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por Nubor Orlando Facure

 

Neurologia dos sonhos


Poucas coisas são tão enigmáticas e misteriosas como nossos sonhos. E ninguém resiste à tentação de interpretar seus sinais premonitórios.

Para tirar seu encanto místico, os neurologistas dizem que, por sonharmos uma grande variedade de situações, é estatisticamente provável que algum deles venha a coincidir com uma ocorrência futura – isso quer dizer que os neurologistas não acreditam em sonhos premonitórios, apesar das interpretações que José, filho de Jacó e Rachel, fez sobre os sonhos do Faraó do Egito.

A teoria psicanalítica enxergou no sonho um caminho para explorar o nosso inconsciente e seus desejos inconfessáveis. Mas foram os avanços na neurofisiologia que trouxeram argumentos sólidos para a compreensão dos sonhos.        

Sem entrar nesses detalhes mais técnicos pretendo aqui expor uma semiologia possível, para se enxergar nas situações aparentemente caóticas de um sonho o que se passa na fisiologia cerebral.

Vamos ao seu exame baseado nas funções cognitivas.

O exame mental do sonho:

1 – Memória

Os sonhos parecem correr um do outro – apesar de algumas pessoas afirmarem que nunca sonham, isso não é verdade, o que ocorre é que, logo que acordamos, sofremos uma rápida amnésia do ocorrido, impedindo-nos de lembrar o que estávamos sonhando.

É fácil provar que todo mundo sonha, basta constatar em todos nós os movimentos rápidos dos olhos. É no sono REM que ocorre a maioria dos sonhos.

Outras pessoas têm enorme facilidade de os ter na memória ao despertar, mas, mesmo quando são lembrados, ficam faltando certos detalhes independentemente de qualquer esforço que fizermos para os resgatar.

É interessante que, em certos momentos, o sonho nos traz memórias já há muito esquecidas que, aparentemente, não têm nada a ver com os acontecimentos vivenciados nesse dia.

Parece que o sonho é a gente quem faz, é quase uma leitura do rascunho daquele dia vivido com intensa emoção. Sonhamos com os familiares, com pessoas próximas, com ocorrências que prenderam nossas preocupações – por isso a lembrança ao despertar é facilitada pelos cenários da véspera.

2 – Pseudomemórias

Faz parte do psiquismo humano a confabulação – criamos fatos para preencher lacunas das recordações – o enredo do sonho é preenchido com fatos que na verdade não ocorreram, mas eles unem pontos desconexos mesmo que de maneira errada, falsa. Isso, também, alivia a nossa ansiedade, o cérebro não aceita pausar e reiniciar, trabalha continuamente oferecendo opções para alívio dos nossos medos. E os sonhos são processos que amenizam nossas aflições. Por isso gosto de dizer que o sonho é terapêutico.

3 – Atenção

Fisiologicamente, durante o sonho, criamos um bloqueio aos estímulos sensoriais. Passamos a viver num mundo mental interno, fechado, mas sem conseguirmos controlar a nossa atenção num determinado foco.

São as próprias imagens mentais, que aparecem em profusão no sonho, que capturam nossa atenção – ao contrário da vigília, onde nós é que temos essa capacidade de escolha.

São os numerosos cenários que aparecem no sonho que alteram a direção da nossa atenção. Esse filme passa da distração para a atenção num instante e sem nosso controle.

Perdemos, também, toda referência de tempo, espaço e grupo social ou familiar.

Os sonhos têm esse poder de criar e dominar nosso mundo mental enquanto seu filme se desenrola.

4 - Funções intelectuais

Uma curiosidade sobre nossas habilidades intelectuais aparece nos estudos: a matemática e outras ciências não aparecem nos sonhos. Mesmo professores de matemática não fazem contas durante seus sonhos e o biólogo não lê os seus livros em sonho.

Isso é coerente com o que já sabemos: os sonhos não têm qualquer racionalidade. Eles não são racionais, são pura emoção. Otto Loewe sonhou com uma experiência com coração de sapos que lhe permitiu descobrir a Acetilcolina nas terminações do nervo vago, mas o texto descritivo ele o fez bem acordado no seu laboratório.

5 – Linguagem

Quando encontramos um amigo, nossa tendência é manter um diálogo mais ou menos demorado. No sonho, isso não acontece, não há verbalização nos encontros oníricos.

Raramente temos lembranças de alguma verbalização em nossos encontros durante o sono. Ninguém traz recados falados na ocasião do sonho – apesar de muita anedota a respeito.

Diz a Neurologia que tanto um  amigo como um desafeto que nos fala em sonho, o texto dessa verbalização fomos nós mesmos que colocamos em sua boca.

O curioso é que nossos encontros precisam de um enredo para ter significado, então criamos um discurso implícito que nós mesmos produzimos.

Parece que até em sonho somos muito carentes de aceitação e compreensão.

6 – Orientação

O que mais revela o caos no sonho é sua desorientação. As figuras conhecidas podem se deformar. As distâncias parecem intermináveis ou se encurtam num instante. O tempo se dilata de maneira penosa ou se encurta fugidio. Pode adiantar-se ou retroceder resgatando momentos aflitivos.

As pessoas podem aparecer nítidas, depois fluidas e sofrer transformações aberrantes. Podem surgir do nada e desaparecer num instante. Podem ser acolhedoras ou representarem grande ameaça.

O espaço é surreal, os objetos aparecem em lugares improváveis, sua forma sofre distorções inimagináveis.

No contexto de um sonho, os acontecimentos podem aparecer num enredo conectado, desordenado, mas sequencial. Essa ordem de acontecimentos que se produzem nos sonhos não se apresentaria nunca na vida real.

Os sonhos a mim parecem ser retalhos do já vivido, sofrido, rejeitado ou desejado.

7 – Conteúdo mental

O conteúdo mental do sonho é predominantemente visual e motor. Quase nunca ocorre uma percepção auditiva, táctil ou olfatória.

Seu conteúdo mental é muito próximo de uma alucinação e delírios absurdos, mas o que o marca é nossa crença em sua realidade.

O medo que ele provoca pode ser mais intenso que o medo real vivido quando estamos despertos.

8 – Percepção e julgamento

No sonho nós perdemos a capacidade de refletir – caso contrário ele não seria diferente da vigília.

Acordados, nós percebemos o objeto que se aproxima ou se afasta; nos sonhos a sensação é de que nós é que estamos nos aproximando ou nos afastando. A consciência, contudo, se mantém.

Nossos padrões de comportamento social podem ser coerentes com o esperado para aquela situação, mas podemos ultrapassar limites e os desejos fluírem incontidos.

Quase sempre não nos damos conta de estarmos conscientes.

Para o neurologista, perceber que está consciente durante um sonho é uma espécie de delírio que nos faz crer estarmos acordados.

9 – Emoção

Nos sonhos, as emoções costumam ser sempre vibrantes.

O medo é um medo de arrepiar. A alegria é única, inesquecível. O choro é inesgotável. A culpa é corrosiva. A raiva, explosiva. A paixão, fervilhante.

Esses estados emocionais não estão dissociados das demais funções cognitivas.

O pensamento não está desconectado da realidade como na esquizofrenia, mesmo que essa realidade do sonho seja delirante e anárquica.

O que é o delírio no sonho?

Criamos monstros, nos sentimos em terrível perseguição, adquirimos poderes superiores.


Lição de casa

Passamos um terço de nossas vidas dormindo. Está na hora de aprendermos o que essa fase da vida tem a nos ensinar.

Qual a sua relação com as doenças mentais?

Há intercâmbio com o mundo espiritual?

O que o futuro de uma sociedade agitada e agressiva como a atual fará no nosso padrão de sonhos?

 
  
    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita