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por Paulo Oliveira

 

Paz: presente ou construção?


“E, se lá houver um filho da paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não, voltará a vós.” Jesus (Lucas, 10:6.)


Este trecho retirado do Evangelho de Lucas refere-se ao momento em que Jesus envia os 72 discípulos escolhidos para irem pregar em várias cidades, dizendo “O reino de Deus está próximo”, querendo com isso dizer que estava próximo o momento em que cada indivíduo, cada Espírito, tendo o conhecimento de sua condição de herdeiro da Divindade, pudesse compreender que o verdadeiro Reino de Deus está dentro de cada um, cabendo-nos a responsabilidade pela sua construção, através do cultivo das virtudes espirituais que Jesus veio nos ensinar.

A saudação usual naqueles tempos era: “Paz a esta casa”, e Jesus, então, recomenda que se ao oferecer a paz àqueles a quem visitavam, não houvesse ali ninguém que dela fosse merecedor, ou seja, fosse um “filho da paz”, esta voltaria a eles, e que não tentassem, pela vontade de ver seu trabalho realizado, forçar ninguém a aceitá-los e nem as suas novas ideias. Dessa forma, Jesus recomendava que seus discípulos respeitassem a condição espiritual daqueles com quem se encontrassem em suas atividades de divulgação da Boa Nova, afirmando, inclusive, que deveriam “sacudir o pó de suas sandálias”[1], não no sentido de exclusão destes ou de sua condenação, mas sim como uma orientação precisa e enfática para a observação absoluta e inquestionável do livre-arbítrio de cada um.

É muito comum, especialmente em nosso meio espírita, desejarmos que a paz de Jesus nos envolva e esteja em nossos corações. Mas, da mesma forma que os discípulos, se não houver paz no coração daquele que exorta, como daqueles a quem a exortação é dirigida, a paz voltará para Jesus e não permanecerá entre aqueles que só verbalmente a desejaram.

Mas o que isso quer dizer efetivamente? Afinal, Jesus não nos disse: “A minha paz vos deixo, a minha paz vos dou”? Essa questão pode ter algum sentido, no entanto, por meio de um entendimento limitado das palavras do Mestre, poderemos supor que essa paz de Jesus nos foi dada como um presente, nada restando para nós a não ser o petitório infindo, visando à instalação e manutenção dessa paz divina, em nós e no ambiente em que estivermos.

Emmanuel, o iluminado mentor de Chico Xavier, porém, orienta-nos claramente para que cultivemos a paz[2]. Atentemos para o verbo CULTIVAR utilizado por ele. Quem já teve a curiosidade de ver algum agricultor ou mesmo alguém que tenha um jardim ou uma horta, poderá responder como age essa pessoa.

Ela prepara o terreno, planta e depois cuida para que a sua produção não seja prejudicada por ervas daninhas. Protege contra a ação dos pássaros e vermes que buscam alimento e que prejudicarão todo o resultado do seu trabalho. Somente após todo esse esforço, faz então a colheita.

Tomando esse exemplo para comparação, podemos entender que a paz, conforme nos alerta Emmanuel, é o “fruto do trabalho intenso do mundo íntimo, cessando as vozes da inadaptação à Vontade divina”[3], que são a crítica, a aspereza, a revolta, a ociosidade, a indisciplina, o fel com que as palavras são emitidas, que se comparam aos vermes que corroem a plantinha da paz ainda em germinação.

Muitos rogam a paz, mas procuram a guerra. A paz e a perturbação não podem conviver no mesmo ambiente, como a sombra não pode existir onde haja luz. Não é possível cultivar a paz por meio de pensamentos de disputa, de dissensão, de inconformação, de ansiedade.

Emmanuel avisa que, para os comodistas, a paz legítima é ainda realização muito distante porque, presos em sua “comodidade”, nada fazem na sua construção, tornando-se sementes que não germinam. Embora desejando-a, não agem no sentido de instalá-la em suas próprias vidas. Essa a razão de estarem tão distantes da paz e do amor. Não saem do próprio mundo individual. Seu ego exige a satisfação de todas as suas condições para sentirem-se “felizes”, quando, na verdade, estão acumulando mais tristezas e frustrações.

Devemos compreender que a compensação, ou a remuneração, só virá após o trabalho feito. É da lei que a preparação e o mérito antecedam o benefício, diz-nos Emmanuel. A lei é meritocrática: “A cada um segundo as suas obras”.[4]Portanto, para termos a paz divina que desejamos, devemos produzir, em nós mesmos, a nossa própria paz, tornando-nos assim um “filho da paz”, sendo merecedores dessa dádiva do Mestre, que a oferece a nós todos sempre.

Diz-nos Emmanuel que ninguém atinge o bem-estar em Cristo sem esforço no bem, sem disciplina elevada de sentimentos, sem iluminação do próprio raciocínio.

Como nos ensina Jesus, se não estivermos com o campo preparado pelo trabalho próprio de busca da paz verdadeira, com a real intenção de instalá-la em nós mesmos, essa paz dada pelo Cristo volta ao Cristo. A paz celestial volta à origem, pois esta é uma conquista intransferível de cada um.


 


[1] “Mas em qualquer cidade em que entrardes e não fordes recebidos, saí para as praças e dizei: Até a poeira da vossa cidade que se grudou aos nossos pés, nós a sacudimos para deixá-la para vós.” (Lucas, 10: 10-11)

[2] EMMANUEL, Espírito. Vinha de Luz – psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB – 2012 – 1ª. Ed.- Brasília. Mensagem 65, Cultiva a Paz.

[3] Idem

[4] Mateus 17:27

 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita