Se trabalharmos hoje por um mundo mais justo e igualitário, teremos mais probabilidades de numa futura existência termos o terreno mais aplanado nesse campo e nos podermos dedicar com mais Harmonia e Equilíbrio a outros desígnios e “lutas” que nos elevem até ao infinito.     

Pelo estudo e pela reflexão que a Doutrina Espírita nos proporciona, podemos obter recursos que nos encorajem a ações positivas e assertivas, quer individualmente, quer através da participação em ações coletivas, tornando-nos exemplo vivo da Doutrina do Cristo, junto dos que nos rodeiam, mais proximamente, e também no seio da comunidade a que pertencemos. Quando reencarnamos, somos colocados nos lugares exatos em que fazemos falta, entendendo-se por fazer falta a necessidade de auxílio e socorro aos outros e, ao mesmo tempo, o atendimento às nossas necessidades evolutivas. O nosso exemplo, as nossas atitudes, a prática da Lei de Caridade, Amor e Justiça terão possibilidade de contribuir para a consciencialização de quem convive connosco.

É também imprescindível e urgente o testemunho que passamos às gerações de crianças e jovens com quem privamos, nas famílias, nas escolas, na evangelização infantojuvenil nos Centros Espíritas, através da literatura infantojuvenil educativa e estimulante, e todas as outras maneiras que nos ocorram como forma de educar para a promoção de uma sociedade justa onde os Direitos Humanos e o respeito por todos sejam reais e não apenas bandeiras políticas, onde, principalmente, cada homem veja o outro como um seu igual, um irmão, filho do mesmo Deus de Amor e Bondade que nos espera ao longo do caminho que nos cabe percorrer na busca do aperfeiçoamento e nas conquistas que farão da Terra um lugar bom e justo para todos.


Maria de Lurdes Duarte reside em Arouca, Portugal.

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita