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por Paulo Oliveira

 

Minha verdade, minha medida


“Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque, com o juízo com que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, vos medirão também a vós.” (Mateus, VII: 1-2) in O Evangelho segundo o Espiritismo – Cap. X – itens 11 a 13.


Se há algo que coloca todos os seres humanos em condição de igualdade indiscutível é a sua subjetividade. Todos nós temos a capacidade de perceber os fatos, as pessoas, os momentos, as dificuldades e as oportunidades, de maneira totalmente pessoal e, por conseguinte, subjetiva.

A minha “verdade” é diferente da “verdade” alheia exatamente pelos pontos de vista diferentes sobre um mesmo assunto, gerando muita discussão e até mesmo disputas acirradas pela sua posse.

Entendido que a subjetividade é um traço que nos caracteriza – de nossa natureza –, torna-se, então, que julgar é natural.

A percepção é o instrumento que utilizamos para realizar esse julgamento. O que percebemos (subjetivamente) passa, mesmo que por instantes, a ser a nossa “verdade” até que se consiga perceber os fatos com outros olhos (de ver), e refaçamos, então, o nosso entendimento.

Mas se a percepção é uma característica humana, e julgar é sua consequência natural, por que será então que Jesus a condenou dizendo para não julgarmos, ou seja, não exercermos algo que é natural em todos nós?

A resposta a essa questão está no próprio item 13 do capítulo X de O Evangelho segundo o Espiritismo, citado na epígrafe, onde Kardec nos afirma textualmente: “Não se deve, pois, tomar no sentido absoluto este princípio: ‘Não julgueis para não serdes julgados’, porque a letra mata e o espírito vivifica” (negrito nosso). Aliás, essas palavras de Kardec são constantemente citadas em conversas, palestras e textos, sem nos apercebermos do quanto ainda estamos aferrolhados à letra!

Infelizmente, até mesmo por causa da subjetividade que nos caracteriza, tomamos ideias como “verdades absolutas”, sem exercer a nossa capacidade analítica (racional), buscando uma conclusão mais clara e efetiva.

É muito complicado aplicar-se alguma coisa que não está clara em nossa mente e isso também se dá com o Evangelho. É preciso conhecer-lhe as nuances para que não nos deixemos levar por falsos aforismos ou expressões vazias, cujo sentido acaba se perdendo num amontoado de palavras repetidas mecanicamente e sem efeito prático.

Tomando-se o alerta de Kardec de que não devemos interpretar ao pé da letra (ou seja, devemos raciocinar sobre o ensinamento, o que é igual à FÉ RACIOCINADA), vamos entender que Jesus não proibiu o julgamento de forma generalizada, impedindo-nos de PERCEBER (identificar) cada situação como ela se apresenta ao nosso olhar. Diz-nos Kardec, também em sua análise no capítulo citado, que devemos nos preocupar não com o julgamento em si, mas com as ações decorrentes de suas conclusões.

Há dois pontos salientados pelo Codificador nos quais devemos atentar: “A censura de conduta alheia pode ter dois motivos: reprimir o mal, ou desacreditar a pessoa cujos atos criticamos” (negrito nosso).

Sabemos que o segundo ponto está por si mesmo em desalinho com os padrões cristãos do “amai-vos uns aos outros” ou “faça aos outros o que gostaria que lhe fizessem”, e que, portanto, neste caso específico, o silêncio deve ser adotado como regra.

Porém, em relação ao primeiro ponto – reprimir o mal – o Codificador é claro e transparente como água, que tal atitude se torna um dever, pois não se deve compactuar com o mal, de maneira alguma e onde quer que ele exista.

Jesus não quis impedir que ao se enxergar algo de errado no comportamento alheio deixássemos de apontar o fato para quem de direito, ou seja, para o alvo de nossa percepção ou julgamento. Quanto a esse aspecto, lembremos do ensinamento do Mestre nesse sentido: “Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, terás ganho teu irmão” (Mateus, 18:15).

Todavia, não raras vezes, tendemos mais a optar pela segunda forma apontada por Kardec que é “desacreditar a pessoa cujos atos criticamos”, descambando para a maledicência declarada, numa atitude nada ética e muito menos cristã.

Compreendemos, até aqui, portanto, que não estamos proibidos de julgar de forma generalizada, mas sim de utilizar o nosso julgamento de forma inapropriada e em contraposição com os Evangelhos. É o momento para aplicarmos o “vigiai e orai”; neste caso, vigiar a nós mesmos e não o outro, logicamente.

No entanto, há outra afirmativa de Jesus nesse ensinamento que devemos também atentar. Ele nos indica que “com a mesma medida com que medirdes, vos medirão a vós” (grifo nosso).

A que medida estará o Mestre se referindo?

Refletindo um pouco mais sobre esse tema e com a devida inspiração necessária, concluímos que essa medida que utilizamos para medir os outros, e pela qual seremos também medidos, é a nossa própria consciência.

Kardec nos diz no mesmo capítulo X, item 13: “A consciência íntima, ao demais, nega respeito e submissão voluntária àquele que, investido de um poder qualquer, viola as leis e os princípios de cuja aplicação lhe cabe o encargo”.

Para entendermos melhor esse comentário de Kardec, vamos lembrar a passagem da mulher adúltera apresentada a Jesus pelos Fariseus - apegados à letra! Ao perceber que aqueles que clamavam justiça e que exigiam o cumprimento do mandamento de Moisés, que exigia o apedrejamento daquela mulher, traziam suas consciências (medidas individuais) completamente conspurcadas pelos equívocos praticados e que não lhes atribuíam nenhuma autoridade moral para exigir qualquer reparação àquela mulher exposta à execração pública.

Jesus usando de seu poder moral incontestável expôs-lhes a própria condição de cada um, dizendo que “aquele que estiver sem pecado (isto é, consciência limpa), que atire a primeira pedra”. Para julgar os erros alheios é preciso estar isento de sua prática e ter a consciência tranquila para apontar a correção dos mesmos, visando ao crescimento e não à crítica e condenação.

Jesus nos alerta que a misericórdia deve ser a escolha de todos nós sempre, e que, quando agimos de forma implacável, mesmo que de maneira justa, estamos esquecendo-nos de nossos próprios “pecados”, isto é, de nossos equívocos. Exigir justiça com ferocidade, dureza de coração e violência expressa a nossa condição espiritual pouco evoluída que ainda trazemos.

O Espírito José, escrevendo sobre a indulgência, afirma categoricamente: “Sede, pois, severos para convosco, indulgentes para com os outros” (grifo nosso), pois sabe esse amigo iluminado que o “autodesculpismo” é francamente utilizado, fazendo-nos permanecer cegos quanto às nossas questões individuais, exercendo mais misericórdia para nós mesmos do que para os outros; é a constatação clara de que não seremos medidos por algo fora de nós, mas sim dentro de nós mesmos, que é a nossa consciência que pesa todos os nossos atos em comparação com as Leis Divinas perfeitas que têm regido nossa caminhada.

Essa é a recomendação que deve ficar em nossas mentes para guiar-nos os passos diariamente: ver o mal, pois ele existe, e reprimi-lo com indulgência e misericórdia através de uma ação junto à pessoa, alvo de nossa observação, expondo os equívocos praticados somente quando as suas consequências impactarão outros, constituindo-se isso num dever moral.

Em suma, é a prática do ensinamento maior deixado pelo Cristo e Senhor, nosso Jesus!



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita