Emmanuel seria menos evoluído do que
Chico Xavier?
Temos observado uma nova e inusitada discussão no
movimento espírita, a qual vem sendo levantada por
alguns confrades. Essa discussão gira em torno da figura
do mentor e autor espiritual Emmanuel. De fato, tem sido
levantada a tese de que Emmanuel seria um mentor
espiritual menos evoluído do que o seu tutelado Chico
Xavier e/ou que Emmanuel seria mentor somente das
tarefas mediúnicas de Chico Xavier e não de toda a
trajetória encarnatória xavieriana (o que, no contexto
das afirmações desses confrades, também remete à ideia
inicial de que, no âmbito geral, Emmanuel seria menos
evoluído do que Chico Xavier).
Essa tese soa, em um primeiro momento, como algo
realmente surpreendente porque supomos sempre que o
mentor espiritual seja mais evoluído do que o Espírito
guiado. Ademais, Chico Xavier sempre valorizou
significativamente a orientação de Emmanuel em vários
setores de sua atuação. Por outro lado, tal questão
desperta-nos a atenção para um tema importante do ponto
de vista doutrinário, o qual nem sempre tem recebido a
devida atenção.
Vejamos o que “O Livro dos Espíritos” (LE) diz a
respeito dessa questão.
Allan Kardec dedica substancial trecho de LE a esse
tema, na segunda parte (ou livro segundo), “Mundo
Espírita ou dos Espíritos”, no capítulo nono,
“Intervenção dos Espíritos no Mundo Corpóreo”, no
subcapítulo sexto, “Anjos da Guarda, Espíritos
Protetores, Familiares e Simpáticos”, contemplando
trinta e três (33) questões (questões 489 a 521).
Em um comentário inserto após a questão 495, de autoria
dos Espíritos São Luís e Santo Agostinho, os Espíritos
comentam que “... Há uma doutrina que deveria converter
os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a
dos anjos da guarda. Pensar que tendes sempre ao
vosso lado seres que vos são superiores, que estão
sempre ali para vos aconselhar, vos sustentar a escalar
a montanha escarpada do bem...” (Grifos nossos)
Subsequentemente, a questão 500 também denota que o
Mentor espiritual deve ser mais evoluído do que o seu
pupilo:
500. Chega um momento em que o Espírito não tem mais
necessidade do anjo da guarda?
R. Sim, quando se torna capaz de guiar-se por si mesmo,
como chega um momento em que o estudante não precisa
mais de mestre. Mas isso não acontece na Terra. (Grifos
nossos)
Nas respostas às questões 507, 509 e 510,
respectivamente, os Espíritos também enfatizam essa
condição. Vejamos:
“...a proteção supõe um certo grau de elevação, e um
poder e uma virtude a mais...” (507)
“...podeis também vos tornardes o protetor de um
Espírito que vos seja inferior, e o progresso que o
ajudardes a fazer contribuirá para o vosso
adiantamento...” (509)
“... Eis por que os não suficientemente elevados estão
sob a assistência de Espíritos que lhes são superiores...”
(510) (Grifos nossos)
Allan Kardec faz um resumo sobre o tema após a questão
514, e também enfatiza esse pré-requisito. Analisemos a
seguinte passagem:
“...O Espírito protetor, anjo da guarda ou bom gênio, é
aquele que tem por missão seguir o homem na vida e o
ajudar a progredir. É sempre de uma natureza superior
à do protegido...” (Grifos nossos)
Acreditamos que as passagens transcritas de LE são muito
diretas, mas remetemos o leitor ao estudo das 33
questões para um estudo mais consistente do importante
tema.
Por outro lado, temos que admitir que a evolução
espiritual é algo complexo assim como complexas são a
inteligência humana, as condições morais de cada
indivíduo e a avaliação da qualidade de seu nível
intelecto-moral. Nesse tópico, ainda necessitamos
aprofundar muito para melhorar a nossa capacidade de
fazer análises autocríticas e heterocríticas, a fim de
entender as diversas implicações (visando melhorar a
aplicação da recomendação evangélica “Reconhece-se a
árvore pelos seus frutos”).
Sendo assim, não seria de todo impossível que dois
Espíritos amigos, comprometidos em um ideal comum e com
evoluções espirituais semelhantes, trabalhassem em
parcerias em diversos cenários. Na verdade, nas
referidas 33 questões de LE, os Espíritos comentam sobre
os “Espíritos familiares”, os quais corresponderiam à
descrição acima e que, em princípio, não corresponderiam
ao chamado “Mentor espiritual” propriamente dito.
Por conseguinte, a tese que estabelece que Emmanuel é um
Espírito inferior a Chico Xavier parece realmente
improcedente. Ainda assim, considerando que nenhum texto
é infalível, mesmo o texto de LE, poderíamos supor que a
diferença entre a evolução do Mentor e a evolução do
guiado poderia ser menos substancial do que o senso
comum poderia imaginar em um primeiro momento. No
entanto, mesmo nesse caso, parecem muito estranhas
determinadas afirmações que colocam Emmanuel como
inferior a Chico Xavier, pois nem afirmam que ele seria
da mesma evolução que Chico Xavier, mas inferior a ele.
Analisando o contexto em que essas proposições têm sido
levantadas, percebemos que, via de regra, elas estão
associadas à defesa da tese “Chico Xavier é a
reencarnação de Allan Kardec”. Nesse cenário, os
defensores da “Tese Chico-Kardec” também costumam
colocar Chico Xavier como a reencarnação de vários
personagens históricos e ilustres do Cristianismo, entre
eles um dos Apóstolos de Jesus (usualmente, João
Evangelista).
Ora, essa proposta gerou um problema para seus
proponentes, uma vez que o Espírito imortal não regride
jamais (vide o “Princípio da não-retrogradação do
Espírito”) e vários livros foram publicados, da lavra do
próprio Chico Xavier, descrevendo as vidas de Emmanuel,
o qual, no tempo de Jesus, ainda estaria em uma condição
espiritual em princípio bem inferior àquela dos
Apóstolos. (Vide a obra “Há dois mil anos” e o
personagem Senador P. Lentulus.)
Assim sendo, aparentemente buscando um mínimo de
razoabilidade em seus discursos, tais confrades tinham
três alternativas:
- Ou Emmanuel também seria um dos Apóstolos ou
discípulos mais ilustres de Jesus (nesse caso, os
romances históricos e as informações sobre Emmanuel
divulgadas por Chico Xavier durante décadas não estariam
corretas);
- Ou Emmanuel desenvolveu uma evolução em tempo recorde
e, nesses dois mil anos, ultrapassou João Evangelista e
Allan Kardec (o que parece bem improvável e que,
ademais, seria um discurso difícil de ser pregado…);
- Ou o Mentor poderia ser menos evoluído do que o seu
Guiado…
Preferiram a terceira opção, sem ao menos mencionar e/ou
analisar o texto de LE, que não respalda tal hipótese
Em resumo, necessitamos aprofundar as discussões sobre
as relações e condições entre mentores espirituais e
seus tutelados, até para aprendermos mais sobre o
funcionamento da proteção espiritual em termos gerais.
Por outro lado, devemos ter um pouco mais de cuidado nas
proposições excessivas de especulações reencarnatórias e
espirituais, as quais têm sido levantadas sem maior
reflexão doutrinária.
|