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por Rogério Coelho

 

O doce ciclo vicioso do amor


Um nível adequado e desejável de autoestima não caracteriza o narcisismo


“O maior inferno é a incapacidade de amar.” 
Dostoiewski

 

Os dois maiores mandamentos dados a conhecer por Jesus são: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

A humanidade ainda não foi capaz de analisar a profundidade e abrangência desses dois mandamentos divinos. Quando tal acontecer, todo o panorama psíquico do planeta vai mudar, elevando-lhe, em consequência, o nível na classificação dos mundos. Nesse tempo, dinamizadas e estimuladas pelo vero amor, as criaturas saberão conviver consigo mesmas (aceitando-se como realmente são) e com o próximo, respeitando-lhe a individualidade. O primeiro passo na direção desse estágio ideal é o amor a si mesmo, pois quem não se ama não pode amar a Deus e tampouco ao próximo.

Segundo o Dr. Marco A. D. Silva[1], cardiologista natural de Recife (PE), “quando se está em paz consigo mesmo, quando o indivíduo gosta de si como de fato é, sem necessidade de máscaras, representações ou fingimentos, ele é tomado de um espontâneo e natural impulso de doação e amor pelas outras pessoas e pela vida, que nada mais é, de fato, que o extravasamento para o ambiente do amor que tem por si mesmo. Os que atingem esse patamar de crescimento ou dele se aproximam, passam a extrair genuíno prazer do amor que transmitem às outras pessoas e, sem ter premeditado, passam a vivenciar um doce ciclo vicioso onde, quanto mais se amam e amam os outros, mais amor recebem de volta e mais ainda ficam amando a si e aos outros...

Esse amor por si próprio é, essencialmente, reflexo da nossa autoestima, ou da imagem que construímos de nós mesmos. Um nível adequado e desejável de autoestima implica respeito e admiração por si próprio e não se pode confundir isso com o narcisismo. Este é primo-irmão do egoísmo e resulta da mesma causa básica: a fragilidade interior e o desapego a si mesmo são tão grandes, que o indivíduo sente uma compulsiva necessidade de reconhecimento externo.

Os narcisistas, tanto quanto os egoístas, não são pessoas livres e dificilmente serão felizes, dependentes que são, vitalmente, do conceito que os outros fazem dele”.

Divaldo Pereira Franco disse uma vez, numa conferência, que tivemos a dita de assistir e nunca mais o esquecemos: “quando alguém fala mal de nós ou nos elogia, por conta disso não seremos nem piores e tampouco melhores do que realmente somos”. Portanto, somos o que somos, independentemente das expressões encomiásticas ou dos alheios azorragues...

A questão que se alevanta é: como conhecer de forma nítida e precisa a localização da fronteira delimitadora do “amar a si mesmo” e do egoísta-narcisista? Até onde podemos gostar de nós mesmos, (atendendo à recomendação de Jesus) sem cairmos no domínio do narcisismo? Nesse passo, o primeiro modo para estabelecermos de maneira insofismável e com toda a nitidez possível o que é desejável e o que é nocivo é analisarmos se estamos realmente felizes ou não conosco mesmos. O segundo ponto a observar é conhecer o que caracteriza o narcisista e verificar se essas características fazem parte de nossa personalidade.

Os estudiosos do comportamento humano identificaram algumas particularidades comuns, em maior ou menor grau, nos narcisistas. Neles, além do próprio egoísmo, componente quase obrigatório do narcisismo, outras características costumam estar presentes, tais como: excessiva preocupação com as aparências; inveja; baixa tolerância à frustração; obsessivo impulso de manipular as pessoas à sua volta...

Vamos analisar com o Dr. Marco Aurélio cada uma dessas peculiaridades que compõem a personalidade do narcisista:

Excessiva preocupação com as aparências – Falamos tanto das aparências de ordem física quanto outros atributos que se possam exibir aos demais, ou seja: os narcisistas são vaidosos, entendida a vaidade como a preocupação maior de exibir-se e despertar admiração em terceiros e pouca ou nenhuma quanto ao que a pessoa acha de si. Há aqui uma clara diferença entre os sexos, visto que a vaidade feminina liga-se mais à aparência física, ao passo que a dos homens relaciona-se preferivelmente à exibição dos sinais de poder, prestígio e riqueza...

O nocivo não é a existência de um nível tolerável de vaidade, vez que ela é um componente indefectível do comportamento humano. Só não se pode deixá-la atingir os patamares do exagero a que chega nos narcisistas. Deve-se conservá-la em um nível desejável, normal e inofensivo como expressão da autoestima.

Inveja  Este é talvez o mais destrutivo de todos os subprodutos da insegurança interior e do desapego por si mesmo. Essa inveja nociva e destrutiva não é o natural desejo, que vez por outra assalta qualquer um de nós, de ter ou ser o que alguém, próximo ou distante, tem ou é, mas aquela amarga sensação de desconforto e sofrimento, que invade o indivíduo quando confrontado com o sucesso alheio, ou com o que de bom possa estar ocorrendo com outra pessoa. Não importa o que o próprio indivíduo esteja obtendo, ele sempre sofrerá, porque outros estão alcançando o que logrou alcançar, seja no campo material, no prestígio intelectual ou profissional, ou ainda em termos de notoriedade ou poder.

É fácil deduzir que dificilmente padecerá desse tipo de inveja alguém que esteja feliz e satisfeito com o que de fato é, mais que com o que tem. Ninguém será verdadeiramente feliz enquanto não conseguir libertar-se dos grilhões da inveja.

Os narcisistas têm especial inveja das pessoas que representam justamente o oposto deles: indivíduos seguros interiormente e, portanto, generosos com os outros e amados por eles. Tais indivíduos detêm o que o narcisista mais deseja e não consegue: gostar de si como é e, por extensão, granjear a admiração e o amor das pessoas.

Baixa tolerância à frustração – O narcisista assemelha-se às crianças: reage com mau humor e é malcriado quando sua vontade é contrariada. Quem se ama pouco, tolera mal as frustrações e a dor e, por conseguinte, adoece mais e é infeliz.

Manipuladores - O narcisista tende a se apresentar como vítima e agir como se a sua vontade fosse sempre a mais justa, embora quem vê de fora facilmente perceba que de justo o seu comportamento nada tem. Para tanto, é capaz de negar, ou distorcer, o que ele próprio antes afirmava, de tal maneira a inverter a seu favor uma situação que lhe pareça desfavorável...

O narcisista é, pois, alguém totalmente descompromissado de qualquer tipo de comportamento moral em seu relacionamento com as outras pessoas. Nada consegue ver além de seu próprio e direto interesse. Sua visão do mundo e da vida é fundamentalmente pragmática. Dessa forma, nega a possibilidade da existência de sentimentos e comportamentos mais nobres e elevados e resume a vida e a relação com as outras pessoas em permanente disputa por bens ou posições. A consequência direta dessa visão pragmática da vida e do mundo é torná-lo extremamente pessimista, pois quem raciocina com base no concreto e no real e pouco ou nada na imaginação e no abstrato não pode mesmo esperar nada de bom do mundo e das outras pessoas. Isso justifica a sua postura do ‘viver desesperada e sofregamente o presente’, usufruindo, o máximo possível, os ‘benefícios’ palpáveis da vida...

Com todo o arrazoado acima, o Dr. Marco Aurélio nos convenceu de que vai um superlativo pego entre a personalidade de quem “ama a si próprio” segundo a nobre expressão de Jesus, da personalidade dissolvente e chã do narcisista. Não há, portanto, como confundir as duas!

Compreendemos, assim, a magnitude da recomendação de Jesus quando coloca o amor a Deus e ao próximo como a si mesmo como os dois Mandamentos que resumem toda a Lei e os profetas!...

Portanto, concordamos plenamente com o Dr. Marco Aurélio quando afirma1“gostar de si mesmo não é defeito: é qualidade. E não tem nada a ver com o egoísmo; o narcisismo e o não gostar dos outros, muito pelo contrário. É justamente a impossibilidade de amar a nós mesmos que nos torna incapazes, na mesma proporção, de amar os outros”.

Muito provavelmente, foi por não desconhecer a magna expressão Joanina: “Deus é amor”, é que Dostoiewski cunhou, sem rebuços, esta que elegemos para epígrafe e fecho de nosso artigo: “o maior inferno é a incapacidade de amar”.

 


[1] - SILVA, Marco Aurélio Dias. Quem ama não adoece – Editora Best Seller.

 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita