A hipótese da adversidade
Uma poderosa crença, proposta por quase todas as
tradições religiosas, garante que as pessoas precisam
enfrentar situações adversas, obstáculos e quiçá
traumas, a fim de atingirem os maiores níveis possíveis
de força, satisfação e desenvolvimento pessoal.
Allan Kardec admitiu que
grande parte das adversidades possuem correlação com
atitudes equivocadas cometidas pelas pessoas envolvidas.
Nesses casos, os
sofrimentos consequentes são uma advertência de que ele
andou mal. Dão-lhe a experiência e o fazem sentir, a
diferença entre o bem e o mal, bem como a necessidade de
se melhorar, para evitar no futuro o que já foi para ele
uma causa de mágoas. Sem isso, ele não teria nenhum
motivo para se emendar, e confiante na impunidade,
retardaria o seu adiantamento, e, portanto, a sua
felicidade futura.[i]
Outras adversidades, segundo Kardec, podem ser
consideradas como provas
buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e
ativar o seu progresso.[ii]
Tais ideias são ratificadas pela ciência moderna? O
psicólogo social Jonathan Haidt denominou essa crença de
“hipótese da adversidade”, e afirma que ela não pode ser
literalmente verdadeira, pelo menos, não de todo. Muitas
pessoas que enfrentam situações extremamente traumáticas
desenvolvem “transtorno de estresse pós-traumático”
(TEPT), uma condição debilitante que deixa suas vítimas
ansiosas e hiperreativas, às vezes, permanentemente.
Haidt afirma que devemos ser cautelosos ao aceitarmos a
hipótese da adversidade, mas admite que muitos estudos
efetuados nos últimos anos sinalizam positivamente no
sentido de mostrar que as adversidades podem se
identificar com crescimento pessoal. Esses benefícios
são chamados, às vezes, de “desenvolvimento
pós-traumático”, em contraste direto ao transtorno de
estresse pós-traumático, e são reconhecidos
particularmente em pessoas que cultivam a resiliência —
as maneiras como lidamos com a adversidade, combatemos
os danos e nos recuperamos ao ponto de um funcionamento
normal.
Esse amplo escopo de pesquisa mostra que, embora
traumas, crises e tragédias possam vir de inúmeras
formas, nós nos beneficiamos deles de três maneiras
primárias. [iii]
O primeiro benefício que o enfrentamento bem-sucedido de
um desafio revela são suas habilidades ocultas, e
enxergá-las modifica seu conceito de si mesmo. Uma das
lições mais comuns que as pessoas tiram do luto, ou do
trauma, é a de que elas são muito mais fortes do que
imaginavam, e essa nova apreciação de sua força lhes
concede maior confiança para enfrentar futuros desafios.
A segunda classe de benefícios tange aos
relacionamentos. Quando alguém é diagnosticado com
câncer, ou quando um casal perde um filho, alguns amigos
e familiares vêm à sua escolta e procuram por qualquer
maneira possível de oferecer suporte e ajudá-los. A
adversidade fortalece relacionamentos e abre os corações
das pessoas para as outras. É frequente desenvolvermos
amor por quem nos importa e, geralmente, sentimos amor e
gratidão para com quem esteve conosco em momentos de
necessidade. O indivíduo de luto toma maior apreciação
pelas pessoas presentes em sua vida e demonstra maior
tolerância em relação a elas.
E, finalmente, o terceiro benefício: o trauma modifica
nossas prioridades e nossa filosofia acerca do presente
(“Viva cada dia ao máximo”) e de outras pessoas. A
adversidade nos força a conter a pressa ao longo da
estrada da vida, o que nos permite notar os caminhos
alternativos que estavam ali o tempo todo e refletir
sobre onde gostaríamos de chegar.
Talvez, por tudo isso (e mais outras coisas), que Jesus
tenha dito: Bem-aventurados
os que choram, porque eles serão consolados.[iv]
Jesus não tinha a intenção de celebrar o sofrimento, nem
de prescrevê-lo para todos, ou de minimizar o imperativo
moral de o reduzirmos tanto quanto pudermos. É possível
que Jesus quisesse apontar que o sofrimento pode não ser
sempre de todo ruim. Costuma haver algum bem misturado
ao mal, e aqueles que o encontram descobrem algo
precioso: uma chave para o desenvolvimento moral e
espiritual.
Afinal, as lições mais importantes da vida não podem ser
ensinadas diretamente.
Nós não recebemos sabedoria, precisamos descobri-la por
nós mesmos.
[iii] A
hipótese da felicidade, Jonathan Haidt