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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 485 - 2 de Outubro de 2016

LEDA MARIA FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

 

 

O dever


Buscamos a paz. Falamos nela, dela e, decididamente, não a encontramos seja dentro ou fora de nós, porque ainda não conseguimos perceber que a busca deve ser feita de dentro de nós para o mundo que nos cerca.

Será que isso acontece porque vivemos a falsa ilusão de que conhecemos o que nos dá paz? É bem provável que sim. Essa questão nos remete a uma passagem do Evangelho de Lucas, capítulo 19, versículo 42, quando Jesus, junto a Jerusalém, fala a essa cidade – na verdade, falava para todos os homens – o seguinte: “Ah, se tu conheceras por ti mesmo, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos”.

As palavras do Mestre nos convidam a pensar no que seria do mundo se cada um de nós conhecesse o que, realmente, necessitamos para ter paz interior. E, na procura desses bens encontramos, para começar, as infinitas oportunidades de serviço de que dispomos no presente. Oportunidades que são nossas por benesse divina. Depois, podemos também perceber que possuímos a possibilidade de refletir sobre o que poderíamos ter feito no passado e não fizemos.

Tendo somente esses dois bens, já podemos observar que os convites de trabalho aí estão para quem deseja realizar algo. Todavia, antes de nos atirarmos, inadvertidamente, aos trabalhos só porque nos sentimos culpados, é aconselhável que cada um de nós procure compreender, com dignidade, seus próprios deveres, isto é, os compromissos morais a que estamos sujeitos com todos aqueles que nos cercam – encarnados e desencarnados –, sobretudo com nosso grupo familiar. Essa compreensão é importante porque, às vezes, deixamos de atender pequeninas exigências que são, na verdade, mais benéficas a nós do que aos outros.

Todos nós temos consciência de que nossa conta corrente com as leis divinas está em saldo devedor. Por essa razão, se cada um de nós cuidasse de cumprir suas obrigações para saldar esse débito, grande parte dos problemas sociais do mundo se resolveria naturalmente, e todos os fantasmas da inquietude que rondam nossa existência seriam afastados.

Mas, por que é tão difícil o cumprimento desses compromissos morais? Por duas razões: a primeira delas é que, na ordem dos sentimentos, o dever se encontra em posição antagônica com as seduções do interesse e do coração; e em segundo lugar, porque ele está entregue ao livre-arbítrio, ao direito que temos de escolher entre o certo e o errado, entre o fazer e não fazer. O interessante nesse processo é que a consciência nos adverte quando nos enganamos, nos estimulando e sustentando para que decidamos sempre pelo certo, pelo bem. Entretanto, o não interessante é que quase sempre sucumbimos.

Agora, já que estamos buscando conhecer o que temos para conquistar a paz, é bom procurarmos saber, também, onde o dever moral começa e onde termina – vale lembrar que não estamos tratando aqui do dever profissional.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 17, o item 7 lembra que ele tem início quando ameaçamos a felicidade ou a tranquilidade do próximo (por exemplo, o desrespeito às normas estabelecidas na convenção de Condomínios, a fim de que todos possam viver em harmonia), e termina no limite em que interferimos na livre escolha do outro (por exemplo, excessos de cuidados ou superproteção que impedem o crescimento ou as livres escolhas do outro).

Outro ponto importante do qual não podemos nos esquecer é o da confusão que ainda fazemos entre obrigação social e dever moral, tomando-se o significado do primeiro pelo segundo. Um exemplo bem simples que pode nos esclarecer é o seguinte: quando visitamos nossos pais ou avós, caso não moremos com eles, ou doentes, sejam familiares ou não, é imaginarmos que estamos cumprindo um dever moral (fraternidade) quando, na verdade, desejaríamos adiar essa visita indefinidamente.

Nesse momento, é bom prestarmos atenção às nossas atitudes. Se não existe alegria ou amor no gesto, melhor será fazer mudanças, entendendo que é preciso amar o dever e não apenas executar as obrigações que a sociedade nos impõe (o que o outro vai dizer se eu não for). André Luiz diz na lição 17, do livro Sinal Verde, psicografado por Francisco Cândido Xavier, que “quando o trabalhador converte o trabalho em alegria, o trabalho se transforma na alegria do trabalhador”.

A diferença então se estabelece quando percebemos que o dever é sempre estimulado pela consciência e não pelas regras sociais. Por tudo isso, podemos concluir que o convite ao bem, à prática do dever moral, sempre nos acompanhou, apesar de dificilmente o percebermos. Isso aconteceu através dos nossos pais, das leituras que fizemos e que ainda fazemos, do sentimento religioso que nos consola e nos impulsiona ao exercício do amor ao próximo, dos amigos encarnados e desencarnados que nos auxiliam. E se já possuímos algum conhecimento dos ensinamentos de Jesus e já temos alguma consciência de que somente através do dever cumprido encontraremos a paz que tanto buscamos, por que ainda esperamos para fazer o que deve ser feito?

O trabalho de transformação de nossas disposições íntimas necessita ser iniciado hoje, continuado amanhã, a cada minuto da nossa vida, até encontrarmos a divindade que existe em nós.

Afirma Cairbar Schutel, no livro Parábolas e Ensinos de Jesus – “Deveres Espíritas”: “O homem que cumpre seu dever, a nada fica obrigado. Quando o homem faz o que pode, Deus faz por ele o que ele por si não pode fazer”.

          

Bibliografia:

XAVIER, F. C. - Fonte Viva – ditado pelo Espírito Emmanuel – 31ª ed., FEB, Rio de Janeiro/RJ – lição 100.

_____________ Caminho, Verdade e Vida - ditado pelo Espírito Emmanuel – 17ª ed., FEB – Rio de Janeiro/RJ – lição 138.

_____________ O Consolador – ditado pelo Espírito Emmanuel – 17ª ed., FEB – Rio de Janeiro/RJ – Parte II – “Dever”.

DENIS, Léon – Depois da Morte – 19ª ed., FEB – Rio de Janeiro/DF - Parte Quinta – O Caminho Reto, XLIII – “O Dever”.


 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita