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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Caridade com os criminosos


Criminalidade, delinquência, crueldade e violência são temas que têm se identificado com o nosso cotidiano. Em pesquisas de opinião pública, quando se indaga quando as maiores preocupações do homem contemporâneo, verifica-se que segurança se encontra quase sempre entre as três principais. A Organização mundial de saúde (OMS) passou a considerar a violência como um problema de saúde pública, pois a violência é, em quase todos os países do mundo, a principal causa de mortalidade na faixa etária dos 15 aos 45 anos.

Uma relevante questão relacionada à criminalidade humana é a que se ocupa com a conduta diante do delinquente: O que fazer? Como agir? Em O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec inseriu, no capítulo XI, uma mensagem mediúnica que trata do tema: Caridade com os criminosos. Uma leitura atenta dessa mensagem nos leva a propor, didaticamente, quatro atitudes que podem e devem ser direcionadas àqueles indivíduos que vêm assumindo um comportamento antissocial.

Primeira atitude: limitadora do dano

Indivíduos que ainda não se encontram em condições de viver em sociedade, em decorrência de sua ação nociva, devem ser afastados dela, até que demonstrem atitude mental de mudança de pensamento. O afastamento provisório do delinquente da sociedade tem três finalidades: poupar a sociedade de sua ação deletéria, impedir que ele continue agravando seu comprometimento espiritual e levá-lo a refletir em torno de sua ação equivocada, através de uma ação corretiva e educadora.

Na obra Memórias de um suicida, recebida pela mediunidade de Yvonne Pereira, o autor espiritual relata que, no Hospital Maria de Nazaré, que se responsabiliza pelo acolhimento de suicidas, existe um local destinado à reclusão de grandes criminosos (obviamente locais condizentes com a dignidade humana), e que ali são detidos até que demonstrem sinais de arrependimento. Um desses criminosos, Agenor Penalva ali se encontrava há 38 anos.

Comenta Kardec que se não lhes pusesse um freio às agressões, todos os bons seriam suas vítimas[i]e que, confiante na impunidade, retardaria seu avanço.[ii]

Segunda atitude: compassiva

Afirma Santo Agostinho que a justiça não exclui a bondade.[iii] Irmã Rosália lembra-nos que jamais devemos tratar com desprezo o nosso semelhante[iv]. Em verdade, dois erros não fazem um acerto: são apenas dois erros diferentes! Se agirmos em relação ao criminoso de forma equivalente àquela em que ele age em relação à sociedade, nos igualamos a ele e perdemos a autoridade para corrigi-lo. Lembra Kardec que autoridade legítima é a que se apoia no exemplo que dá do bem.[v] Assim, a tortura, a desconsideração, a humilhação e o apequenamento do delinquente apenas agravam o rancor que muitos nutrem em relação à sociedade e em nada contribuem em seu melhoramento moral.

Terceira atitude: instrutiva  

Os índices de criminalidade são muito menores nas nações com mais alto nível de escolaridade e estudos, mostraram que a violência e a criminalidade declinam proporcionalmente à elevação do QI (coeficiente de inteligência) e ao hábito da leitura.

Quando se examinam as causas do processo civilizador e da aceleração dos sentimentos humanitários que se iniciaram nos séculos XVI e XVII e se estendem aos nossos dias, a aquisição de conhecimento é colocada como das mais relevantes. O conhecimento é um recurso inesgotável de força psíquica, e quanto mais se usa, mais se tem. Segundo Steven Pinker, neurocientista de Harvard[vi], a ordem dos eventos segue essa direção: avanços tecnológicos na atividade editorial, produção em massa de livros, expansão da alfabetização e popularidade do romance e as grandes reformas humanitárias dos séculos recentes. A reforma humanitária, caracterizada por uma crescente redução das taxas de violência e criminalidade, associada a uma maneira diferente de ver o outro - não como um estranho a quem devo rejeitar, mas como semelhante a quem me cabe acolher – foi precedida por uma revolução da leitura.

Acredita Pinker que ler é uma tecnologia para mudança de perspectiva. Quando nós temos na cabeça os pensamentos de outra pessoa, observamos o mundo do ponto de vista dessa pessoa e compartilhamos suas atitudes e reações. Abre-se para nós outras janelas para o mundo, entendemos que as coisas podem ser diferentes, sem que sejam necessariamente melhores ou piores, e encontramos recursos emocionais para acolher o outro. Os romances, nesse particular, trazem à vida as aspirações e privações de pessoas comuns, e exercita a nossa habilidade de nos pôr no lugar do outro, o que, por sua vez, nos indispõe contra punições cruéis e outras violações dos direitos humanos. Os filósofos do Iluminismo louvavam o modo como os romances levavam o leitor a se identificar com outras pessoas e sentir por elas um interesse compassivo.

Quarta atitude: educadora

Agenor Penalva, asilado no Hospital Maria de Nazaré, há 38 anos, recebia visita diária de um sacerdote/psicólogo que dialogava longamente com ele, apresentando-lhe os princípios fundamentais da ética universal da criatura humana. Embora as leis morais existam na consciência humana[vii], muitos de nós as esquecemos e torna-se necessário que nos sejam lembradas[viii]. Comenta Kardec que: não há culpados que se não possam regenerar por meio da persuasão e do exemplo [...]. Os Espíritos, por mais perversos, acabam por corrigir-se com o tempo. O fato de muitas vezes ser impossível regenerá-los prontamente, não importa na inutilidade de tais esforços. Mesmo a contragosto, as ideias sugeridas a tais Espíritos fazem-nos refletir. São como sementes que, cedo ou tarde, tivessem de frutificar. [ix]


 


[i] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 11

[ii] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 5

[iii] O Livro dos Espíritos, item 1009

[iv] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 13

[v] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X

[vi] Os anjos bons de nossa natureza

[vii] O Livro dos Espíritos, item 621

[viii] O Livro dos Espíritos, item 621-a

[ix] O Céu e o Inferno, cap. VII, parte II



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita