Artigos

por Paulo da Silva Neto Sobrinho

 

Médiuns sensitivos: a quem se aplica essa designação? 


“O espírita esclarecido repele esse entusiasmo cego, observa com frieza e calma, e, assim, evita ser vítima de ilusões e mistificações.” (Allan Kardec)


Percebemos que existe uma certa dificuldade no entendimento do termo “sensitivo”, daí resolvemos realizar essa pesquisa visando criar a oportunidade de sua compreensão por todos nós.

A primeira obra que consultamos foi Tratado de Metapsíquica, publicada em 1922 ([1]) por Charles Richet (1850-1935), prêmio Nobel de Fisiologia em 1913, criador da Metapsíquica, cuja definição tomamos diretamente do site Guia – Heu:

Metapsíquica - (do gr. meta – além + psikê – alma + suf.). Ciência estabelecida e estruturada por Charles Richet, destinada a estudar os fenômenos que transcendiam à Psicologia e que fugiam ao domínio físico da ciência dita materialista. Sobre este assunto, seu autor escreveu um tratado que, até a 15ª edição sofreu várias modificações. Inicialmente, de cunho materialista, admitia que todo fenômeno procedia do poder psíquico do seu sujet, ou seja, daquele que tinha essa capacidade. Assim, classificou os fenômenos ditos metapsíquicos em dois grupos:

Ø      Os objetivos, onde a ação se fazia sentir sobre objetos, como levitação, transportes, etc.,

Ø      e subjetivos, os que não atuavam nos ditos objetos, como telepatia, desprendimento e outros.

Posteriormente, estudando os fenômenos ditos espiríticos, reformulou seu ponto de vista e passou a admitir os mediúnicos, preocupando-se sobremodo com os ectoplásmicos. Numa conferência de despedida da cátedra da Universidade de Sorbone, ele se declarou simpatizante da doutrina espírita, o que foi o suficiente para que seus seguidores laicos abominassem seu trabalho e, sob influência da escola metapsiquista alemã, propusessem a substituição da Metapsíquica, para eles comprometida com uma doutrina religiosa, pela Parapsicologia. ([2])

Vejamos o que em “Antelóquio”, do Tratado de Metapsíquica – Tomo I, Richet disse:

Pode-se, em três palavras, resumir os três fenômenos fundamentais que constituem essa nova ciência:

1º – A criptestesia (a lucidez dos autores antigos), ou seja, a faculdade de conhecimento diferente das faculdades sensoriais normais de conhecimento.

2º – A telecinesia, ou seja, uma ação mecânica diferente das forças mecânicas conhecidas, a qual, em determinadas condições, tem, à distância, atuação sem contato sobre objetos ou pessoas.

3º – A ectoplasmia (a materialização dos autores antigos), ou seja, a formação de objetos diversos, os quais, as mais das vezes, parecem saírem do corpo humano e tomam a aparência de uma realidade natural (vestuário, véus, corpos vivos). ([3])

A Metapsíquica transformou-se na Parapsicologia e com isso passou a ter uma abrangência maior, conforme entendemos do artigo “Fenômenos Mediúnicos, Metapsíquicos e Parapsicológicos” de Marta Antunes Moura, publicado no site da Associação Espírita Allan Kardec:

A Parapsicologia é também conhecida como Pesquisa Psi. A Parapsicologia (do grego para = além de + psique = alma, espírito, mente, essência + logos = estudo, ciência), significa, literalmente, o estudo do que está além da psique, viabilizado por indivíduos popularmente conhecidos como “sensitivos” ou “psíquicos”. ([4])

Aqui já podemos ver retratada a preponderância do uso do vocábulo sensitivo entre os parapsicólogos. Dessa forma, eles ficariam “livres” de qualquer ligação com temas religiosos ou espiritualistas, que se poderia fazer. Entretanto, um problema surgiu na Parapsicologia: é que, infiltrada de adeptos das religiões tradicionais, esses passaram a “defender” a teologia deles, demonizando o que estivesse fora do conceito que advogavam.

Do Tratado de Metapsíquica – Tomo I, na parte intitulada “Da metapsíquica subjetiva”, do cap. I – Metapsíquica em Geral, do tópico § 4º – Os médiuns, destacamos os seguintes trechos:

A palavra médium, execrável sob todos os títulos, está consagrada pelo uso. Não é mais possível bani-la. (2) Significam intermediários entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos.

______

(2) – Deve-se empregar esta palavra no feminino? Parece-nos que se poderá dizer a médium.

O poder dos médiuns se exprime pelo termo, aliás muito mau também, de poder medianímico. A faculdade de ser médium é a medianimidade ou a mediunidade. Que lástima não podermos substituir esse odioso patoá! ([5])

O que nos surpreendeu foi comprovar que Charles Richet nutria forte ojeriza à palavra médium, provavelmente por ela ter relação direta com a comunicação com os mortos. Continuando:

A ciência é uma língua bem-feita, disse um filósofo. Não devemos pois dar o mesmo nome de médium a indivíduos assim tão diferentes, como, por exemplo, Eusapia e a Senhora Piper. Podemos chamar médiuns aos indivíduos que produzem efeitos físicos; sensitivos, aos indivíduos capazes de produzirem os fenômenos criptestésicos, que eles atribuem a uma força estranha; autômatos, aos indivíduos que, sem criptestesia, parece apresentarem, pela escrita automática, segundas personagens, criadas, sem dúvida, pela autossugestão, mas que parece serem espontâneas.

Como toda classificação, esta aqui é também arbitrária. Os sensitivos são sempre autômatos, enquanto os autômatos raramente são sensitivos. Poderia citar centenas de casos de escrita automática, os quais não são senão fantasias mediocremente interessantes do inconsciente desprendido, sem lucidez, sem criptestesia, sem nada que valha a pena de ser notado, a não ser o extraordinário poder do inconsciente. ([6])

Richet restringe o termo médium para os indivíduos que possuem a capacidade mediúnica de produzir os fenômenos designados de “efeitos físicos”, nos quais o ectoplasma é a fonte produtora, deixando os relacionados a “efeitos intelectuais” ao vocábulo sensitivo.

Detectamos que, na Codificação Espírita, a 1ª vez que o termo “sensitivo” aparece é em O Livro dos Médiuns, 2ª parte, cap. V – Manifestações físicas espontâneas. No primeiro parágrafo da mensagem de Erasto, constante do item 98, lemos:

É indispensável, para obter fenômenos dessa ordem, dispor de médiuns que chamarei de sensitivos, ou seja, dotados no mais alto grau de faculdades medianímicas de expansão e de penetrabilidade. Porque o sistema nervoso desses médiuns, facilmente excitável, por meio de certas vibrações, projeta profusamente ao seu redor o fluido animalizado. ([7])

Os fenômenos, aos quais Erasto se refere, são os de transporte e as manifestações físicas, ambos classificados como de efeitos físicos. Então, para ele, Erasto, aqueles indivíduos que os produzem seriam os “sensitivos”, enquanto para Richet seriam os médiuns.

O fluido animalizado, mencionado por Erasto, foi designado por Richet de ectoplasma, termo que prevaleceu no movimento espírita mundial.

Do cap. XIV – Os médiuns, item 159, de O Livro dos Médiuns, destacamos o seguinte parágrafo:

Deve-se notar, ainda, que essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira. Os médiuns têm, geralmente, aptidão especial para esta ou aquela ordem de fenômenos, o que os divide em tantas variedades quantas são as espécies de manifestações. As principais são: médiuns de efeitos físicos, médiuns sensitivos ou impressionáveis, auditivos, falantes, videntes, sonâmbulos, curadores, pneumatógrafos, escreventes ou psicógrafos. ([8])

Entre os vários tipos de médiuns aqui listados, encontramos os “sensitivos ou impressionáveis”, sobre os quais, em O Livro dos Médiuns, cap. XVI – Os médiuns, tópico “2. Médiuns sensitivos ou impressionáveis”, o Codificador explicou:

164. São assim designadas as pessoas capazes de sentir a presença dos Espíritos por uma vaga impressão, uma espécie de arrepio geral que elas mesmas não sabem o que seja. Esta variedade não apresenta caráter bem definido. Todos os médiuns são necessariamente impressionáveis, de maneira que a impressionabilidade é antes uma qualidade geral do que especial: é a faculdade rudimentar indispensável ao desenvolvimento de todas as outras. Difere da impressionabilidade puramente física e nervosa, com a qual não se deve confundi-la, pois há pessoas que são necessariamente sensíveis e sentem mais ou menos a presença dos Espíritos, ao passo que outras muito suscetíveis absolutamente não os percebem.

Essa faculdade se desenvolve com o hábito e pode atingir uma tal sutileza que a pessoa dotada reconhece, pela sensação recebida, não só a natureza boa ou má do Espírito que se aproximou, mas também a sua individualidade, como o cego reconhece, por um certo não sei que, a aproximação desta ou daquela pessoa. Ela se torna, em relação aos Espíritos, um verdadeiro sensitivo. Um bom Espírito produz sempre uma impressão suave e agradável; a de um mau Espírito, pelo contrário é penosa, angustiante e desagradável; tem como que um cheiro de impureza. ([9])

Notamos que na explicação para “sensitivo” não foi mantida a anterior, que nos pareceu totalmente ignorada.

Um pouco mais à frente, em O Livro dos Médiuns, cap. XVI – Médiuns especiais, tópico “Quadro sinótico”, nos itens 187 e 188, lemos:

187. Podem-se dividir os médiuns em duas grandes categorias:

Médiuns de efeitos físicos – Os que têm o poder de provocar os efeitos materiais ou as manifestações ostensivas. (Ver n° 160)

Médiuns de efeitos intelectuais – Os que são mais especialmente aptos a receber e a transmitir as comunicações inteligentes. (Ver n° 65 e seguintes) (2)

Todas as demais variedades se ligam mais ou menos diretamente a uma ou a outra dessas duas categorias, e algumas participam de ambas. Analisando os diversos fenômenos produzidos sob influência mediúnica vê-se que há em todos um efeito físico, e que aos efeitos físicos se junta quase sempre um efeito inteligente.

É às vezes difícil estabelecer o limite entre ambos, mas isso não acarreta nenhuma dificuldade. Incluímos na classificação de médiuns de efeitos intelectuais os que podem mais especialmente servir de instrumentos para comunicações regulares e contínuas. (Ver n° 133)

_______

(2) Essa classificação mediúnica foi duplamente confirmada pela pesquisa científica. Primeiro, pela Metapsíquica, que dividiu os fenômenos em objetivos e subjetivos. Depois, pela atual Parapsicologia, que criou as classificações psigama e psikapa, designando a primeira os fenômenos intelectuais ou subjetivos, e a segunda os fenômenos objetivos ou materiais. Ambas as ciências reconheceram também as duas categorias de sensitivos (médiuns), com as diversas variedades ou classes constantes deste livro (N. do T.) ([10])

A transcrição do item 187 tem como principal objetivo ressaltar a nota do tradutor, no caso o jornalista José Herculano Pires (1914-1979), que apresenta a visão da Parapsicologia sobre os dois tipos de médiuns.

188. Variedades comuns a todos os gêneros de mediunidade:

Médiuns sensitivos – Pessoas suscetíveis de sentir a presença dos Espíritos por uma sensação geral ou local, vaga ou material. Na sua maioria distinguem os Espíritos bons ou maus pela natureza da sensação que causam. (Ver n° 164)

Os médiuns delicados e demasiado sensíveis devem abster-se de comunicações com Espíritos violentos ou cuja sensação é penosa, por causa da fadiga resultante. ([11])

Completam a lista de gêneros de mediunidade: os médiuns naturais ou inconscientes, os médiuns facultativos ou voluntários.

Nesse item, a definição de médiuns sensitivos é a mesma do item 164, essa é a razão pela qual julgamos ser ela a que deve prevalecer.

Do cap. XIX – Transes e incorporações da obra No Invisível (1903), autoria Léon Denis (1846-1927), transcrevemos o seguinte trecho:

[…] Em nosso grupo contavam-se por dezenas os Espíritos que se comunicavam. Em cada sessão, tínhamos de seis a oito, dos quais dois ou três para cada médium. À medida que cada um deles se apresentava, mudava a fisionomia do sensitivo, a expressão das feições se modificava. Pela inflexão da voz, pela linguagem e atitude, a personalidade invisível se revelava, antes de ter dado o nome. Esses Espíritos não se manifestavam todos seguidamente. […]. ([12])

Pelo que pudemos entender, Léon Denis usa o vocábulo sensitivo para, genericamente, designar os médiuns.

Em Animismo ou Espiritismo? (1938), de Ernesto Bozzano (1862-1943), no cap. III – As comunicações mediúnicas entre vivos provam a realidade das comunicações mediúnicas com defuntos, vale a pena destacar:

Não esqueçamos que a denominação de “fenômenos mediúnicos” propriamente ditos designa um conjunto de manifestações supranormais, de ordem física e psíquica, que se produzem por meio de um “sensitivo” a quem é dado o nome de médium, por se revelar qual instrumento a serviço de uma vontade que não é a sua. Ora, essa vontade tanto pode ser a de um defunto, como a de um vivo. […]. ([13])

Mais um estudioso do Espiritismo que usa a palavra sensitivo para designar os médiuns.

Particularmente, preferimos ficar com a definição e a consequente especificação dada por Allan Kardec (1804-1869), deixando apenas para os parapsicólogos o uso de “sensitivo”.


Referência bibliográfica
:

BOZZANO, E. Animismo ou Espiritismo? Rio de Janeiro: FEB, 1987.

DENIS, L. No Invisível. Rio de Janeiro: FEB, 1987.

KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo: Lake, 2006.

RICHET, C. Tratado de Metapsíquica – Tomo I. São Paulo: Lake, 2008.

GUIA – HEU, Metapsíquica, disponível em: LINK-1. Acesso em: 10 nov. 2022.

INTERNET ARCHIVE (site), Richet, Charles Robert, Traité de métapsychique, disponível em LINK-2. Acesso em: 15 dez. 2022.

MOURA, M. A. Fenômenos Mediúnicos, Metapsíquicos e Parapsicológicos, disponível no site Associação Espírita Allan Kardec pelo link: LINK-3. Acesso em: 10 nov. 2022.


 


[1]   INTERNET ARCHIVE (site), Richet, Charles Robert, Traité de métapsychique, disponível em LINK-2.

[2]   GUIA – HEU, Metapsíquica, disponível em: LINK-1.

[3]   RICHET, Tratado de Metapsíquica, p. 11-12.

[4]   MOURA, Fenômenos Mediúnicos, Metapsíquicos e Parapsicológicos, disponível no site Associação Espírita Allan Kardec pelo link: LINK-3.

[5]   RICHET, Tratado de Metapsíquica, p. 67.

[6]   RICHET, Tratado de Metapsíquica, p. 74.

[7]   KARDEC, O Livro dos Médiuns, p. 139.

[8]   KARDEC, O Livro dos Médiuns, p. 139.

[9]   KARDEC, O Livro dos Médiuns, p. 143.

[10] KARDEC, O Livro dos Médiuns, p. 159.

[11] KARDEC, O Livro dos Médiuns, p. 159.

[12] DENIS, No Invisível, p. 269.

[13] BOZZANO, Animismo ou Espiritismo?, p. 51.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita