As artes e a fé raciocinada
Sócrates, em seus ensinamentos pelas cidades gregas,
sempre procurou através de sua filosofia e modo de vida,
vivenciar o bem, o belo e a verdade. A conhecida tríade
clássica, dentro do Espiritismo, pode ser equipada aos
trabalhos incansáveis de se desenvolver a religião, a
filosofia e a ciência. De certo modo, a ciência espírita
procura se concentrar na verdade, ou seja, conhecimentos
que auxiliam na compreensão do mundo. Já a religião e a
filosofia espírita, tanto a questão do bem, quanto do
belo. Entretanto, o belo socrático parece ser mais uma
figura de linguagem, ou algo que ficou em segundo plano,
mas que guarda estreita proximidade tanto com a
perfeição, quanto com Deus.
Neste pequeno artigo, iremos focar nas artes e na
questão da fé raciocinada como maneiras de aumentar a
sensibilidade da pessoa em eventos sutis, bem como de
melhorar seu equilíbrio entre pensamentos e sentimentos,
mente e coração, razão e emoção. O ser humano em
equilíbrio consegue suportar com mais propriedade os
tumultos do mundo exterior, mesmo que para ele seja
desagradável ou perturbador. O que parece ser questão
ímpar ao se renascer neste planeta, ou então, quando se
analisa a vida de Jesus Cristo na terra. Com o mundo
interior equilibrado e fortalecido, pode a pessoa fazer
o que for preciso para dar solução à questão de sua
missão de vida.
As artes ou suas expressões artísticas constituem
maneiras do artista de expressar aquilo que ele
considera como “certo” naquilo que ele pensou e planejou
para a sua obra (Gombrich, 2022). Tentar compreender o
que seria este “certo” representa uma primeira
capacidade de leitura para o usuário da arte. A questão
pode ser vista tanto do lado racional, da técnica e dos
elementos utilizados, quanto do lado emotivo, da
subjetividade da expressão, dos sentimentos despertos
com a obra.
Uma maneira de buscar esta leitura e compreensão maior
das obras de artes é através da fé raciocinada. Olhar
com fé uma obra é buscar a conexão da obra com algo que
transcende a matéria e que busca elevar a consciência
para além do óbvio, do visível, do tangível, da
aparência. A fé também é uma forma de conectar o ser com
o divino, o que tornaria tanto a concepção da arte,
quanto do belo como caminhos para elevação do ser. O que
retornaria no sentido mais clássico dos gregos, ao invés
das artes, no sentido moderno, como deleite dos
sentidos, hedonismo ou mera subjetividade e pretensão do
artista. As artes como ferramentas de conexão e
alinhamento com Deus para que se possa tanto alcançar a
verdade, quanto a execução do bem. Além disso, as artes
no mundo antigo pareciam ter uma conexão com o
sobrenatural, a magia, como uma espécie de reforço no
desejo de acontecer (Gombrich, 2022).
Por outro lado, ter uma fé raciocinada permite que se
escape da questão da fé cega, da falta de reflexão
crítica, da mera citação de características decoradas
ou, até mesmo a exposição de preconceitos e
conhecimentos errôneos. Sabe-se que uma obra de arte
costuma seduzir o interlocutor através do desafio da
conquista de sua compreensão, tal como legítimo fruto
com várias camadas. É preciso esforço, reflexão e
inspiração para ir além do superficial e visível. Uma
obra pode também ter distintas interpretações, seja por
pessoas diferentes, seja pela mesma pessoa em outros
períodos de sua vida, tal como na clássica observação de
Heráclito: “Nenhum homem pode entrar duas vezes no mesmo
rio”. O processo de mudança e transformação é contínuo.
No caso específico das artes, Gombrich (2022, p. 29),
expressa com clareza a questão: “Não existe maior
obstáculo à fruição de grandes obras de arte do que a
nossa relutância em descartar hábitos e preconceitos”. É
preciso se despir do “velho eu”, com suas mazelas,
vieses e preconceitos para olhar uma arte por inteiro.
Seja se colocando na posição do artista, seja
ultrapassando até mesmo este último para a questão da
sociedade, do mundo, de Deus. É o esforço de
melhorar-se, tal como expresso por Allan Kardec:
“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua
transformação moral e pelos esforços que faz para domar
suas más inclinações” (O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap. 17, item 4).
De certo modo, há um reforço positivo então entre ser
apreciador de boas obras de arte e ser uma pessoa
melhor, pois há um efeito “bola de neve”. Ou conforme
ditado popular “primeiro a gente começa, depois a gente
melhora”. E nas palavras de Gombrich (2022, p. 36):
“Mas se dispusermos de tempo, vontade e oportunidade
para explorar quantos refinamentos podem existir, é
possível que se convertam em autênticos connoisseurs,
capazes de distinguir o tipo e a mistura preferíveis, e
seu maior conhecimento certamente aumentará o prazer
propiciado pelas misturas mais requintadas”. Ou ainda,
“Penso que conhecer algo dessa história nos ajuda a
compreender por que os artistas trabalham de uma
determinada maneira ou têm em mira a obtenção de certos
efeitos. É, sobretudo, um excelente modo de exercitarmos
os nossos olhos para as características particulares das
obras de arte e, por conseguinte, de aumentarmos a nossa
sensibilidade para os mais sutis matizes de diferença”
(Gombrich, 2022, p.37).
Assim, o caminho para a ascensão e a perfeição pode ter
diferentes rotas ou ferramentas, sendo tanto as artes,
quanto a fé raciocinada elementos catalisadores de nossa
condição de perfectibilidade. Aprendamos, portanto, de
sermos consumidores de obras de artes, no sentido de
consumir com os olhos e com a alma, de nos alimentarmos
com seus elementos sutis para que possamos compreender e
nos ajustarmos com mais precisão em um mundo que nos
exige tanto inspiração, quanto transpiração; aspiração e
ação que edificam o bem, o belo para viver e divulgar a
verdade.