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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Evolução solidária


A expressão evolução solidária, evocada como título a esta reflexão, foi apresentada por Gustavo Geley, ilustre pesquisador espírita, morto em 1924. Geley se referia à necessidade de entendermos o desenvolvimento do Espírito humano, pensamento central da Doutrina espírita, como um esforço coletivo em prol do aprimoramento, não unicamente pessoal, mas de toda a coletividade.

Escreveu:

As suas consequências práticas [da reencarnação] são fáceis de conceber. Antes de tudo, ela impõe o trabalho e o esforço; não o esforço isolado, a luta pela vida egoísta, mas o esforço solidário, porque tudo o que favorece ou retarda a evolução de outrem e a evolução geral favorece ou retarda a evolução de qualquer membro da coletividade. [i]

A ideia avançada de Geley encontra consonância na proposta de Kardec, quando apresentou a dupla finalidade da encarnação dos Espíritos: o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento coletivo (fazer a nossa parte na obra da criação).[ii]

Embora a evolução se dê na intimidade de cada um, na expansão pessoal e intransferível dos recursos cognitivos e afetivos, o enfoque exclusivista dessa evolução neutraliza a própria dinâmica do processo, pois se cristaliza no egoísmo, a fonte de todas as imperfeições humanas. [iii] Além disso, que sentido faz avançarmos quando aqueles que amamos permanecem para trás? Como nos acomodarmos diante das conquistas espirituais quando assistimos a tantos infelizes e atormentados clamando um instante de paz e o alívio de suas dores?

André Luiz, em Obreiros da vida eterna[iv] reportando-se ao Instrutor Albano Metelo, um campeão das tarefas de auxílio aos ignorantes e sofredores dos círculos imediatos à Crosta Terrestre, coloca na fala do benfeitor as seguintes considerações:

E os nossos Irmãos que ainda ignoram a luz? Subiríamos até Deus, num círculo fechado? Como operar o insulamento egoístico e partir, a caminho do Pai Amoroso e Leal que acende o Sol para os santos e os criminosos, para os justos e injustos?

E mais à frente:

Indubitavelmente, os ensejos de elevação felicitam todas as criaturas; no entanto, é imprescindível ponderar que a bênção da fonte pode converter-se em venenosa água estagnada, se a trancamos num poço incomunicável. Seria completo o nosso regozijo, havendo lágrimas atrás de nossos passos? Como entoar hinos de hosana à felicidade sobre o coro dos soluços? Nobilíssimo, todo impulso de atingir o cume; entretanto, que veremos após a ascensão? Entre os júbilos de alguns, identificaríamos a ruína e a miséria de multidões incalculáveis!...

E ainda:

Também eu tive noutro tempo a obcecação de buscar apressado a montanha. A Luz de cima fascinava-me e rompi todos os laços que me retinham embaixo, encetando dificilmente a jornada [...] cheguei a sentir-me feliz, diante da posição que me distanciava de tamanhas angústias [..] eis que, certa noite, notei que o vale se represava de fulgente luz. Que sol misericordioso visitava o antro sombrio da dor? Seres angélicos desciam, céleres, de radiosos pináculos, acorrendo às zonas mais baixas, obedecendo ao poder de atração da claridade bendita.

- Que acontecera? — perguntei, ousadamente, interpelando um dos áulicos celestiais.

- O Senhor Jesus visita hoje os que erram nas trevas do mundo, libertando consciências escravizadas.

Nem mais uma palavra. O mensageiro do Plano Divino não podia conceder-me mais tempo. Urgia descer para colaborar com o Mestre do Amor, diminuindo os desastres das quedas morais, amenizando padecimentos, pensando feridas, secando lágrimas atenuando o mal, e, sobretudo, abrindo horizontes novos à Ciência e à Religião, de modo a desfazer a multimilionária noite da ignorância.

A evolução será solidária ou não será plena e compensatória.

E dentre as diferentes ferramentas à nossa disposição na proposta de evolução solidária encontra-se a força do exemplo na ação da compaixão e da solidariedade humana. O exemplo da humildade e da perseverança centradas no trabalho voluntário toca os corações das pessoas sensíveis, mostrando que existem pessoas preocupadas com o semelhante.

Há muitos anos, perguntaram a Emmanuel como a Espiritualidade superior entendia o movimento fraterno das campanhas do quilo, tão caro aos espíritas do passado. O benfeitor esclareceu dizendo que essa modalidade de exercício da fraternidade era vista pelos Espíritos superiores com muita alegria, não tanto pelos recursos adquiridos na tarefa, mas, particularmente, pela presença dos espíritas nas ruas. Porque as pessoas observavam e isso tocava a emotividade de muitas delas, sensibilizando-as para uma tomada de atitude em prol do bem coletivo.

Disse o  apóstolo Paulo, em mensagem mediúnica, referindo-se aos discípulos de Jesus, que eles seriam reconhecidos pelo perfume de caridade que espalham em torno de si.[v] Ora, o perfume beneficia particularmente quem o percebe.

Na sua inesquecível viagem de divulgação do Espiritismo, acontecida em 1862, Kardec se deparou com a seguinte pergunta:

Não seria desejável que os espíritas tivessem uma senha, um sinal qualquer para se reconhecer quando se encontram?

O codificador respondeu de forma genial:

Os espíritas não constituem nem uma sociedade secreta, nem uma afiliação. Eles não devem, pois, ter nenhum sinal secreto para mútua identificação. Eles nada ensinam e nada praticam que não possa ser conhecido por toda a gente e não têm, por consequência, nada a ocultar [...] Vós tendes uma senha que é compreendida de um ao outro extremo do mundo: é a da caridade. Esta palavra é fácil de ser pronunciada e pode estar na boca de todos, mas a verdadeira caridade não pode ser falsificada. Na prática da caridade reconhecereis sempre um irmão, ainda que ele não se diga espírita, e deveis estender-lhe a mão, pois, se ele não vos partilha a crença, nem por isso deixará de ser para convosco benevolente e tolerante. [vi]


 

[i] Resumo da Doutrina espírita, de Gustavo Geley, terceira parte.

[ii] O Livro dos Espíritos, item 132.

[iii] O Livro dos Espíritos, item 917.

[iv] Obreiros da vida eterna, André Luiz/Chico Xavier, cap. 1.

[v] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 15, item 10.

[vi] Viagem espírita em 1862, Instruções particulares, item II.




 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita