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por Paulo Hayashi Jr.

 

O conceito de Shu-Ha-Ri e a perfectibilidade oriental

 

O Japão tem peculiaridades que o tornam referência em muitas áreas, em especial a tecnologia, que, na expressão popular, "beira" à perfeição, devido à sua qualidade técnica. A paciência e a repetição da tarefa são as explicações mais óbvias para tal nível de aprimoramento. Todavia, para a busca de uma visão mais profunda, não raro houve tentativas ocidentais de melhor compreender o país do velho continente. Uma das abordagens ocidentais de entender e explicar a perfectibilidade oriental vem das artes marciais e também, mais recentemente, da área de gestão de projetos ágeis, como o Scrum, que popularizou o conceito Shu Ha Ri.

De certo modo, Shu Ha Ri define diferentes níveis de domínio de um praticante das artes marciais ou de gestão de projetos, bem como os passos para ganhar condições de seguir adiante.

O primeiro nível, “Shu”, é a pessoa iniciante que precisa aprender ainda as regras. Para isso, o fundamental é imitar, seguir sem questionar e sem desvios, ter um modelo de referência e assimilá-lo através da repetição. É importante essa repetição para que tanto o corpo quanto a mente aprendam o caminho correto das regras, até que se transforme em um processo natural. É a introjeção das regras até ser parte da pessoa de forma automática, inconsciente, sem precisar pensar e que não depende da vontade, do ego ou de qualquer fator externo.

Nesta etapa, o indivíduo não possui ainda a maestria, mas com esforço e comprometimento o tempo vai mostrar o avanço pessoal.

No caso das artes marciais, o final do Shu poderia se dizer que é quando a pessoa alcança o nível de “faixa preta”. O que permitiria ao indivíduo continuar em seu processo de aprendizagem, agora no nível de “Ha”. Ou seja, a partir deste momento é essencial que a pessoa se conheça bem para entender tanto o seu caráter e desejo, quanto é preciso ter condições de flexibilizar as regras para moldá-la ao seu estilo. É o desenvolvimento de um estilo próprio e a inovação, ou expansão das fronteiras do conhecimento. Em “HA”, há a diferenciação e também o aprimoramento, mas sem se distanciar ainda da tradição.

Já o “Ri”, a última etapa, consiste em um grau elevado de maestria que transcende o formalismo das regras para simplesmente ser. Ou seja, não apenas uma mudança quantitativa de grau ou intensidade, mas qualitativa, de natureza. De certo modo, representa o que foi observado por Timothy Gallwey[1] (2022, p.65) em seu livro para jogadores de tênis: “Descobri que quando os jogadores fogem de seus padrões, eles estendem os limites de seu próprio estilo e exploram aspectos subjugados de sua personalidade”. É a expressão maior do interior do indivíduo.

Entretanto, apesar de parecer um processo simplesmente linear, sabe-se que nas artes marciais e também na gestão de projetos o processo é orgânico e semicaótico às vezes e, por isso, as fases vão e voltam. Reaprende-se novamente “Shu” e assim por diante. Nas palavras de Sutherland e Sutherland:


As pessoas no estado Shu seguem exatamente as regras, para que possam aprender as ideias por trás delas. No estado Ha, os indivíduos começam a criar o próprio estilo dentro das regras, adaptando-as às suas necessidades. Já no estado Ri, eles existem além das regras: incorporam os ideais. Observar um verdadeiro mestre no estado Ri é como olhar uma obra de arte em movimento. Suas ações parecem impossíveis, mas isso é porque o mestre se tornou a filosofia em carne e osso, uma ideia materializada. (p. 208)

 

O caminho da perfeição é longo. Entretanto, não vem sem um bom mestre. Não vem sem repetição. E não vem sem o amadurecimento correto do aprendiz. De dentro para fora. Pressa demais, ego demais podem obstruir toda o processo de aprendizagem.

E ainda, conforme Allan Kardec destaca as palavras ditas pelo Sr. Chavée, no Instituto Livre do Boulevard des Capucines e registradas na Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos de Junho de 1868: “O homem tem uma existência indefinida, e o progresso da alma é indefinido. Seja qual for a soma de suas luzes, ela tem sempre a aprender, porque tem o infinito à sua frente e, embora não possa atingi-lo, seu objetivo será sempre dele aproximar-se cada vez mais.”

Sejamos, portanto, como discípulos de Cristo, aqueles que buscam viver e repetir as lições do cordeiro de Deus. Não sejamos rebeldes nem querer flexibilizar as leis para os nossos caprichos. De evitarmos os caminhos do ego e as tentações de querermos pular as fases, querendo ser quem ainda não somos. E principalmente, de adotarmos a postura e o comportamento que vá ao encontro da seguinte recomendação: “Quando alguém o convidar para um banquete de casamento, não ocupe o lugar de honra, pois pode ser que tenha sido convidado alguém de maior honra do que você [...] Pois todo o que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado” (Lucas 14:8-11).

Tenhamos a consciência de que ainda engatinhamos no processo da evolução espiritual e que ainda há muitos trabalhos a serem feitos, bem como a necessidade de estarmos sempre alinhados com os bons espíritos e os amigos de Cristo.


 

[1] Gallwey, Timothy. O jogo interior de tênis. Bauru: Edipro, 2022.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita