Cinco-marias

por Eugênia Pickina

 

Por amor à criança


Se a gente pudesse escolher a infância

que teria vivido, com enternecimento eu não

recordaria agora aquele velho tio de perna de pau,

que nunca existiu na família, e aquele arroio que

nunca passou aos fundos do quintal,

e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão,

sob o zumbido inquietante dos besouros. Mario Quintana


É muito triste ver criança sem tempo para brincar. Pais tomados por pensamentos sérios a respeito do futuro da criança: se vai ser médico, engenheiro, arquiteto. Claro que isso não é saudável, mas em uma sociedade (cada vez mais) dominada pelo desempenho, definida pelo medo do fracasso, facilmente os adultos ficam contra a criança.

Foi o que aconteceu com o Eduardo. O menino tem oito anos, mas é obrigado a atuar no cotidiano como se fosse gente grande. Obedece a uma agenda maluca e dificilmente tem tempo para brincar com a meninada.

Período bom para não fazer nada, sexta-feira à tarde, Eduardo está no curso de inglês e, na sequência, tem robótica na escola e, no fim do dia, treino de futebol no clube.

Nunca se sabe com clareza, mas a escola começou a dizer há uns três meses que o menino anda desatento, desinteressado dos estudos. Reuniram uma “equipe” para convencer a mãe do menino  de que ele precisa de remédio. Felizmente uma tia enfermeira interferiu dizendo que isso não fazia o menor sentido, melhor mudá-lo de escola e dar-lhe bastante tempo livre para ele crescer em paz.

Particularmente, gosto muito daquela explicação do Rubem Alves exposta em um dos seus livros: “Desatenção na criança não quer dizer que ela tenha dificuldades de aprendizagem. Quer dizer que há alguma coisa errada com a escola, e que a criança ainda não se dobrou, recusando-se a ser domesticada…”

Na infância, tenho pavor dessas escolas de ensino rigoroso, de planos de preparo para o vestibular. Escolas imensas, acabam convencendo os pais e, impiedosas, cobrando caro, torturam os filhos em nome daquilo que eles poderão ser um dia. No entanto, e o bem-estar da criança?

Quanto a mim, considero que a infância, que não se repetirá nunca mais, tem compromisso com o tempo ocioso para o brincar livre, principalmente.

Maria Montessori já disse que “nenhuma descrição, nenhuma imagem de nenhum livro podem substituir a vista real das árvores em um bosque com toda a vida que acontece em volta delas”. E é ali, no bosque, na pracinha, no pátio do condomínio, no quintal de casa,  que a criança precisa passar grande parte do tempo dela… imaginando, explorando, brincando… e para perceber a vida como brinquedo, sendo repetidamente estimulada a rir e a crescer feliz.

Para o filho, a família precisa encarar a infância em sua plenitude, com direitos de brincar garantidos, sem negligenciar, é óbvio, segurança, respeito e afeto. A  escola, por sua vez, só tem sentido quando respeita quem brinca. Por amor à criança. Pois há tempo para tudo.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita