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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Deus nos livra do mal?


Podemos esperar o afastamento total do mal em nossas vidas? Faz sentido exigir tal coisa da parte do Criador? Já conseguimos entender o mal na sua exata medida? Tais indagações ensejam muitas cogitações. No entanto, vamos analisar alguns fatos para ajudar no entendimento da questão. Em primeiro lugar, ao que se sabe, “o mal” sempre permeou este planeta desde o momento em que ele passou a abrigar seres inteligentes. Em segundo, guerras, doenças, morticínios e penúria sempre estiveram ao lado dos humanos em sua luta diária pela sobrevivência. Em síntese, as sombras do mal – entendido aqui como experiências pungentes – sempre existiram neste orbe simplesmente porque materializá-las tem sido a opção de bilhões de almas.

 Explicando melhor o raciocínio, esperar que Deus nos livre do mal, especialmente quando o vemos ainda presente em tantos setores, soa como algo utópico. Portanto, talvez seja melhor concluir que há certa fatalidade em enfrentarmos o mal em nossos caminhos ascensionais. Afinal de contas, na sua acepção mais estreita, ao causamos mal a outrem, é certo que haveremos de senti-lo igualmente em algum momento mais adiante.

Dito de outra forma, sentir o mal é inerente à experiência humana. Criamos sociedades imperfeitas porque assim também nós somos. Desse modo, é lógico, portanto, ser atingido por coisas desagradáveis, frustrantes ou até mesmo fatais. Por outro lado, temos de reconhecer: “o mal” serve de acicate ao desenvolvimento espiritual humano. Analisando essa problemática, o Espírito Emmanuel, no livro Vinha de Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), lembra, com precisão, que “A superfície do mundo é, indiscutivelmente, a grande escola dos Espíritos encarnados”.

Em sendo um educandário para as almas, não se pode, destarte, esperar facilidades imerecidas. Diante dessa realidade, ocorre que muitos se aproximam das religiões imaginando obter privilégios indevidos, suavidades no caminho redentor, soluções para problemas complexos gerados pelo próprio Espírito infrator etc. Não conseguem entender que é “Impossível recolher o ensinamento, fugindo à lição”, como observa Emmanuel. O nobre mentor ainda pontua que “Ninguém sabe, sem aprender”. Então resta-nos concluir que – gostemos ou não – a experiência dolorosa é decisiva para o aperfeiçoamento humano.

Seria ingenuidade aguardar que o avanço da alma aconteça sem esforço, disciplina e resignação diante das provas acerbas (às vezes, consideradas apenas como expressão do mal sem qualquer cogitação quanto ao seu lado transcendental). Nesse sentido, o benfeitor recorda que Jesus, embora tenha rogado ao Pai Celestial a libertação do mal, não lhe “pediu o afastamento da luta”, ou seja, “Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora” (João, 12: 27), reconhecendo, assim, que ali se encontrava para cumprir uma sagrada missão. Ademais, a história da evolução humana mostra, com muita clareza, que o avanço do homem tem se dado através de muita luta e esforço. Em outras palavras, cada um haverá de enfrentar a sua “hora” de sacrifícios e lutas próprias do caminho.

Reforçando esse entendimento, cabe lembrar a recente desencarnação de uma garota de 12 anos, ocorrida aqui no Estado de São Paulo. A última imagem dela viva, detectada por câmeras de ruas, registrava o seu despreocupado passeio sobre patins. Dias depois do seu desaparecimento, o seu corpo inerme foi encontrado. A causa da morte, segundo os peritos forenses, fora estrangulamento. O mal praticado por outrem a abatera de forma fulminante. Mas consideremos que, se o “mal” não havia sido afastado daquela criança indefesa, é porque o seu curto plano de vida corpórea assim previa. Habitando aquele corpinho, cumpre observar, havia um Espírito milenar certamente com males a expurgar para o seu completo restabelecimento diante das leis universais. O autor da tragédia agiu, se é que outros não participaram, na sua impiedade e falta de compaixão, como infeliz instrumento de reparação àquela alma.

Recordemos ainda os relatos de inúmeras e consagradas obras espíritas a respeito dos mártires cristãos sacrificados nos círculos da Roma antiga. Não estavam eles ali para dar testemunho do aprendizado de fé e confiança na providência divina? Foram eles poupados? Não. Na verdade, nem poderiam, pois a imolação daquelas criaturas era vital para dar força ao movimento espiritual nascente.

De modo geral, tais acontecimentos podem ser vistos como supostamente maléficos, pois é pouco provável que tragam alegrias e felicidade imediata aos seus protagonistas. Todavia, se conseguirmos enxergá-los com um olhar mais ameno, haveremos de entendê-los como testes pontuais e indispensáveis aos Espíritos. Além disso, devemos também considerar a advertência de Jesus: “E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim” (Mateus, 10: 38).

Explica Emmanuel que se aspiramos servir sob a direção de Jesus, devemos rogar-lhe a libertação do mal – que não raro reside em nós mesmos através de marcas obscuras que trazemos imantadas ao nosso ser devido à nossa imprudência –, mas, em hipótese nenhuma, nos afaste dos lugares de luta – onde há geralmente muitas amarguras e dor –, de modo a aprendermos, em sua sublime companhia, “a cooperar na execução da Vontade Celestial, quando, como e onde for necessário”. Assim considerado, a “cruz” não será um mal, mas um meio de libertação, de alforria da alma endividada perante a espiritualidade maior ou para servir de exemplo a outros que ainda titubeiam no enfrentamento dos embates.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita