O conceito de Shu-Ha-Ri e a
perfectibilidade oriental
O Japão tem peculiaridades que o tornam
referência em muitas áreas, em especial a
tecnologia, que, na expressão popular, "beira" à
perfeição, devido à sua qualidade técnica. A
paciência e a repetição da tarefa são as
explicações mais óbvias para tal nível de
aprimoramento. Todavia, para a busca de uma
visão mais profunda, não raro houve tentativas
ocidentais de melhor compreender o país do velho
continente. Uma das abordagens ocidentais de
entender e explicar a perfectibilidade oriental
vem das artes marciais e também, mais
recentemente, da área de gestão de projetos
ágeis, como o Scrum, que popularizou o conceito
Shu Ha Ri.
De certo modo, Shu Ha Ri define diferentes
níveis de domínio de um praticante das artes
marciais ou de gestão de projetos, bem como os
passos para ganhar condições de seguir adiante.
O primeiro nível, “Shu”, é a pessoa iniciante
que precisa aprender ainda as regras. Para isso,
o fundamental é imitar, seguir sem questionar e
sem desvios, ter um modelo de referência e
assimilá-lo através da repetição. É importante
essa repetição para que tanto o corpo quanto a
mente aprendam o caminho correto das regras, até
que se transforme em um processo natural. É a
introjeção das regras até ser parte da pessoa de
forma automática, inconsciente, sem precisar
pensar e que não depende da vontade, do ego ou
de qualquer fator externo.
Nesta etapa, o indivíduo não possui ainda a
maestria, mas com esforço e comprometimento o
tempo vai mostrar o avanço pessoal.
No caso das artes marciais, o final do Shu
poderia se dizer que é quando a pessoa alcança o
nível de “faixa preta”. O que permitiria ao
indivíduo continuar em seu processo de
aprendizagem, agora no nível de “Ha”. Ou seja, a
partir deste momento é essencial que a pessoa se
conheça bem para entender tanto o seu caráter e
desejo, quanto é preciso ter condições de
flexibilizar as regras para moldá-la ao seu
estilo. É o desenvolvimento de um estilo próprio
e a inovação, ou expansão das fronteiras do
conhecimento. Em “HA”, há a diferenciação e
também o aprimoramento, mas sem se distanciar
ainda da tradição.
Já o “Ri”, a última etapa, consiste em um grau
elevado de maestria que transcende o formalismo
das regras para simplesmente ser. Ou seja, não
apenas uma mudança quantitativa de grau ou
intensidade, mas qualitativa, de natureza. De
certo modo, representa o que foi observado por
Timothy Gallwey (2022,
p.65) em seu livro para jogadores de tênis:
“Descobri que quando os jogadores fogem de seus
padrões, eles estendem os limites de seu próprio
estilo e exploram aspectos subjugados de sua
personalidade”. É a expressão maior do interior
do indivíduo.
Entretanto, apesar de parecer um processo
simplesmente linear, sabe-se que nas artes
marciais e também na gestão de projetos o
processo é orgânico e semicaótico às vezes e,
por isso, as fases vão e voltam. Reaprende-se
novamente “Shu” e assim por diante. Nas palavras
de Sutherland e Sutherland:
As pessoas no estado Shu seguem exatamente as
regras, para que possam aprender as ideias por
trás delas. No estado Ha, os indivíduos começam
a criar o próprio estilo dentro das regras,
adaptando-as às suas necessidades. Já no estado
Ri, eles existem além das regras: incorporam os
ideais. Observar um verdadeiro mestre no estado
Ri é como olhar uma obra de arte em movimento.
Suas ações parecem impossíveis, mas isso é
porque o mestre se tornou a filosofia em carne e
osso, uma ideia materializada. (p. 208)
O caminho da perfeição é longo. Entretanto, não
vem sem um bom mestre. Não vem sem repetição. E
não vem sem o amadurecimento correto do
aprendiz. De dentro para fora. Pressa demais,
ego demais podem obstruir toda o processo de
aprendizagem.
E ainda, conforme Allan Kardec destaca as
palavras ditas pelo Sr. Chavée, no Instituto
Livre do Boulevard des Capucines e registradas
na Revista Espírita - Jornal de Estudos
Psicológicos de Junho de 1868: “O homem tem uma
existência indefinida, e o progresso da alma é
indefinido. Seja qual for a soma de suas luzes,
ela tem sempre a aprender, porque tem o infinito
à sua frente e, embora não possa atingi-lo, seu
objetivo será sempre dele aproximar-se cada vez
mais.”
Sejamos, portanto, como discípulos de Cristo,
aqueles que buscam viver e repetir as lições do
cordeiro de Deus. Não sejamos rebeldes nem
querer flexibilizar as leis para os nossos
caprichos. De evitarmos os caminhos do ego e as
tentações de querermos pular as fases, querendo
ser quem ainda não somos. E principalmente, de
adotarmos a postura e o comportamento que vá ao
encontro da seguinte recomendação: “Quando
alguém o convidar para um banquete de casamento,
não ocupe o lugar de honra, pois pode ser que
tenha sido convidado alguém de maior honra do
que você [...] Pois
todo o que se exalta será humilhado, e o que se
humilha será exaltado” (Lucas 14:8-11).
Tenhamos a consciência de que ainda engatinhamos
no processo da evolução espiritual e que ainda
há muitos trabalhos a serem feitos, bem como a
necessidade de estarmos sempre alinhados com os
bons espíritos e os amigos de Cristo.