Joguei a toalha
Esta expressão vem do boxe, um esporte violento, e
significa que o treinador do boxeador agiu para encerrar
a luta diante do massacre que seu pupilo está sofrendo
no ringue. Ao jogar a toalha o treinador interrompe a
luta e dá ao oponente a vitória.
Hoje tomei a decisão e no ringue, da prática mediúnica
espírita, joguei a toalha!
Certamente que meus oponentes nem sabem que somos
adversários. Até o meu próximo, aquele a quem Jesus de
Nazaré nos indicava a ação de amor e está a um braço de
distância, não sabe que é um antagonista meu.
Logo, vale a pena esmiuçar o tablado onde o embate
filosófico e prático se deu e situar o leitor no
contexto problemático a que me refiro. Vamos
contextualizar a situação:
Nasci em família católica. Tive a obrigação idêntica a
todos os meus primos de estudar o catecismo e realizar a
primeira comunhão aos sete anos de idade, na pequena
Paracambi-RJ. Estamos falando dos Anos Dourados, o
intervalo das Décadas de 1950 e 1960.
Ao mesmo tempo que ocorria o catecismo eu tinha
manifestações mediúnicas que incomodavam meus pais e
eles reagiram com o chinelo. Até que uma tia de meu pai,
umbandista, segurou a mão dele e perguntou: - posso
levar o Ruy a um caboclo em Nova Iguaçu? Meu velho
concordou e lá fomos nós para um terreiro do Caboclo
Cobra Coral. Lá, diante do seu congá, a entidade disse à
tia Cândida que eram sim espíritos que estavam se
comunicando por meio de mim. E que devido a minha tenra
idade era melhor eu ser levado a um centro de mesa
branca, mas que ele faria um trabalho para bloquear
temporariamente os meus dons mediúnicos. Sou grato ao
Cobra Coral.
Meus pais, diante da solução preferiram seguir dois
caminhos: o psiquiatra e o centro espírita. Para minha
sorte na hora da consulta o médico foi atender a uma
emergência e o irmão dele, um cardiologista, me atendeu.
Sem perguntar nada, sem me examinar, sentado do outro
lado da mesa, com as mãos diante de seus olhos o doutor
diagnosticou: nada de doença mental, é mediunidade.
Afastando a intervenção científica, fui levado ao Centro
Espírita Pioneiros da Verdade, em Nova Iguaçu-RJ, onde
fui atendido pelo senhor Eugênio Beauvallet, que de
imediato me incluiu nos trabalhos práticos mediúnicos
semanais. Terminava a Década de 1950.
Ali comecei a estudar o Espiritismo por meio das obras
de Allan Kardec. Nenhuma outra era usada naquela casa,
naquela época. Exaustivamente os 15 livros da Doutrina
dos Espíritos foram lidos, debatidos e muitas vezes fui
sabatinado pelo Sr. Eugênio e sua altiva irmã. Os anos
se passaram e minha família foi morar em Nova Iguaçu e
eu matriculado no Colégio Leopoldo Machado. Os diretores
eram o Professor Newton Gonçalves de Barros e sua esposa
Áurea, irmã de Leopoldo.
Pelas mãos do professor Newton, fui levado ao Grupo
Espírita Fraternidade Irmã Sheila, na rua Francisco
Barone, e lá tomei contato com trabalhos mediúnicos de
efeito físico, como a cura instantânea, a materialização
luminosa, o transporte de objeto e o desdobramento (algo
que me acompanhou até 2009), além de outras formas de
comunicação com os espíritos. Esmiuçávamos O Livro
dos Médiuns de cabo a rabo. E assim terminava minha
formação filosófica e prática no Espiritismo e, também,
a Década de 1960.
O fim de minha adolescência foi com o casamento precoce
e todas os encargos que dele advém. A faculdade
mediúnica foi para o final da fila de prioridades. Até
que no ano de 1978 a mediunidade me chamou de volta, de
forma traumática. Já sargento do Exército, em Macaé,
bati sem querer, mas desesperado, nas portas do Grupo
Espírita Pedro, onde fui acolhido, tratado e isso me
permitiu a volta às lides do Espiritismo. Tomei contato
com o legado de Peixotinho e experimentei novamente o
Espiritismo como Ciência especializada e o amor ao
próximo na prática.
Sempre fui um leitor voraz. Filosofia Clássica,
Matemática, Física, Biologia e Literatura sempre foram
meus temas prediletos. Mas, além da obra de Allan Kardec
pouco havia lido até aquele momento no que diz respeito
à Doutrina Espírita. E foi no Irmão Pedro que comecei a
ler romances como Paulo Estevão e afins. Sempre tive o
devido respeito pela licença poética do romancista
espiritual e de igual forma tentei separar das
narrativas da ficção cerno do romance, dos princípios
espíritas, me entretendo com a leitura e coletando dela
o ensino moral que tais livros me ofereciam.
Em 2009 infartei e passei 17 longos dias na UTI do
Hospital Universitário de Cuiabá, onde até morri e fui
ressuscitado pelas mãos competentes da turma de
Hemodinâmica da Universidade. Ali, na solidão do leito
recebi a visita de um velho amigo espiritual que me
trouxe uma notícia – suspensão da mediunidade por tempo
indeterminado – e uma bela despedida por havermos
concluídos nossa missão, juntos.
De lá para cá a mediunidade se foi. A vidência, o
desdobramento, a psicografia e a psicofonia se foram e
ainda não voltaram. Estou aguardando a volta delas ou de
outra prática mediúnica. Ocorre que isso impactou em
minha vida de forma brutal. Sem ver os espíritos comecei
a temer a comunicação mediúnica e a produção de efeitos
físicos, como a cura, diante da possibilidade de fraude,
do animismo, da enganação pela obsessão, pois não
possuía mais a certeza de haver na comunicação, por meio
de outro médium, a seriedade tão importante nas lides
espíritas. Eu não via mais o espírito comunicante ou em
ação física!
As mensagens recebidas ao meu lado, não me garantiam que
havia sido um espírito sério ou um brincalhão. Isso me
consumiu fortemente, pois a racionalidade vem antes de
tudo em minha forma de pensar e agir. Sem poder ter a
certeza que estava diante do espírito evocado ou
espontaneamente comunicante na sessão mediúnica, sem o
ver para saber que quem dizia era realmente quem ali
estava, criou em minha pessoa a desconfiança plausível.
Isso me afastou das casas espíritas, pois não sou do
tipo igrejeiro da fé cega – místico – afinal, como
cientista crer sem provar pela razão é heresia.
Ao mesmo tempo que estavam suspensas minhas formas de
mediunidade, a minha cabeça, a forma de pensar e reagir
não se alteraram. Até escrevi um livro filosofando sobre
o cotidiano atual no meio espírita. Porém, tal fato tem
me colocado diante de uma realidade que não me apetece.
Sem querer ofender ninguém, vejo o Espiritismo como uma
completa Filosofia Espiritualista, capaz de perpassar
todas as religiões, sem se tornar uma. A vejo também
como um novel ramo da Ciência, onde os métodos da velha
ciência não dão conta de alcançar resultados
satisfatórios, o que implica em desbravar fronteiras
científicas que só a prática mediúnica é capaz de
avançar. Isso sumiu nos templos de pedra que os centros
espíritas se tornaram, ao meu ver.
Vendo assim o Espiritismo, ao mesmo tempo sem os dons
que possuía, me sinto incapaz de professar (no sentido
do ensino-aprendizagem) e de combater aquilo que em
minha ótica faz mal ao Espiritismo. Quais sejam: aceitar
o materialismo como de pacífica convivência com a
Doutrina, a mistificação, a mitificação e o cunho
religioso dogmático que em seu seio cresce a olhos
vistos. É santificação de pessoas, ritos, lugares
sagrados, novas formas de atuação dos vendilhões do
templo, muitas vezes digitais, turismo religioso,
infindáveis estudos sem a contrapartida prática e o
desapego aos ensinos de Jesus de Nazaré e suas máximas
morais que deveriam transformar o indivíduo, no varejo e
não na massificação, no atacado.
Perdi! Me recuso a brigar, a atrapalhar os cultos
religiosos que se estabeleceu nas casas espíritas. Sou
soldado e não quero a guerra. Mas, como sempre fui
professor, me recuso a debater sobre o óbvio, sobre
princípios que embasam a Doutrina dos Espíritos. Se meu
interlocutor não os conhece, então nada há para ser
debatido.
Deixo para a próxima leva de espíritas a tarefa de
colocar o Espiritismo em seu lugar de destaque e de
ação. Não me permito participar dessa religião
brasileira. Como sei que errar é parte do caminhar em
direção à sabedoria, deixo o tempo julgar se tal atitude
é certa ou errada. Vou escrever em primeira pessoa,
deixando o pensamento livre, calçado nas obras de
Kardec, e quem sabe, por tal meio de comunicação
encontre por aí outras pessoas com a mesma atitude e
juntos arregaçaremos às mangas para agir nos moldes do
Codificador, com a devida atualização que o tempo exige.
Enfim, joguei a toalha.
Ruy Ferreira, professor e administrador de sistemas de
informação, reside em Maceió, Alagoas.