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por Norma Nelly Gallo Soares

 

Vigiar e orar


Dentre os ensinamentos que Jesus nos deixou quando de sua passagem pela Terra está a singela recomendação de vigiar e orar. Essa recomendação é mais útil e oportuna do que pensam os que a têm como mero convite à oração noturna ou dominical. Vigiar significa estar atento, cuidar do que acontece à volta, preparar-se para agir. Orar é conectar-se com Deus, agir segundo Suas leis, semear no mundo a fraternidade e o amor que nos foi ensinado por Jesus.

Nas pregações de Jesus o maior mandamento é o do amor: “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt, 6:12). Somos todos irmãos. Todo Espírito foi criado simples e ignorante (“O Livro dos Espíritos”, questão 115) com o intuito de se aperfeiçoar para chegar ao convívio do pleno amor de Deus. Os que marcham na dianteira devem socorrer os retardatários. Assim nos esclarecem os Espíritos que auxiliaram Allan Kardec na codificação da Doutrina Espírita, como São Vicente de Paulo, registrado nos comentários à questão 888 de O Livro dos Espíritos: “... Não olvideis jamais que o Espírito, qualquer que seja seu grau de adiantamento, sua situação como reencarnação ou erraticidade, está sempre colocado entre um superior que o guia e o aperfeiçoa, e um inferior diante do qual tem os mesmos deveres a cumprir...”.

Nosso crescimento é eminentemente relacional, o que quer dizer que somente avançamos na medida em que nosso comportamento e nossa vivência levem em conta o outro, o outro próximo e o outro distante, aqueles que se encontram acima e os que estão abaixo, os que nos são caros e os desafetos.  Esse é o sentido do amar ao próximo como a si mesmo que encontramos em Mt, 22:37-39: “... Ele respondeu: amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Bastante conhecido no Brasil, o médico Dr. Dráuzio Varella há mais de 20 anos dedica-se ao atendimento da população carcerária do Estado de São Paulo, além de levar informação sobre cuidados com a saúde para a população em geral. Segundo o Dr. Varela, em vinte anos o número de pessoas internas em cárcere no Estado saltou de cerca de 90 mil para 800 mil. Organizações criminosas como PCC, Comando Vermelho, Família do Norte e outras proliferam no ambiente prisional, ditando regras e se tornando um poder paralelo muitas vezes mais forte do que o Estado de direito.

Se a taxa de desemprego na sociedade em geral está medida em 12%, dentre a população jovem e pobre, com pouca escolaridade, esse percentual sobe para 25%. Desse extrato social sai a maior parte da população prisional. As mulheres oferecem quadro de sofrimento ainda maior. Sem perspectivas de estudo ou trabalho, com valores morais relaxados como reflexo da sociedade atual, tornam-se mães no início da adolescência, são presas fáceis para o tráfico de drogas e, não raro, encontram-se nos presídios avós de menos de 30 anos e bisavós mal entradas nos 40 anos de idade.

A negligência da sociedade permitiu chegar-se a um patamar preocupante de desigualdade de oportunidades sociais. De acordo com a avaliação do Dr. Varela, ou nos adiantamos e nos despertamos para criar soluções de promoção de cidadania e rede de proteção aos menos favorecidos, ou seremos duramente despertados.

A Doutrina Espírita nos ensina que estamos em um Mundo de Provas e Expiações e que cada um tem seu fardo a carregar em cada existência. Mas também nos exorta a ser caridosos e procurar ajudar os irmãos em prova, de modo que suas cargas possam ser aliviadas. Medidas muitas vezes singelas podem criar um ambiente de incremento de oportunidades, apoio, confiança e de inclusão, mesmo dos que tenham pouco a oferecer a esse mundo tecnológico de evolução estonteante. É importante que cada um possa ter seus meios de sobrevivência conquistados com o labor de que são capazes.

Façamos da criação de oportunidades aos mais necessitados a nossa ação. Não esperemos somente as iniciativas governamentais, muitas vezes acanhadas e tardias. Alicerçados no trabalho voluntário poderemos somar forças a parcerias e buscar oferecer apoio às mulheres-mães que buscam trabalho; aos jovens pobres que não têm como desenvolver aptidões esportivas, artísticas ou profissionalizantes; às crianças que não conseguem acompanhar o ensino formal.

Somente trazendo os retardatários da sociedade para o convívio social sadio poderemos almejar uma sociedade mais equilibrada, justa, onde as transgressões não sejam necessariamente punidas com a segregação e o encarceramento, mas que outras formas de reparação e modificação de condutas possam ser implantadas. Nossa sociedade merece melhor aplicação dos recursos gerados pelo trabalho de todos do que a utilização dessa riqueza para construção de novos presídios.

 

Nota da Redação:

Texto contemplado no concurso A Doutrina Explica, ocorrido em 2018, promovido na turma do Curso de Palestrantes Espíritas do DF, na FEDF, em comemoração dos 30 anos do Concurso, com o objetivo de sensibilizar, para a leitura, o uso da biblioteca espírita e levar a conhecer alguma metodologia de pesquisa para apoiar o estudo doutrinário, além de incentivar os participantes para o potencial de racionalização e explicação da realidade social e espiritual pela Doutrina Espírita. Norma Nelly Gallo Soares é palestrante espírita radicada em Brasília, DF.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita