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por Leonardo Marmo Moreira

 

Emmanuel seria menos evoluído do que Chico Xavier?

 
Temos observado uma nova e inusitada discussão no movimento espírita, a qual vem sendo levantada por alguns confrades. Essa discussão gira em torno da figura do mentor e autor espiritual Emmanuel. De fato, tem sido levantada a tese de que Emmanuel seria um mentor espiritual menos evoluído do que o seu tutelado Chico Xavier e/ou que Emmanuel seria mentor somente das tarefas mediúnicas de Chico Xavier e não de toda a trajetória encarnatória xavieriana (o que, no contexto das afirmações desses confrades, também remete à ideia inicial de que, no âmbito geral, Emmanuel seria menos evoluído do que Chico Xavier).

Essa tese soa, em um primeiro momento, como algo realmente surpreendente porque supomos sempre que o mentor espiritual seja mais evoluído do que o Espírito guiado. Ademais, Chico Xavier sempre valorizou significativamente a orientação de Emmanuel em vários setores de sua atuação. Por outro lado, tal questão desperta-nos a atenção para um tema importante do ponto de vista doutrinário, o qual nem sempre tem recebido a devida atenção.

Vejamos o que “O Livro dos Espíritos” (LE) diz a respeito dessa questão.

Allan Kardec dedica substancial trecho de LE a esse tema, na segunda parte (ou livro segundo), “Mundo Espírita ou dos Espíritos”, no capítulo nono, “Intervenção dos Espíritos no Mundo Corpóreo”, no subcapítulo sexto, “Anjos da Guarda, Espíritos Protetores, Familiares e Simpáticos”, contemplando trinta e três (33) questões (questões 489 a 521).

Em um comentário inserto após a questão 495, de autoria dos Espíritos São Luís e Santo Agostinho, os Espíritos comentam que “... Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos da guarda. Pensar que tendes sempre ao vosso lado seres que vos são superiores, que estão sempre ali para vos aconselhar, vos sustentar a escalar a montanha escarpada do bem...” (Grifos nossos)

Subsequentemente, a questão 500 também denota que o Mentor espiritual deve ser mais evoluído do que o seu pupilo:

500. Chega um momento em que o Espírito não tem mais necessidade do anjo da guarda?

R. Sim, quando se torna capaz de guiar-se por si mesmo, como chega um momento em que o estudante não precisa mais de mestre. Mas isso não acontece na Terra. (Grifos nossos)

Nas respostas às questões 507, 509 e 510, respectivamente, os Espíritos também enfatizam essa condição. Vejamos:

“...a proteção supõe um certo grau de elevação, e um poder e uma virtude a mais...” (507)

“...podeis também vos tornardes o protetor de um Espírito que vos seja inferior, e o progresso que o ajudardes a fazer contribuirá para o vosso adiantamento...” (509)

“... Eis por que os não suficientemente elevados estão sob a assistência de Espíritos que lhes são superiores...” (510) (Grifos nossos)

Allan Kardec faz um resumo sobre o tema após a questão 514, e também enfatiza esse pré-requisito. Analisemos a seguinte passagem:

“...O Espírito protetor, anjo da guarda ou bom gênio, é aquele que tem por missão seguir o homem na vida e o ajudar a progredir. É sempre de uma natureza superior à do protegido...” (Grifos nossos)

Acreditamos que as passagens transcritas de LE são muito diretas, mas remetemos o leitor ao estudo das 33 questões para um estudo mais consistente do importante tema.

Por outro lado, temos que admitir que a evolução espiritual é algo complexo assim como complexas são a inteligência humana, as condições morais de cada indivíduo e a avaliação da qualidade de seu nível intelecto-moral. Nesse tópico, ainda necessitamos aprofundar muito para melhorar a nossa capacidade de fazer análises autocríticas e heterocríticas, a fim de entender as diversas implicações (visando melhorar a aplicação da recomendação evangélica “Reconhece-se a árvore pelos seus frutos”).

Sendo assim, não seria de todo impossível que dois Espíritos amigos, comprometidos em um ideal comum e com evoluções espirituais semelhantes, trabalhassem em parcerias em diversos cenários. Na verdade, nas referidas 33 questões de LE, os Espíritos comentam sobre os “Espíritos familiares”, os quais corresponderiam à descrição acima e que, em princípio, não corresponderiam ao chamado “Mentor espiritual” propriamente dito.

Por conseguinte, a tese que estabelece que Emmanuel é um Espírito inferior a Chico Xavier parece realmente improcedente. Ainda assim, considerando que nenhum texto é infalível, mesmo o texto de LE, poderíamos supor que a diferença entre a evolução do Mentor e a evolução do guiado poderia ser menos substancial do que o senso comum poderia imaginar em um primeiro momento. No entanto, mesmo nesse caso, parecem muito estranhas determinadas afirmações que colocam Emmanuel como inferior a Chico Xavier, pois nem afirmam que ele seria da mesma evolução que Chico Xavier, mas inferior a ele.

Analisando o contexto em que essas proposições têm sido levantadas, percebemos que, via de regra, elas estão associadas à defesa da tese “Chico Xavier é a reencarnação de Allan Kardec”. Nesse cenário, os defensores da “Tese Chico-Kardec” também costumam colocar Chico Xavier como a reencarnação de vários personagens históricos e ilustres do Cristianismo, entre eles um dos Apóstolos de Jesus (usualmente, João Evangelista).

Ora, essa proposta gerou um problema para seus proponentes, uma vez que o Espírito imortal não regride jamais (vide o “Princípio da não-retrogradação do Espírito”) e vários livros foram publicados, da lavra do próprio Chico Xavier, descrevendo as vidas de Emmanuel, o qual, no tempo de Jesus, ainda estaria em uma condição espiritual em princípio bem inferior àquela dos Apóstolos. (Vide a obra “Há dois mil anos” e o personagem Senador P. Lentulus.)

Assim sendo, aparentemente buscando um mínimo de razoabilidade em seus discursos, tais confrades tinham três alternativas:

- Ou Emmanuel também seria um dos Apóstolos ou discípulos mais ilustres de Jesus (nesse caso, os romances históricos e as informações sobre Emmanuel divulgadas por Chico Xavier durante décadas não estariam corretas);

- Ou Emmanuel desenvolveu uma evolução em tempo recorde e, nesses dois mil anos, ultrapassou João Evangelista e Allan Kardec (o que parece bem improvável e que, ademais, seria um discurso difícil de ser pregado…);

- Ou o Mentor poderia ser menos evoluído do que o seu Guiado…

Preferiram a terceira opção, sem ao menos mencionar e/ou analisar o texto de LE, que não respalda tal hipótese

Em resumo, necessitamos aprofundar as discussões sobre as relações e condições entre mentores espirituais e seus tutelados, até para aprendermos mais sobre o funcionamento da proteção espiritual em termos gerais.

Por outro lado, devemos ter um pouco mais de cuidado nas proposições excessivas de especulações reencarnatórias e espirituais, as quais têm sido levantadas sem maior reflexão doutrinária.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita