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por Rogério Miguez

 

Divino libertador


“É para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão.” — Paulo (Gálatas, 5:1)


Os Espíritos são criados simples e ignorantes, sem tendências, desprovidos de qualquer inclinação, seja para o bem, seja para o mal. Evoluindo através de incontáveis existências, alcançam a pureza espiritual, tal qual Jesus o fez, conquistando a plena liberdade. Senhores de si mesmos, não se aprisionam mais aos costumeiros desvios de comportamento, caso tenham se deixado apanhar por indesejadas condutas - os vícios -, ou distorcidas características de personalidade - as paixões.

Quando o Cristo apareceu na Terra, padecíamos algemados à servidão, fruto de nossas incipientes percepções da realidade, contudo, através de seus ensinos e, principalmente, pelos seus inesquecíveis exemplos, embora há dois mil anos, indicou o caminho a trilhar para a conquista da nossa tão desejada liberdade, isto porque:

 

·  Ele não se preocupou em ocupar as transitórias posições vinculadas ao poder temporal, desta forma, não se aprisionou às ilusões tão presentes na vida daqueles que governam e, muitos, que só pensam em guerrear. E mais, afirmou que o seu reino não pertencia a este mundo, ou seja, indicou não ter qualquer interesse em desfrutar as gloríolas da Terra. As questões políticas, de igual modo, não lhe interessavam, pois, geralmente, elas mantêm o indivíduo aferrado a posições extremadas e distanciadas do bom senso e da caridade, fomentando antagonismos e discórdias entre partidos e seitas.

·  Ele não se prendeu a questões de raças e diversidades culturais, porquanto, a todos abraçou como irmãos e, despertando o íntimo de um de seus especiais seguidores - Paulo de Tarso -, inspirou-o a disseminar a sua imortal mensagem a todos os povos pagãos e idólatras, sem nenhuma distinção. Curiosamente, muitos escravos de fato, que existiam aos milhares àquela época, ouviram a sua libertadora mensagem e, mesmo ainda presos a infames grilhões de ferro, conquistaram a liberdade de consciência.

·  Ele não usou a sua superior autoridade moral para condenar as muitas faltas alheias, ao contrário, sempre perdoou os envolvidos quando se lhe apresentavam os cotidianos escândalos, ou seja, a multidão dos nossos pecados. Incentivou-nos igualmente a perdoar, uma vez que, agindo assim, não nos tornaríamos cativos de futuras e contundentes expiações. Uma das modalidades de resgate surge, regularmente, para todos aqueles que se conduzem como juízes cruéis, esquecidos da compreensão, benevolência, indulgência e da misericórdia, vingando-se, e não educando os transgressores das leis. Estas nobres virtudes devem ser sempre exercitadas quando se consideram Espíritos infratores da vontade do Pai.

·  Ele não viveu preso aos bens materiais. Quando aqui chegou não nasceu em um berço dourado. Não possuiu nenhuma propriedade, tampouco animais de criação, e mais, mal tinha uma pedra para recostar a cabeça. Suas vestes eram simples e sem adornos. Os calçados, rústicos e modestos. Nunca carregou um alforje recheado com moedas. Com este padrão de conduta, sinalizou como, de igual modo, deveríamos nos conduzir para não nos deixarmos cativar pelas fantasias da moda, pela posse da prata e do ouro e pelos costumes frívolos tão frequentes em nossas sociedades.

·  Ele não se formou nas melhores escolas do mundo de então. Fez-se humilde carpinteiro, instruído pelo zelo paterno. Após trabalhar durante a infância e a juventude junto ao ofício aprendido, quando na fase adulta, inicia a sua missão livre de quaisquer obrigações e deveres normalmente impostos no desempenho de uma profissão de destaque dentro do organismo social.

·  Ele não se deixou acorrentar pelos prazeres e desejos da alimentação abundante e requintada. Sua dieta sempre foi simples e moderada. Seu modesto padrão de vida é um alerta aos que vivem condicionados a ingerir alimentos de que, muitas vezes, não necessitam e em quantidades exageradas, escravizando-se aos sabores e aromas das iguarias e bebidas sofisticadas.

·  Ele usou o seu corpo físico - a nossa ferramenta de trabalho - para ajudá-lo no desempenho de sua inigualável missão, e não para fruir prazeres variados, como fazem muitos desvairados prisioneiros das sensações materiais desequilibradas.

·  Ele não se encarcerou à vaidade e ao orgulho, mesmo considerando seus profundos conhecimentos sobre as leis eternas e a sua intimidade com o Criador, sempre submetendo-se à vontade Dele. Sua vida simples é farol para os enlouquecidos pela indústria da beleza, se deixando apanhar facilmente pela soberba e a ostentação, pelos caprichos personalíssimos. Inspira também àqueles contestadores contumazes, para quem nada é satisfatório, a serem mais condescendentes e pacíficos diante dos muitos contratempos do mundo.

·  Ele não se enciumou de nada e de ninguém. Entendia perfeitamente a transitoriedade das relações e dos objetos materiais, desta forma, não viveu prisioneiro do ciúme, esta erva daninha que sufoca e mata as rosas do amor verdadeiro.

·  Ele não se algemou ao egoísmo. Partilhou tudo que sabia com aquele povo sofrido e ignorante, dividindo também o escasso pão de cada dia. A sua posição diante das muitas necessidades e necessitados, ou seja, das aflições e dos aflitos, deveria nos influenciar a repartir os nossos poucos talentos com os mais infortunados do caminho, libertando-nos das atitudes individualistas e egocêntricas que tanto mal têm causado à Humanidade, e, principalmente, a nós mesmos.

·  Ele jamais se expressou de forma ríspida, violenta ou subversiva, sempre ensinando que é melhor se sujeitar, do que ofender. Agia sempre com humildade e simplicidade, não se deixando capturar pelo uso da lei do mais forte, se transformando, se assim agisse, em um revolucionário ou vulgar agitador. Respeitava as instituições, a ordem, as autoridades e as leis dos conquistadores romanos, ao ensinar que se devia dar a César o que era de César. Submisso, aceitou o injusto veredito da autoridade romana, representada pelo governador Pôncio Pilatos. Conformado, deixou-se crucificar, obediente como um cordeiro aos desígnios do Pai, exemplificando lealdade às sábias prerrogativas divinas.

·  Ele nada exigiu de seus amigos e seguidores, até porque conhecia a hesitação íntima e a vacilante fé que os caracterizava, deixando-os livres para agir conforme o entendimento particular de cada qual. Jamais esperou e pediu recompensas, gratidão ou simpatia pelos “milagres” realizados, condicionando o ensino de suas lições ao obrigatório aprendizado daqueles que o ouviam, e, muito menos, sequer cogitou de qualquer revide. Ao contrário, deixou-os decidir pelo uso do livre-arbítrio a forma como cada um desejava viver. Não se apresentou como santo e tampouco exigiu santidade dos que o seguiam. Livre, Judas Iscariotes o entregou por poucas moedas de prata aos seus ferozes inimigos do Sinédrio, arrependendo-se mais tarde. Livre, Pedro o negou três vezes, para logo lamentar.

·  Ele agia e vivia segundo as virtudes das criancinhas: honestidade, sinceridade e a meiguice. Assim, não se amarrava à mentira, desconfiança, maledicência e à hipocrisia. Estas mazelas, tão presentes nas atitudes dos homens, precisam ser definitivamente erradicadas, para libertar os seus praticantes das condutas indecorosas típicas dos que mentem, dissimulam e traem. Pois, mais tarde, estarão sujeitos às corrigendas que se farão presentes em suas futuras existências.

·  Ele nada temia, não era escravo do medo, pois tinha o Criador dentro de si mesmo como um intransponível escudo moral, por isso disse que Ele e o Pai eram um. Com os princípios crísticos regendo as nossas existências também nada devemos temer a não ser a nós mesmos. Sendo assim, não sejamos vassalos das atemorizantes crenças materialistas - ausentes de nobre significado -, todas, sem exceção, nada mais desejam do que nos aprisionar no horizonte estreito, escuro e sem esperança de suas propostas destituídas de qualquer fundamentação lógica, ética e moralizante. Igualmente, nunca receou a morte, e, quando reapareceu aos seus seguidores mais íntimos, após o drama da cruz, liberta-os também do pavor da destruição de si mesmos em função da desagregarão do corpo de carne, incentivando-os a seguir sempre para frente, convictos da imortalidade.

·  Ele usou o perfeito entendimento adquirido sobre os desígnios da Divindade, conquista proporcionada pelas muitas lições aprendidas ao longo de sua marcha evolutiva para, livre, servir e amar sem impor quaisquer condições a todos que o procuravam. Assim sendo, Ele não fazia o que queria, mas inteiramente liberto, apenas o que devia.

 

Se os incontáveis cristãos se deixassem envolver incondicionalmente pelos ensinos do Rabi, o mundo seria outro, estaríamos experimentando agora as doces alegrias do Céu, embora ainda vivendo na Terra; e não as agruras do Inferno, embora ainda vivendo na Terra.

Não nos permitamos o retorno íntimo ao domínio das paixões, uma vez libertos de seus múltiplos e tentadores tentáculos. Sabemos o quanto é difícil dominar a sombra que ainda teima em se fazer presente em nosso caminho, e, quão fácil é o seu reaparecimento caso não sigamos a trilha apontada pela bússola do Mestre.

Diante de tão significativos exemplos, os seguidores do Cristo, em se encontrando alforriados de si mesmos, deveriam manter e guardar esta liberdade a qualquer custo, mesmo que fosse da própria vida, cumprindo fielmente seus deveres e obrigações, sem reclames e contestações.

Só alcança a verdadeira liberdade, este particular estado íntimo, quem atende com disciplina aos próprios compromissos que a vida continuamente solicita e, às vezes, impõe.

Sejamos servos uns dos outros e, por amor, porque o amor liberta!

E, aproveitando este mês de dezembro, quando comemoramos o nascimento do Homem de Nazaré, envolvidos nestas doces vibrações características das festividades natalinas, que possamos usar da liberdade construída pelos ensinos e exemplos do Mestre da Manjedoura, com a sabedoria e o amor que Ele tão bem nos recomendou.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita