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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Cura de verdade, só no final


Recordo-me de uma paciente que, durante muitos anos, visitou-me regularmente no consultório, saindo sempre com uma receitinha.

Certo dia, ela, com seus 85 anos, voltou-se e disse:

– Dr. Ricardo, venho aqui há mais de vinte anos, e até hoje o senhor não me curou!

É própria da natureza humana a expectativa por saúde, prosperidade e ventura. Justo, portanto, que todos nos empenhemos no encontro do bem-estar físico e mental, valendo-nos de todos os recursos tecnológicos disponíveis, desde que éticos. Jesus aludiu a isso ao falar em vida em abundância.

Assim, diante de um desarranjo orgânico, falamos na cura, buscamos a cura, desejamos ansiosamente a cura.

Mas será isso possível na fase evolutiva em que nos encontramos?

A experiência mostra que não! Grande parte das enfermidades são crônicas, e o tratamento apenas alivia os sintomas ou controla seu agravamento. Mesmo as enfermidades agudas, que podem ser debeladas, seguem-se, quase sempre, de outras, de forma que estamos, habitualmente, às voltas com contratempos na saúde.

Os motivos são claros. A Terra, na definição de Allan Kardec, é um mundo de provas e expiações. Nesses mundos, estamos expostos a uma gama enorme de fatores propiciadores de enfermidades: a ignorância, a maldade, as intempéries do meio ambiente, as imperfeições do corpo, uma alimentação inadequada, atitudes mentais doentias e muitos outros.

Embora uma saúde completa não seja, por ora, possível, podemos, ao menos, tentar, com uma certa dose de esforço, cuidado e temperança, vivenciarmos uma saúde relativa. Viver em harmonia a fase evolutiva em que nos encontramos é o caminho para um bem-estar possível.

E, também, valendo-nos dos recursos médicos disponíveis que, muitas vezes, deverão ser utilizados de forma permanente, embora muitos relutem.

Nunca me esqueço de uma senhora de 92 anos que atendi no SUS. Terminada a consulta – tratava-se de uma artrose de joelhos – passei-lhe a receita e pedi que retornasse, caso fosse necessário.

Ela tomou a receita e, quando verificou que estava escrito uso contínuo, voltou-se para mim e disse:

– E o senhor acha que eu vou tomar isso aqui a minha vida toda!?

Não sei por que tanta importância algumas pessoas dão ao fato de necessitarem tomar remédios pela vida toda. Tantas coisas não são para a vida toda? Banho, escovar os dentes, cortar os cabelos, fazer a barba... são para a vida toda.

Por que recursos que prolongam a vida, aliviam as dores e aumentam nosso bem-estar não devem ser, também, para a vida toda?

Uma amiga fisioterapeuta me disse:

– Duro trabalhar com seus doentes. Todo o dia, quando pergunto se melhoraram, dizem que não.

Eu respondi:

– O problema está na sua pergunta. Não deu tempo para melhorar ainda. Diga apenas: bom dia, olá. Deixe para perguntar se está melhor apenas no final do tratamento.

Assim, também, conosco. Cura para valer, só no final. E esse final ainda está muito distante de nós.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita