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A
caridade do silêncio
Um dos mais importantes
temas tratados pela
doutrina espírita é o da
caridade. Para se ter
uma ideia da sua
relevância, só na
basilar obra O
Evangelho Segundo o
Espiritismo, de
autoria de Allan Kardec,
observamos 294 menções a
respeito proferidas por
várias entidades
espirituais e o próprio
Codificador. Por
exemplo, no capítulo IX,
intitulado “Bem-aventurados
os que são brandos e
pacíficos”,
encontramos a elucidação
de que “...depois da
humildade para com Deus,
a caridade para com o
próximo é a lei primeira
de todo cristão”. Com
efeito, na obra citada a
questão da caridade é
desnudada à medida que
as suas nuances são
amplamente discutidas.
Definitivamente, o
indivíduo infenso aos
deveres (que não são
poucos, diga-se)
atrelados à virtude da
caridade não pode ser
considerado um autêntico
cristão. Aliás, cumpre
destacar que a prática
da caridade cria uma
forte ligação entre nós
e os nossos semelhantes,
assim como com Deus. O
Espírito Pascal afirma,
também na obra acima
citada, que “sem a
caridade [amor] não
haverá descanso para a
sociedade humana. Digo
mais: não haverá
segurança”. De fato,
muitos dos males que
afligem o nosso mundo
decorrem inegavelmente
da falta de caridade.
Basta apenas assistirmos
alguns minutos do
noticiário diário –
usando essa lente moral
- para percebemos o quão
frágil ainda é a sua
assimilação pela
humanidade.
Por isso, o apóstolo
Paulo foi muito feliz ao
recomendar-nos: “Todas
as vossas coisas sejam
feitas com caridade” (I
Coríntios, 16:14). Paulo
efetivamente percebeu o
valor desse instrumento
para a eliminação das
misérias humanas
(materiais e morais).
Neste ponto vale também
enfatizar que a caridade
vai muito além da
prosaica doação de
objetos ou haveres
monetários à mitigação
da fome e demais
necessidades materiais
das pessoas sob grave
regime de provações.
Posto isto, o Espírito
Irmã Rosália acrescenta
que a caridade moral
implica em igualmente
suportamos uns aos
outros. Com efeito,
vivendo num mundo
moralmente atrasado como
a Terra somos desafiados
a conviver com um grande
número de criaturas
ignorantes e
mal-intencionadas. Seja,
pois, suportando
provocações, aleivosias,
maldades, frieza, entre
outras coisas, somos
instados quase que
diariamente a exercitar
essa santa virtude.
Por sua vez, o Espírito
Protetor acrescenta que
também podemos
exercitá-la ao lidarmos
com as vicissitudes
diuturnas, assim como as
diversidades dos gostos,
pendores e necessidades
das criaturas humanas,
que sempre constituem um
capítulo à parte em
nossas jornadas de
vida. Afinal, conviver
com os outros – às
vezes, tão diferentes de
nós e que nos testam a
paciência, compreensão e
benevolência - exige
extraordinária
capacidade caritativa.
Explicitando outras
relevantes
possibilidades inerentes
à sua prática efetiva, o
Espírito Emmanuel, no
livro Pão Nosso (psicografia
de Francisco Cândido
Xavier), esclarece que
elas abrangem a nossa
fala, bem como as nossas
capacidades de ouvir,
impedir, favorecer,
esquecer e recordar.
Todavia, há uma outra
potencial aplicação da
caridade ainda pouco
explorada. Ou seja,
concernente à
convivência com pessoas
dotadas de acentuada
imaturidade espiritual,
e que tendem a tornar as
nossas vidas mais
espinhosas do que
poderiam ser. Tais
pessoas são geralmente
deselegantes, agressivas
e profundamente
limitadas em sua
capacidade de enxergar
as coisas e fatos.
Entretanto, não abdicam
de se expressar – tão em
moda, a propósito, nos
tempos modernos de
exagerada conexão por
redes sociais – as suas
opiniões pouco ou nada
embasadas e visões
distorcidas.
Por conta disso, somos
intensamente desafiados
ao exercício da caridade
do silêncio, pois,
convenhamos, não nos
agrada tudo o que vemos,
ouvimos ou lemos. Assim
sendo, é sempre
desejável evitar de
retrucar às provocações
fortuitas e descabidas
ou comentários infelizes
que partem de todos os
lados. Afinal, vivemos
presentemente, cumpre
lembrar, a chamada era
da pós-verdade na qual a
opinião de cada um tem
mais poder e ressonância
do que a verdade dos
fatos propriamente dita.
Desse modo, muita
paciência e caridade nos
são exigidos para lidar
com seres humanos que,
essencialmente, pensam
diferente de nós. Há
muitos com os quais não
se consegue travar um
debate equilibrado e
cordial, assim como
outros que usam sem
pudor de meios obscuros
(fake news) para
impor a sua “verdade”.
Para estes, de modo
geral, não há empecilhos
de qualquer espécie que
os impeçam de se
manifestar – tenham
razão ou não. Não raro,
tais indivíduos usam a
palavra como instrumento
de agressão e o empregam
em profusão. Como a
ignorância grassa por
toda parte, certas
pessoas sentem, em
decorrência disso,
desenfreada compulsão
para expressar
publicamente o que o
pensam, sem mesmo o
indispensável alicerce
do bom e saudável
pensamento, e muito
menos preocupação com o
efeito das suas
palavras.
Seja como for, diante
dos erros e falhas
alheias, o emprego da
caridade do silêncio
pode servir, a fim de
preservar tais
indivíduos da crítica
acerba e destrutiva,
como um refrigério
estimulando-os a trilhar
com mais determinação o
caminho do autorreparo. Deve-se
compreender, enfim, que
a caridade ajuda a
erguer, jamais destruir,
e nem Jesus, que foi
todo amor e bondade,
conseguiu agradar a
todos. Lembro deste
aspecto porque nós,
humildes operários das
palavras, também estamos
sujeitos a errar ou
desagradar nossos
leitores, mesmo quando
imbuídos estamos das
melhores intenções. Se
esse for o caso,
utilize, por favor, a
caridade do silêncio
para conosco. Garanto
que mal nenhum lhes fará
tal exercício.
Por fim, fica a questão
para todos nós
respondermos na
intimidade das nossas
cogitações interiores:
consigo praticar a caridade
do silêncio quando
algo me desagrada, ou
retruco com firmeza e
belicosidade toda e
qualquer provocação,
mentira ou impropério
que eventualmente me
dirijam? Consigo
calar-me diante da
ignorância reinante ou a
condeno veementemente em
todas as oportunidades?
Pensemos a respeito.
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