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por Rogério Coelho

 
Naturismo ou retrocesso?!


A civilização é incompatível com o estado de natureza


“(...) Os Espíritos foram criados simples e ignorantes. Deus deixa que o homem escolha o caminho. Tanto pior para ele, se toma o caminho mau: mais longa será a sua peregrinação.” O Livro dos Espíritos – q. 634.


Proliferam tanto no Brasil como no estrangeiro alguns bolsões do naturismo, cuja filosofia de vida é, entre outras coisas, a volta ao nudismo primitivo da taba. (?!)

Seus defensores agarram-se aos mais deslavados sofismas para se justificarem perante a atônita e perplexa sociedade civilizada...

Um desses bolsões, incompreensivelmente criado por um ex-sacerdote católico, localiza-se numa região serrana do Estado do Rio Grande do Sul, atraindo aficionados das mais longínquas regiões do país, inclusive (pasmem!) famílias inteiras.  

Em entrevista dada a um sensacionalista programa de televisão, o ex-sacerdote, atingindo o zênite do paralogismo, inverte a situação perguntando ao repórter: “o senhor já viu por aí um boi, uma vaca, ou qualquer outro animal usando roupas? Seria ridículo, não? Pois se os animais andam nus, sem chamar a atenção de ninguém que mal há em que o ser humano também o faça?”

Vejamos se na Codificação encontramos respaldo para esse disparate! Segundo Allan Kardec[1],“as condições de existência do homem mudam de acordo com os tempos e os lugares, do que lhe resultam necessidades diferentes e posições sociais apropriadas a essas necessidades. À razão cabe distinguir as necessidades reais das factícias ou convencionais. (...) A responsabilidade do homem é proporcional aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal”.

Reflitamos em torno das questões 776 a 778 de “O Livro dos Espíritos”:

776.  Serão coisas idênticas o estado de natureza e a lei natural?

“Não. O estado de natureza é o estado primitivo. A civilização é incompatível com o estado de natureza, ao passo que a lei natural contribui para o progresso da humanidade.

 O estado de natureza é a infância da humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral. Sendo perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, o homem não foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não o foi a viver eternamente na infância. Aquele estado é transitório para o homem, que dele sai por virtude do progresso e da civilização. A lei natural, ao contrário, rege a humanidade inteira e o homem se melhora à medida que melhor a compreende e pratica.”

777.  Tendo o homem, no estado de natureza, menos necessidades, isento se acha das tribulações que para si mesmo cria, quando num estado de maior adiantamento.  Diante disso, que se deve pensar da opinião dos que consideram aquele estado como o da mais perfeita felicidade na Terra? 

“Que queres! é a felicidade do bruto! Há pessoas que não compreendem outra. É ser feliz à maneira dos animais. As crianças também são mais felizes do que os homens feitos”.

778.  Pode o homem retrogradar para o estado de natureza?

“Não. O homem tem que progredir incessantemente e não pode volver ao estado de infância. Desde que progride, é porque Deus assim o quer. Pensar que possa retrogradar à sua primitiva condição fora negar a lei do progresso.”

779. A força para progredir, haure-a o homem em si mesmo, ou o progresso é apenas fruto de um ensinamento?

“O homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente. Mas, nem todos progridem simultaneamente e do mesmo modo. Dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contato social.”

Concluímos, assim, com os Espíritos Amigos que – paradoxalmente – o naturismo não tem nada de natural, constituindo-se para o homem civilizado tão somente um retrocesso, uma marcha às avessas, ao tempo da barbárie, um retorno à infância...

É bom notar que ainda existe aqui outra agravante nesta questão: a atuação dos obsessores, pois, sem dúvida, a única explicação racional que conseguimos vislumbrar para um sacerdote despir a sua batina e adotar o nudismo como opção de vida só mesmo debitando isso a uma arrebatadora e soez obsessão.

Façamos agora um giro pela área da psicologia junto com José Bleger, para que não nos acoimem de espírita fanático, puritano, retrógrado e misoneísta. Eis o extrato que tiramos de seu livro que estuda a conduta do homem[2]:


O MITO DO HOMEM NATURAL

Postula-se, nesse tipo de concepção, a existência de um estado ou essência originária do ser humano, que se corrompeu ou distorceu pela influência da civilização; em choque com o socialmente adquirido, que constitui o artificial. O estado natural do homem é, então, sustentado como o genuíno ou ideal. Daqui inferiu-se, em algumas ocasiões, que o caminho correto é o da “volta à natureza”, o retorno ao estado originário, natural, desfazendo ou apartando todo o culturalmente adquirido e condicionado no ser humano...

Nesse tipo de postulação, implica-se que o homem natural é bom e tem qualidades que se perdem ou perturbam por influência da organização social; de tal maneira chegou-se a construir uma imagem desse tipo ideal de ser humano ou a supô-lo existente em culturas ou populações de organização primitiva. O desenvolvimento da cultura dá, assim, um verniz superficial ao ser humano, mas, por debaixo desse, acha-se sua natureza originária, que, dessa maneira, é irremovível e fixa, e pode ser reencontrada ou posta novamente em primeiro plano.

Nesse aspecto, sustentaram posições semelhantes autores tão diversos como Rousseau, Klages e Lessing. No século dezessete, Hobbes, Spinoza e Locke postulavam um “estado natural” anterior à civilização e isso implicava considerar essa última como artificial e convencional. Para Rousseau, as artes e as ciências produziram uma decadência do ser primitivo, essencialmente bom, que assim corrompeu-se pela influência cultural, afastando-se de sua relação direta e imediata da Natureza e de sua bondade originária; a cultura é algo artificioso e por ser antinatural provoca a decadência do ser humano.  

Lessing desenvolveu também um “naturalismo” como a fonte autêntica da vida, distorcida pela ação dos homens.

Na teoria do “homem natural” é necessário reconhecer, segundo o estabelece corretamente Bidney, duas coisas diferentes: por um lado, a suposição de um estado natural pré-histórico originário, do qual emergiu o homem atual, e – em segundo lugar e por outra parte – um estado universal presente, pelo qual o homem, em todos os lugares e em todos os tempos, é o mesmo; não se trata, nesse último caso, de uma condição genética pretérita e sim de uma condição universal do ser humano que subsiste como tal por debaixo das modificações culturais que são, assim, meramente superficiais...

Sabemos, na atualidade, que não existe tal “homem natural” e que essa teoria é a prolongação, no campo científico, de uma fantasia de caráter religioso, que supõe o homem engendrado de forma pura pelas mãos de Deus, para logo sofrer uma decadência ou “queda”no pecado e na culpa.

As investigações antropológicas demonstraram, de forma incontroversa, que os indivíduos de culturas primitivas não são seres naturais e que sua personalidade está funcionalmente correlacionada com a estrutura total de sua respectiva organização social, que tampouco é simples e singela e sim altamente complexa...

Sabemos que o homem é um produto histórico, transforma a Natureza e, nesse processo, cria a cultura e transforma a sua própria natureza. Com o homem aparece uma nova maneira de se adaptar: a de criar novas condições ambientais, transformando o meio natural, e esse processo o pode realizar, em parte, prevendo os resultados e os objetivos.  O próprio homem é também produto de um desenvolvimento histórico e se torna uma nova natureza: “a humana”.

(...) O homem é o único dos seres vivos que pode pensar a si mesmo como objeto, utilizar o pensamento, conceber símbolos universais, criar uma linguagem, prever e planificar sua ação, utilizar instrumentos e técnicas que modificam a sua própria natureza. Ainda que formando parte da Natureza, pode, em certa medida, ser independente dela.

Segundo informes dos Espíritos Superiores[3]“(...) há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus”.

Vemos, assim, tanto com os ensinamentos dos Maiores da Espiritualidade quanto com os dos estudiosos encarnados, que nada justifica a comparação infeliz do ex-sacerdote travestido de troglodita, que menos mal faria pregando os ancilosados dogmas católicos do que revivescendo o romântico, mas irreal mito de Adão e Eva no Paraíso.

Por essas e outras é que não têm faltado a paciência e a misericórdia dos Espíritos Superiores, entre Eles o Espírito de Verdade, que declarou[4]“(...) sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Crede, amai, meditai sobre as coisas que vos são reveladas; não mistureis o joio com a boa semente, as utopias com as verdades”.
 

 

[1] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio: FEB, 2006, questões 635 e 637 (Notas de Kardec).

[2] - José Bleger. “Psicologia da Conduta” – Capítulo 1 – Editora Artes Médicas Sul Ltda.

[3] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 597a.

[4] - KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 125.ed. Rio: FEB, 2006, cap. VI, item 5, § 4º.


 

 

     
     

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