Artigos

por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

Direitos Humanos, Filosofia, Educação e Cidadania


A dimensão educacional do homem não é uma questão nova, mas é um problema atual, que a partir dele se geram conflitos político-partidários e, até, institucionais. Há mais de dois mil anos, Platão já afirmava: “São precisos cinquenta anos para fazer um homem” e, mais recentemente, Kant produzia, numa das suas máximas, um princípio inquestionável: “Tratar o homem como fim, não como meio”. Muitas outras ideias podíamos aqui trazer, todas válidas, atuais e polêmicas.

Quer queiramos, ou não; quer gostemos, ou não, movemo-nos num mundo de valores, o homem não pode negar-se, enquanto ser cultural, apto a transformar a natureza, ainda que parcialmente, em função das suas carências, com a possibilidade de poder escolher os meios e os fins, a partir de valores que a sua cultura lhe oferece. É em função de tais valores que reagimos, que vivenciamos certas experiências, sejam físicas ou psicológicas.

O universo de valores é tão antigo quanto a capacidade que o homem tem de pensar a respeito das suas ações, todavia, só no século XIX é que surge uma teoria dos valores ou axiologia, como disciplina filosófica, específica, que aborda, sistematicamente, esta temática.

Com muita frequência, e muitas vezes de forma abusiva e errada, formulamos juízos de valor, quando descobrimos, em determinadas realidades, um conteúdo que nos provoca atração ou repulsa, pretendemos, afinal, atribuir um critério de verdade a partir da nossa observação.

Com efeito: «Os valores não são, mas valem. Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A não indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao ser. A não indiferença é a essência do valer». (MORENTE, 1996:296)

Naturalmente que no âmbito da Educação, os valores são o fundamento de todas as nossas ações, e é impossível não reconhecer a sua importância na prática educativa, apesar de nem sempre serem nitidamente tematizados pela sociedade e, ao nível dos educadores, nem todos pautarem a sua intervenção por uma axiologia refletida e atenta.

É certo que a educação se tornará mais coerente e eficaz se conseguirmos implementar os valores que esclareçam as bases de uma educação moderna, isto é,  Humanista, em que o primado da dignidade da pessoa humana seja uma constante, como um valor a preservar em quaisquer circunstâncias, aliás, não haverá teoria da educação que possa ignorar os valores éticos, morais, políticos e estéticos.

Evitando uma conceptualização demasiado redutora, entendemos, hoje, a moral como um conjunto de regras ou normas de conduta, observadas pelos indivíduos de um determinado grupo social, com o objetivo de organizar as relações interpessoais, justamente, segundo os valores do bem e do mal.

As sociedades, assim organizadas, estimulam um determinado número de comportamentos, considerados adequados aos valores em vigor, e sancionam, pela negativa, aquelas atitudes que não se conformam à moral vigente, seja através da reprovação declarada, seja pelo desprezo, indignação ou afastamento.

No âmbito da práxis educativa, não é linear que se possa ensinar, no sentido acadêmico de dar lições, por exemplo, sobre o que são: a virtude, a justiça, a coragem, a piedade, a esperança, a modéstia, o altruísmo, a obrigação e tantas outras, mas já é possível revelar a dimensão formal e processual da constituição da consciência moral, e criar condições para que as pessoas alcancem altos níveis de moralidade.

O auge da vida moral, no sentido da perfeição, será um objetivo impossível de alcançar para o ser humano, no entanto, à medida que o homem se desenvolve pela inteligência e pela afetividade pode atingir parâmetros cada vez mais adequados à compreensão racional do mundo e conseguirá ultrapassar atitudes egocêntricas, pelos valores da solidariedade, humildade e reciprocidade.

Vivemos num mundo complexo, de contrastes extremos, de uma certa relativização dos valores fundamentais que enformam (ou deveriam enformar) a dignidade humana. A educação vem desempenhando um papel que nós, professores e formadores, consideramos insubstituível, de uma importância vital para o desenvolvimento, não exclusivamente técnico, mas simultaneamente do cidadão, do saber ser, do saber estar e do saber conviver com os outros.

A educação deve, assim, atender às exigências primordiais da formação do cidadão, não tanto fazer reivindicações de elites, nem expectativas das minorias privilegiadas, detentoras do poder quase ilimitado, ainda que democrático, muito embora tenhamos que reconhecer que nenhuma educação é totalmente neutra.

Na discussão contemporânea a respeito da política, a democracia é considerada como um objetivo supremo, no sentido do bem, todavia, este ideal colide, quantas vezes, com velhas estruturas instaladas; por outro lado, nas sociedades autoritárias, o poder é exercido por poucos e exclui a maioria da população da faculdade de decidir no seu próprio interesse, contrariamente, na democracia, o poder é distribuído pelos grupos que compõem a sociedade, sendo este regime o que mais favorece a cidadania, logo, desejavelmente, os Direitos Humanos.

A educação desempenha (pode e deve cumprir) aqui um papel crucial na formação da cidadania, pese, embora, a circunstância de ter que enfrentar atitudes de segregação, preconceito, exclusão e tantos outros comportamentos desviantes, ou então, porque as pessoas estão acostumadas a obedecer dentro de um regime autoritário, hierarquizado, coercivo e persecutório.

Neste cenário, não é suficiente a escola, isoladamente considerada, pois é preciso mobilizar um esforço conjunto e permanente: dos governos, pais e encarregados de educação, professores, formadores, alunos, formandos, coletividades, a sociedade civil em geral.

Educar para a cidadania e Direitos Humanos é, portanto, uma tarefa árdua, porém gratificante. Devemos implementar uma ética política que se estenda às relações de trabalho, à vida familiar, às relações na escola, exigindo do Estado que cumpra com as suas obrigações Constitucionais.

Há muito para fazer na educação, desde logo: dar melhor formação humana, técnica e científica aos professores e formadores; aceitar os docentes e formadores experientes na vida quotidiana, dotados de vivências humanas ricas, sem o preconceito e o normativo dos limites de idade; escolas bem equipadas; análises e debates crítico-construtivos, sobre quaisquer situações do mundo atual. Enfim, uma educação que conduza ao pleno respeito pelos Direitos Humanos e de plena cidadania.

Ao longo dos trabalhos que têm vindo a ser publicados e de outros prontos para o mesmo efeito, tem sido preocupação dominante do autor da presente reflexão desenvolver as investigações possíveis, numa perspetiva ecléctica e interdisciplinar, no sentido de destacar a importância da Filosofia, em particular, e da ciência em geral, no contributo que pode dar para uma melhor vida dos cidadãos, num mundo que se pretende de Paz, Progresso, de Solidariedade, de Democracia e Tolerância, no pleno respeito pelos Direitos Humanos.

Têm sido abordadas quatro dimensões, de entre outras, que caraterizam o homem dos nossos dias: a Filosofia, a Religião, a Ciência e a Educação/Formação para os valores humanos, porque, verdadeiramente, na transição do século XX para o XXI, que também coincidiu com a passagem do segundo para o terceiro milênios, os problemas que afetam a humanidade exigem que o homem os resolva: quer pela reflexão ponderada; quer pela intervenção equilibrada; quer pela formação cívica, contudo, estas vertentes do conhecimento humano, também elas reagem às permanentes instabilidades do nosso tempo, atravessam crises mais ou menos profundas, e emergem com novos conceitos, com novos paradigmas, com novos valores que, sendo respeitáveis, há que ajustá-los às atuais realidades.

Neste período transitório, devemos, todos juntos, aproveitar as potencialidades dos diversos ramos do saber, conjugar esforços, reunir sinergias e, entre filósofos, religiosos, cientistas e educadores/formadores, construirmos os padrões da insubstituível dignidade humana, para podermos vencer os inúmeros desafios que nós próprios nos colocamos, uns aos outros.

O trabalho que agora desenvolvo, da minha exclusiva responsabilidade, poderá ser um modesto e ínfimo contributo para, quanto mais não seja, ao nível da comunidade nacional, poder melhorar a minha intervenção, não só como cidadão, como professor, formador, mas principalmente como homem e, nesse sentido, pesem embora as crises por que passam as áreas disciplinares aqui abordadas, creio estar na hora de ultrapassarmos velhas querelas, velhas rivalidades, e resolvermos os problemas das nossas populações. Será, certamente, no respeito pelos direitos e deveres de cada um que se chegará a consensos alargados.

Podemos abordar a problemática dos Direitos do Homem a partir de várias possibilidades estratégicas, metodológicas ou mesmo teleológicas, contudo, numa forma simples e clara, parece-me pertinente invocar o princípio segundo o qual: «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade» (ONU, 1948 Artº 1º), ao qual se acrescentaria a máxima: «Não se deve perder a fé na humanidade: a humanidade é um oceano limpo e um par de pingos sujos não sujam o oceano» (Gandhi).

Aproxima-se a comemoração do 69º aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948-2017). Infelizmente com o recrudescimento de conflitos e fundamentalismos diversos, deve constituir real incentivo, e preocupação, para que as problemáticas dos Direitos (e Deveres) Humanos comecem a ser tratadas com o devido e merecido discernimento e seriedade que merecem; sendo sabido que hoje, ainda que, possivelmente, menos que ontem, os Direitos Humanos, que abarcam um conjunto muito vasto das dimensões da vida humana, continuam a ser discutidos como carta de “boas intenções”, concretamente por interesses econômicos ou burocracias instaladas, por ditaduras e repressões políticas, geoestratégicas, econômicas e, eventualmente, outras.

A manifesta indiferença com que os Direitos Humanos são invocados é, cada vez mais, alvo de denúncia por parte das Organizações Não Governamentais, do olhar indiscreto da Mídia, dos bilhões de pessoas que sentem na vida diária a miséria, o analfabetismo, a intolerância, as discriminações, a violência e a guerra.

A este propósito veja-se a situação portuguesa (2008) que, de acordo com o Jornal Nacional da TVI de 11 de julho de 2008, segundo o qual: cerca de dois terços dos portugueses, à época, viviam com muitas dificuldades, um milhão, com aproximadamente dez euros por dia e cerca de duzentos e cinquenta mil com cinco euros diários. Hoje, felizmente, algumas situações alteraram-se, para melhor. Por outro lado, novos desafios apareceram: eutanásia, tráfico de órgãos, clonagem, degradação e delapidação do meio ambiente, até mesmo o processo de globalização das economias.

A subordinação dos cidadãos à influência resultante dos poderes econômico, bélico, recursos naturais privilegiados e outros, que em alguns casos se transforma no poder dos que “querem, podem e mandam”, verifica-se, em todos os cantos do mundo. Os Relatórios da Anistia Internacional, das Organizações Não Governamentais e denúncias dramáticas da própria Igreja Católica são a prova insofismável de que ainda há “muitos pingos sujos a sujarem o oceano da humanidade” que se pretende livre, justa, digna e pacífica!

A problemática dos Direitos do Homem é, obviamente, muito complexa, porque a noção de Direitos do Homem é tão frequentemente utilizada, como raramente esclarecida, mas é indispensável clarificá-la, porque coloca tais direitos no centro da política, no seio das relações entre o Poder e a Pessoa, o que determina, deste modo, a política dos direitos, isto é, a conduta dos homens em sociedade, face aos seus possíveis direitos, ou, dito de outro modo: «Os Direitos do Homem são a resultante principal e o sinal mais revelador da relação entre o poder e a pessoa, ou seja, da primeira relação política. Assim, a sua problemática é a do próprio Poder. No seu conjunto, a Filosofia política negligenciou, durante muito tempo, a pessoa e as suas prerrogativas para se interessar, preferencialmente, pelo Poder, dirigindo-se à pessoa apenas por via indireta» (MOURGEON, 1982:34).

Naturalmente que a conduta dos homens, em sociedade, tem a ver, necessariamente, com o reforço da responsabilidade individual, tanto mais indispensável quanto mais livre essa sociedade for. A responsabilidade individual aparece, assim, associada ao tema “liberdade”, ou, se quisermos, a liberdade anda sempre associada à responsabilidade.

Na verdade: «A necessidade de liberdade e de autonomia é tão congênita ao homem como a do Poder, constituindo ambas as componentes principais da política, num antagonismo permanente. A tragédia da política e dos Direitos do Homem está toda na divisão da pessoa e, a partir daí, da sociedade, entre a obediência e a libertação» (Ibid.:38).

Hoje, não podemos falar de responsabilidade individual, sem referência a valores, e da origem destes, os quais nasciam, tradicionalmente, na sociedade e eram apoiados pela família e pela Igreja, afinal, a preservação do Estado Democrático, em cujos vértices se situam a liberdade, a responsabilidade e os valores capazes de fundamentar, nos membros da sociedade, a vontade de defender e consolidar a liberdade.

Tais valores que se identificam com o amor da liberdade, com as virtudes cívicas (verdade, solidariedade, lealdade, aplicação ao trabalho, deveres e Direitos Humanos), cuja diversidade de aplicação comporta, enfim, uma dualidade de propensões simultâneas: «A Tendência para a reivindicação dos direitos face ao Poder e a Tendência para a organização dos direitos pelo Poder, levadas às últimas consequências: a primeira é a mãe das resoluções; a segunda origina repressões» (Ibid.:43).

Invoca-se, atualmente, com demasiada frequência (correndo-se o risco de cair na banalização) a propósito, e algumas vezes a despropósito, os Direitos Humanos, contudo, nem todos sabemos, objetivamente, o que isto é, e vários conceitos surgem em função de determinadas ideologias político-institucionais, dizendo que: «se trata de prerrogativas concedidas ao indivíduo/grupo, tidas por essenciais, que toda a autoridade política (e todo o poder em geral) teria obrigação de garantir o seu respeito, constituindo os Direitos do Homem as proteções mínimas que permitem ao indivíduo/grupo viver numa vida digna desse nome, defendido das usurpações do arbítrio estatal» (HAARSCHER, 1993:13).

Será oportuno afirmar-se que os Direitos do Homem representam as regras do jogo mínimas, que devem ser respeitadas pelos governos e pelos governados, para que uma vida digna desse nome seja possível numa sociedade civilizada.

Indiscutivelmente que os Direitos Humanos pressupõem valores, que a Sociedade Organizada, e convencionada, procura respeitar, destacando-se a liberdade, qualquer que seja a perspectiva, isto é, consideremos a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de educar.

A civilização ocidental, neste domínio, tem sido pioneira, aliás, poderá parecer um lugar comum afirmar-se que: «O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. Podemos expressar isto com a palavra “sorte” porque estes fenômenos não foram planeadamente criados, simplesmente surgiram» (PEREIRA, 1993:175).

 

Bibliografia:


HAARSCHER, Guy, (1993). A Filosofia dos Direitos do Homem. Trad. Armando F. Silva. Lisboa: Instituto Piaget.

MORENTE, M. G., (1996). Fundamento de Filosofia – Lições Preliminares. 2a Ed. São Paulo: Mestre Jou.

MOURGEON, Jacques, (1982). Os Direitos do Homem. Lisboa: Publicações Europa-América.

ONU-ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (1948) Declaração Universal dos Direitos do Homem, Lisboa: Amnistia Internacional, Secção Portuguesa, 1998;

PEREIRA, Júlio César Rodrigues, (1993). Epistemologia e Liberalismo: (uma introdução à Filosofia de Karl R. Popper). PUC/RS, Porto Alegre/RS, Edipucrs. 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita