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por Claudia Gelernter

 

Algumas reflexões sobre a morte e o luto


A tendência à banalização da morte e do morrer é uma triste realidade que pode ser verificada em todos os meios de comunicação. Nos cinemas, na TV, nos jornais, o destaque surge para o morrer como espetáculo, num desfilar de desgraças que não nos fazem refletir sobre o fato em si.

Além disto, o mundo científico e tecnológico, os avanços da pós-modernidade, com seu apelo de consumo e poder (com afrouxamento e fluidez nos laços entre as pessoas), trouxe grandes avanços para a humanidade, mas, como consequência, uma dura realidade se revela: não há lugar para as expressões de sofrimento, dor e morte. Esta realidade é visível nos grandes centros urbanos, onde os ritos e espaços que possibilitam a integração e a reflexão sobre a morte são pouco valorizados.

Como resultado, temos uma “inércia filosófica”. Não nos permitimos pensar na morte e, com isso, não pensamos em nosso modo de viver. Ficamos fixados nas atividades do cotidiano, levando cada dia como se a nossa própria finitude não fosse a única certeza na vida.

Entrar em contato com a morte nos obriga a encontrar um sentido para a vida, mas também nos leva a buscar o da própria morte...

A não aceitação da morte e do morrer acaba por embotar a elaboração do luto, a aceitação do fato, a reconstrução dos significados. Passa-se do fato morte para outros fatos, sem que se reflita sobre ele, desperdiçando, portanto, valiosas oportunidades de aprendizado. Evita-se falar sobre ela, como se este silêncio a mantivesse distante de nós...

A pesquisadora Maria Cristina Mariante Guarnieri, em sua tese de Mestrado intitulada Morte no Corpo, Vida No Espírito – O Processo de Luto na Prática Espírita da Psicografia, afirma que “No Ocidente tem predominado a ideia de morte como algo absurdo, insensato e como forma de punição. Fruto da secularização, o enfrentamento da dor, do sofrimento e da morte tem se transformado intensamente, caminhando para um distanciamento e para uma negação a tudo o que se opõe à felicidade, à realização e à eficiência”. (GUARNIERI, 2001)

Para nós, Espíritas, o morrer nada mais é que uma passagem. E esta passagem, este momento, pode ser mais ou menos difícil, dependendo, sobretudo, do Espírito desencarnante.

Almas que se dedicaram ao bem, vivendo em harmonia, com desprendimento e confiança na dinâmica da vida, podem desprender-se com maior facilidade de seus corpos, embora saibamos que, enquanto residentes deste planeta de provas e expiações, o período de perturbação do Espírito varia, mas é presente na maior parte das experiências do morrer do corpo e consequente desprender da alma.

Espíritos especialistas no desencarne nos visitam na intenção de prestarem auxílio neste difícil processo. O desligamento dos nossos liames exige técnicas específicas e harmonia na tarefa.

Porém, o que comumente vemos nos velórios? Grupos de pessoas com os mais variados comportamentos:

* Choros convulsivos;

* Anedotas, conversas maliciosas, por vezes sobre o próprio morto, descambando à maledicência;

* Conversas sobre política, economia, moda etc.

Raros se dedicam à formulação de oração de auxílio, preces dedicadas ao Espírito e aos benfeitores que atuam neste momento, auxiliando no sagrado processo de desenlace.

Leituras edificantes e músicas inspiradoras são tão raras quanto os que mantêm em posição de respeito e moderação...

Certo é que, se dependesse apenas da emanação positiva da maior parte dos encarnados no velório, o Espírito se manteria atado ao corpo, talvez para sempre...

No livro Cartas e Crônicas, Humberto de Campos nos traz uma interessante carta escrita por um desencarnado que, para seu azar, morreu no dia de finados.

Conta ele que, na hora de se despedir dos parentes, viu-se às voltas com inúmeros desencarnados que se achegavam ao cemitério, sedentos de cobranças, picuinhas, lutas de família, reclamando cuidados, vinganças etc. O pobre coitado tentava em vão se achegar aos seus. Os que se reuniam em torno do enterro em nada lhe ajudavam.

Ditou que deveríamos orar fervorosamente para jamais desencarnarmos em dia de finados, tamanha a bagunça que se dá nos cemitérios, e que se peça que, de preferência, seja qual for o dia do desenlace, que chova torrencialmente, pois quanto menor o número de pessoas no séquito, melhor!

Isso porque, infelizmente, o padrão mental dos que ali estão em nada ou quase nada contribui na obtenção de equilíbrio do Espírito e de seus familiares.

Um terceiro aspecto a se pensar sobre perdas é o fato de que o luto pode ocorrer não apenas com a morte de alguém significativo, mas com a perda de algo caro ao coração.

Jesus, no maravilhoso Sermão da Montanha, afirmou-nos que onde colocamos nosso tesouro, ali estará nosso coração. Grande verdade e que tem tudo a ver com o luto daqueles que partem: Se colocamos nosso olhar, nossas expectativas nos bens materiais, certamente o luto que experimentaremos com a perda destes bens será de difícil solução. E já que não sabemos o dia da nossa morte, importante nos desapegarmos, o quanto antes...

Viver na Terra usando a matéria não significa escravizar-se, tampouco esbanjar. Equilíbrio nas relações com os bens é sempre o melhor caminho.

O mesmo vale para com as pessoas...

Certamente levaremos nossos sentimentos para o além-túmulo, mas precisamos saber que ninguém nos pertence e não pertencemos a ninguém. Talvez tenhamos de ficar por longo período distanciados daqueles a quem amamos, sem, contudo, deixarmos de nutrir por eles o nosso mais sincero sentimento fraterno.

O Divino Mestre nos alerta para que ajuntemos tesouros no Céu...

Quando nos dedicamos ao entendimento das coisas do “outro mundo”, nossa fé se fortalece, a certeza da bondade Divina nos auxilia a passar pela experiência da separação transitória mais equilibrados.

Certo é que sentiremos saudades...

Afinal, como certa vez disse uma criança que estava prestes a partir deste mundo por conta de uma doença grave, “saudade é o amor que fica...”

Mas saberemos aguardar a vontade do Pai, pois teremos a certeza de que, no devido tempo, todos nos reuniremos para festejar a vitória do verdadeiro amor.

 

Referências:


KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro da 3. ed. francesa rev., corrig. e modif. pelo autor em 1866. 124. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004.

GUARNIERI, M. C. M. Morte no corpo, vida no Espírito: o processo de luto na prática espírita da psicografia. [Dissertação] [Periódico na Internet]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2001.

XAVIER, F. C. Cartas e crônicas. Pelo Espírito Irmão X [Humberto de Campos]. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991.


 

     
     

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