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por Ricardo Baesso de Oliveira

 
O que devemos entender por “mente”?


Alguns termos amplamente utilizados em nossos dias tinham à época de Kardec uso mais restrito e, às vezes, um significado um pouco diferente.
 O vocábulo psicologia é um desses termos: possui hoje uma conotação diferente do que possuía à época de Kardec. A psicologia era entendida, então, como a ciência da alma - alma como ser, inteligência que comanda o corpo, independentemente da crença em sua sobrevivência. A psicologia como o estudo dos fenômenos psíquicos e de comportamento do ser humano, por intermédio da análise de suas emoções, suas ideias e seus valores, inexistia àquela época. O primeiro laboratório psicológico foi fundado pelo fisiólogo alemão Wilhelm Wundt em 1879, após a desencarnação de nosso codificador. 

Kardec não usou o vocábulo psíquico, amplamente utilizado em nossos dias, e provavelmente inexistente à época, e empregou os termos mente e mental como sinônimo de pensamento (o que ainda ocorre em nossos dias).

Os dicionários colocam como conceitos equivalentes a mente: parte incorpórea, inteligente ou sensível do ser humano; espírito, pensamento, entendimento, o desenvolvimento intelectual, a faculdade intelectiva; inteligência, mentalidade.

Nós, espíritas, recusamos a proposta dos materialistas que colocam a mente como resultado do funcionamento do cérebro, e admitimos que todo fenômeno psicológico é de natureza espiritual.

Mas, afinal, em que consiste a mente? Muitos de nós temos colocado mente e Espírito como sendo a mesma coisa. Será que podemos considerar Espírito e mente como sinônimos?

Uma definição recente de mente é essa: um fluxo de experiências subjetivas, constituídas de sensações, emoções e pensamentos [i]. Experiências subjetivas são aquelas que pertencem ao sujeito pensante e a seu íntimo. São, portanto, experiências pertinentes e características de um indivíduo; individuais, pessoais, particulares: os pensamentos, sentimentos, desejos, inclinações, sonhos etc. 

O pensamento kardequiano define os Espíritos como os seres inteligentes da criação [ii]. É certo que a mente é algo intimamente relacionado ao Espírito, imaterial, não física, preexistente e sobrevivente ao corpo, tal como o Espírito. Mas deve ser feita uma distinção entre mente e Espírito.

Talvez fosse melhor considerarmos a mente (um fluxo de experiências) como uma propriedade do Espírito, porque o Espírito é mais do que um fluxo de experiências, é um SER, tem substância, identidade, existência própria, uma individualidade. O Espírito é ser, é essência; já a mente é um processo. A mente não tem essência, tem existência. Existe a partir do Espírito, sendo um atributo deste. Valendo-nos de palavras do professor Nubor Facure, podemos dizer que a mente é o produto de uma atividade metafísica que instrumentaliza o cérebro a partir do livre-arbítrio do Espírito.[iii]

André Luiz apresenta a mente como um núcleo de forças inteligentes,[iv] fonte de uma força desconhecida – a energia mental. Através dessa energia exteriorizamos o que somos e agimos uns sobre os outros, pelos fios invisíveis do pensamento. Apresenta ainda o conceito de corpo mental [v], como sendo o envoltório sutil da mente, atribuindo a ele a formação do corpo espiritual (perispírito).

Emmanuel, na mesma linha de pensamento de André, compara a mente humana — espelho vivo da consciência lúcida — a um grande escritório, subdividido em diversas seções de serviço. Segundo ele, na mente possuímos o Departamento do Desejo, em que operam os propósitos e as aspirações, acalentando o estímulo ao trabalho; o Departamento da Inteligência, dilatando os patrimônios da evolução e da cultura; o Departamento da Imaginação, amealhando as riquezas do ideal e da sensibilidade; o Departamento da Memória, arquivando as súmulas da experiência, e outros, ainda, que definem os investimentos da alma. Acima de todos eles, porém, surge o Gabinete da Vontade. A Vontade é a gerência esclarecida e vigilante, governando todos os setores da ação mental.[vi]  

Examinando as relações mente/cérebro, coloca André Luiz, de forma metafórica, que o cérebro é o maravilhoso ninho da mente.[vii] O pensamento desse autor evoca a ideia de que o Espírito se vale das experiências reencarnatórias para aprimorar-se a si mesmo, e a mente, acolhida pelo cérebro, em contato íntimo com ele, vai expandir suas possibilidades. Fora do contexto físico do cérebro, a mente pode dispor de recursos ou usar de estratégias que sobrepujam toda a fisiologia cerebral, mas, enquanto contida nessa máquina de neurônios, ela é limitada pelos recursos que esses neurônios podem oferecer. Em outras palavras, a mente se vale da ação coerciva do cérebro para aprender paulatinamente a se libertar dele, liberando-se das experiências reencarnatórias.

À medida que o Espírito avança evolutivamente, suas habilidades mentais se expandem, ou seja, a mente, como seu atributo, se capacita de recursos maiores, tanto sobre o aspecto intelectual como sobre o aspecto moral e ele se distancia da precisão da corporeidade.

Concluindo, talvez pudéssemos colocar assim:

1- nós, seres espirituais, possuímos uma mente – um atributo do Espírito -, onde se expressam nossas ideias, sonhos, projetos, pensamentos e sentimentos;

2- a mente constitui-se de um núcleo de forças inteligentes, envolvidas por um sutil envoltório (corpo mental). Dela partem as ondas mentais que retratam a nossa condição evolutiva e nos ligam a todos aqueles que sintonizam conosco;

3- na corporeidade, a mente se identifica com o cérebro e intelectualiza a matéria, alimentando as células;

4- nossa mente vem evoluindo conosco, através das experiências na dimensão espiritual e na dimensão física, e, tal como nós, partiu do simples em direção ao complexo, da ignorância em direção do saber, atendendo ao princípio da perfectibilidade ínsito em cada um de nós.


 

[i] Homo deus, Yuval Harari.

[ii] O Livro dos Espíritos, item 76.

[iii] Muito além dos neurônios, Nubor Facure.

[iv] Nos domínios da mediunidade, cap. 1.

[v] Evolução em dois mundos, parte I, cap. II.

[vi] Pensamento e vida, cap. II, Emmanuel.

[vii] Evolução em dois mundos, parte I, cap. IX.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita