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por Leda Maria Flaborea

 

Na renovação de cada dia


“Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova dia a dia.”  - 
Paulo (II Coríntios, 4:16.)


Na segunda carta ao povo de Corinto, em trecho bastante significativo, Paulo de Tarso, o apóstolo do Cristo, afirma a superioridade dos ensinamentos de Jesus, a necessidade de transformação das consciências, o viver pela fé, pelo Espírito - essência desses ensinos - e não pela escrita e atos exteriores. Insiste que a renovação da alma se efetua pelo trabalho que ela realiza para o bem de todos.

Fala de suas atribulações, demonstrando a grandeza de sua alma, dizendo textualmente: “somos atribulados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não aniquilados; embora em nós, o homem exterior (referência ao corpo físico) vá caminhando para a ruína, o homem interior (referência ao Espírito) se renova dia a dia” (...) “O que se vê”, prossegue ele, “é transitório, mas, o que não se vê, é eterno”.

A afirmação de Paulo é correta. Jesus havia dito que cada um receberia de acordo com o que tivesse realizado de bem e de bom, de nobre e justo para si e para todos aqueles que lhe compartilhassem a existência. Por esta razão, o trabalho espiritual de renovação, de transformação na forma de sentir, pensar e agir é, segundo o ponto de vista de Jesus e da afirmação do apóstolo, material importante para nosso aperfeiçoamento evolutivo.

Para tanto, não poderemos nos deixar iludir pela transitoriedade da matéria e, sim, procurarmos fincar a semente do amor e da caridade em nossos corações, amando e edificando em nosso íntimo a humildade, a mansuetude, vigiando nossos pensamentos e orando para que Deus ilumine nossos caminhos, com a determinação e a real vontade de cumprir os compromissos assumidos com a Espiritualidade maior.

Em virtude da Lei de Progresso, tendo cada Espírito a possibilidade de conquistar o bem que lhe falta e libertar-se do mal, de acordo com seus esforços pessoais e a sua vontade, resulta que o futuro estará aberto para qualquer criatura. E isto é, sem dúvida, uma grande notícia.

Visto desta forma, o sofrimento é inerente à imperfeição, como a felicidade é inerente à perfeição. Cada um leva, portanto, em si próprio, onde quer que se encontre, as consequências naturais das suas escolhas ilusórias. Por exemplo, a doença decorrerá dos excessos e, o tédio, da ociosidade.

Então, o mal e o bem que praticamos são resultados das boas ou das más qualidades morais que possuímos. Pela Justiça divina, as atribulações, as dificuldades pelas quais passamos, nesta encarnação, vão variar segundo a natureza e a gravidade das escolhas que tivermos feito ou fizermos ainda.  De qualquer modo, independentemente de sermos Espíritos cordatos ou rebeldes às leis divinas, Deus nunca nos abandona.

Entendemos, assim, que para melhorar a vida futura – muitas vezes ainda nesta existência – precisaremos nos desfazer das imperfeições morais da vida presente, pois “cada dia tem sua lição, e cada experiência deixa o valor que lhe corresponde”, segundo leciona Emmanuel, no livro Fonte Viva, lição 141.

Todavia, o trabalho de renovação das disposições íntimas vai exigir, de todo aquele que se proponha executá-lo, perseverança e determinação. Perseverança, por causa da necessidade da repetição contínua e sistemática na correção do desvio feito nos caminhos da existência, e determinação para que não se abandone o comprometimento com essa nova atitude.

Importante notarmos que as ideias fantasiosas que temos sobre renovação deixam-nos presos, acorrentados a outros erros, e iludidos na certeza de que a estamos realizando. Isso é um alerta para que repensemos, mais uma vez, as nossas predisposições diante dos problemas da vida e das pessoas com as quais convivemos.

Quase sempre, por desconhecimento, apenas trocamos o nome, o rótulo de antigos enganos, que insistimos em manter – nos agrada tal situação -, distorcendo o verdadeiro significado de tal fato. Esse engano, parece-nos, está ligado a essa noção equivocada de que estamos, realmente, comprometidos com a mudança, mas não estamos ainda.

A verdade é que se observarmos nossa conduta, poderemos perceber, muitas vezes, que insistimos em cometer os mesmos erros, fazendo as mesmas escolhas equivocadas e guardando a certeza de que já havíamos superado essa fase. Mas é a consciência dessa repetência que permitirá nos coloquemos em alerta, pois poderemos saber que, ainda, estamos no início da caminhada e distantes dessa superação.

As situações, nas quais somos chamados a dar testemunho daquilo que já aprendemos – e quase sempre supomos que já o fizemos –, constituem-se em excelentes vitrines para essas observações. São armadilhas que surgem para que nos testemos, para que tenhamos um parâmetro da nossa evolução, para que possamos medir o quanto, ainda, a paciência, a tolerância com as diferenças, o entendimento fraterno a quem nos agride, a capacidade de perdoar e esquecer e tantos outros, que imaginávamos já dominar, estão longe do ideal da prática amorosa que Jesus nos ensinou.

São decepções que infligimos a nós mesmos e que sacodem a nossa acomodação, no pouco que fizemos, mas que supomos ser muito. É importante lembrar aqui que qualquer avanço na senda do progresso é louvável e, às vezes, requer muito esforço de quem o executa.

O que não pode ocorrer é a estagnação desse movimento renovador, com a justificativa de que muito já foi feito. Isso nos desequilibra e nos adoece física e emocionalmente, permitindo que, inúmeras vezes, sejamos alvos fáceis de aproximação de outras mentes em desalinho, sejam elas encarnadas ou desencarnadas. Por essa razão, a superação de sentimentos inferiores, sob o ponto de vista de Jesus, como os de revide, vingança, vaidade, personalismo, por exemplo – expressões do egoísmo na vida de relação –, é de vital importância para a recuperação e manutenção do equilíbrio e da harmonia no âmbito da vida íntima. É essa condição que nos permitirá não sermos feridos pelas situações aflitivas e conflitantes que nos cercam, proporcionando outro olhar sobre essas armadilhas, um olhar com objetividade, dando a cada situação o justo peso de importância. Poderemos citar como exemplo o sofrimento de uma mãe porque o filho deixa o quarto desarrumado, enquanto fica ouvindo música, esquecendo-se de dar graças a Deus por ele estar em casa e não perdido nas ruas pelo vício.

Para que isso ocorra, faz-se mister buscar conhecer nossos sentimentos – raiz de nossas escolhas –, dimensioná-los, estabelecendo prioridades para serem trabalhados, com foco nas suas transformações, partindo do mais simples e, portanto, do mais fácil – aquele mais imediato, mais próximo, que está mais claro para nós – para o mais complexo e mais difícil. Um exemplo comum: a maneira diferente de fazer as tarefas gerando brigas; objetos fora de lugar. São situações às quais é dada uma importância que elas realmente não têm.

O mais importante nesse processo, em última análise, é ter a coragem de identificar esses sentimentos malsãos, iniciar a tarefa de renovação e, depois, permanecer nesse caminho.

Passeando entre a luz e a sombra, a razão e a emoção, nunca acertaremos a rota se não nos comprometermos com a mudança e perseverar nela, mesmo que se tenha de refazer os passos mil vezes.

Muitos de nós creem que somente a fé em Deus seja suficiente para que essas mudanças ocorram. Entretanto, a proposta de renovação, a qual Jesus nos convida a realizar, transcende a simples fé divina. Ela vai além e toca na essência do Espírito, na vontade genuína de realizá-la. 

Daí a presença dessas duas forças transformadoras em nós: a fé humana e a fé divina, porque, ainda que se aceite a soberana presença de Deus em nossa vida; ainda que a fé nos leve a adorá-lo em Espírito e Verdade; ainda que a Natureza O revele através das belezas que nos cercam, se não O sentirmos e mostrarmos isso ao mundo, através de nossas atitudes, nada terá sentido. Aceitar a Sua presença e não vê-lo no próximo é cegueira mental; adorá-lo em Espírito e Verdade e só colocá-lo em altares terrenos é diminuir-lhe a majestade; e vê-lo revelado em Suas obras e não entendê-lo é olhar-se no espelho e não o reconhecer em si mesmo, pois somos uma de suas obras.

É na busca dessa identidade com o Criador que reside nossa luta renovadora. “O Pai e eu somos um só”, disse Jesus, mostrando que, somente pela superação de nós mesmos e da materialidade na qual insistimos em permanecer, seremos livres e nos reconheceremos, finalmente, como filhos de Deus. 

 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita