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por Paulo Hayashi Jr.

 

As artes e a fé raciocinada


Sócrates, em seus ensinamentos pelas cidades gregas, sempre procurou através de sua filosofia e modo de vida, vivenciar o bem, o belo e a verdade. A conhecida tríade clássica, dentro do Espiritismo, pode ser equipada aos trabalhos incansáveis de se desenvolver a religião, a filosofia e a ciência. De certo modo, a ciência espírita procura se concentrar na verdade, ou seja, conhecimentos que auxiliam na compreensão do mundo. Já a religião e a filosofia espírita, tanto a questão do bem, quanto do belo. Entretanto, o belo socrático parece ser mais uma figura de linguagem, ou algo que ficou em segundo plano, mas que guarda estreita proximidade tanto com a perfeição, quanto com Deus.

Neste pequeno artigo, iremos focar nas artes e na questão da fé raciocinada como maneiras de aumentar a sensibilidade da pessoa em eventos sutis, bem como de melhorar seu equilíbrio entre pensamentos e sentimentos, mente e coração, razão e emoção. O ser humano em equilíbrio consegue suportar com mais propriedade os tumultos do mundo exterior, mesmo que para ele seja desagradável ou perturbador. O que parece ser questão ímpar ao se renascer neste planeta, ou então, quando se analisa a vida de Jesus Cristo na terra.  Com o mundo interior equilibrado e fortalecido, pode a pessoa fazer o que for preciso para dar solução à questão de sua missão de vida. 

As artes ou suas expressões artísticas constituem maneiras do artista de expressar aquilo que ele considera como “certo” naquilo que ele pensou e planejou para a sua obra (Gombrich, 2022). Tentar compreender o que seria este “certo” representa uma primeira capacidade de leitura para o usuário da arte. A questão pode ser vista tanto do lado racional, da técnica e dos elementos utilizados, quanto do lado emotivo, da subjetividade da expressão, dos sentimentos despertos com a obra.

Uma maneira de buscar esta leitura e compreensão maior das obras de artes é através da fé raciocinada. Olhar com fé uma obra é buscar a conexão da obra com algo que transcende a matéria e que busca elevar a consciência para além do óbvio, do visível, do tangível, da aparência. A fé também é uma forma de conectar o ser com o divino, o que tornaria tanto a concepção da arte, quanto do belo como caminhos para elevação do ser. O que retornaria no sentido mais clássico dos gregos, ao invés das artes, no sentido moderno, como deleite dos sentidos, hedonismo ou mera subjetividade e pretensão do artista. As artes como ferramentas de conexão e alinhamento com Deus para que se possa tanto alcançar a verdade, quanto a execução do bem. Além disso, as artes no mundo antigo pareciam ter uma conexão com o sobrenatural, a magia, como uma espécie de reforço no desejo de acontecer (Gombrich, 2022[1]).

Por outro lado, ter uma fé raciocinada permite que se escape da questão da fé cega, da falta de reflexão crítica, da mera citação de características decoradas ou, até mesmo a exposição de preconceitos e conhecimentos errôneos. Sabe-se que uma obra de arte costuma seduzir o interlocutor através do desafio da conquista de sua compreensão, tal como legítimo fruto com várias camadas. É preciso esforço, reflexão e inspiração para ir além do superficial e visível. Uma obra pode também ter distintas interpretações, seja por pessoas diferentes, seja pela mesma pessoa em outros períodos de sua vida, tal como na clássica observação de Heráclito: “Nenhum homem pode entrar duas vezes no mesmo rio”. O processo de mudança e transformação é contínuo. No caso específico das artes, Gombrich (2022, p. 29), expressa com clareza a questão: “Não existe maior obstáculo à fruição de grandes obras de arte do que a nossa relutância em descartar hábitos e preconceitos”. É preciso se despir do “velho eu”, com suas mazelas, vieses e preconceitos para olhar uma arte por inteiro. Seja se colocando na posição do artista, seja ultrapassando até mesmo este último para a questão da sociedade, do mundo, de Deus. É o esforço de melhorar-se, tal como expresso por Allan Kardec: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar suas más inclinações” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 17, item 4).

De certo modo, há um reforço positivo então entre ser apreciador de boas obras de arte e ser uma pessoa melhor, pois há um efeito “bola de neve”.  Ou conforme ditado popular “primeiro a gente começa, depois a gente melhora”.  E nas palavras de Gombrich (2022, p. 36): “Mas se dispusermos de tempo, vontade e oportunidade para explorar quantos refinamentos podem existir, é possível que se convertam em autênticos connoisseurs, capazes de distinguir o tipo e a mistura preferíveis, e seu maior conhecimento certamente aumentará o prazer propiciado pelas misturas mais requintadas”. Ou ainda, “Penso que conhecer algo dessa história nos ajuda a compreender por que os artistas trabalham de uma determinada maneira ou têm em mira a obtenção de certos efeitos. É, sobretudo, um excelente modo de exercitarmos os nossos olhos para as características particulares das obras de arte e, por conseguinte, de aumentarmos a nossa sensibilidade para os mais sutis matizes de diferença” (Gombrich, 2022, p.37).

Assim, o caminho para a ascensão e a perfeição pode ter diferentes rotas ou ferramentas, sendo tanto as artes, quanto a fé raciocinada elementos catalisadores de nossa condição de perfectibilidade. Aprendamos, portanto, de sermos consumidores de obras de artes, no sentido de consumir com os olhos e com a alma, de nos alimentarmos com seus elementos sutis para que possamos compreender e nos ajustarmos com mais precisão em um mundo que nos exige tanto inspiração, quanto transpiração; aspiração e ação que edificam o bem, o belo para viver e divulgar a verdade.


 

[1] GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2022.

 
  
    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita