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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 472 - 3 de Julho de 2016

ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)

 

 
Coerência doutrinária

Não é possível ser espírita e, ao mesmo tempo, esposar
princípios contrários ao Espiritismo


“(...) O Espiritismo é uma Doutrina que se basta a si  mesma, sem
empréstimos nem acréscimos artificiais.” - Deolindo Amorim


Sempre será muito difícil a tradução de um livro obedecer fielmente às nuanças e sintonias finas do original, em virtude das características particulares, das idiossincrasias de cada idioma. Sem embargo, tais distorções não estão atreladas tão somente às questões do vernáculo, mas também ao talante do tradutor. As traduções da Codificação Espírita não escaparam dessas ocorrências...   Coligindo-as a “pente-fino”, com o original francês, vamos encontrar pequenas e grandes distorções, sem falar dos pleonasmos, (encarar face a face) já do âmbito interno.

Vamos apenas a um exemplo, para elucidar o que estamos falando: no original francês de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, no capítulo XXVII, item 22, § 2º, lemos no texto de V. Monod. (Bordéus, 1862): “(...) la prière du chrétien, du Spirite de quelque culte que ce soit, doit être faite dès que l`Esprit a repris le joug de la chair...”

Na tradução de Guillon Ribeiro da FEB, temos: “(...) A prece do cristão, do Espírita, seja qual for o culto, deve ele dizê-la logo que o Espírito haja retomado o jugo da carne...”. Na tradução de Herculano Pires, da LAKE, lemos: “(...) a prece do cristão, do Espírita, principalmente, de qualquer outro culto que seja, deve ser feita no momento em que o Espírito retoma o jugo da carne...”. Na tradução de Salvador Gentile, do IDE e de Elias Barbosa da Editora Allan Kardec, observamos: “(...) a prece do cristão, do espírita, de qualquer culto que seja, deve ser feita desde que o Espírito retomou o jugo da carne...”. Na tradução de Torrieri Guimarães, revisada por Carlos Imbassahy, da Ed. Edigraf, flagramos: “(...) a rogativa do cristão, do espiritista e de qualquer culto que seja, deve ser feita desde que o Espírito haja retomado o jugo da carne...” 

Herculano Pires, que sem a menor dúvida foi “o melhor metro que mediu Kardec”, chega mesmo a fazer uma oportuna ressalva: “nos primeiros tempos, os adeptos do Espiritismo ainda permaneciam, muitas vezes, ligados às Igrejas de que provinham. O mesmo aconteceu com o Cristianismo dos primeiros tempos”.  Sem embargo, as traduções foram feitas, salvaguardando a possibilidade de se entender que o Espírita poderia ser ao mesmo tempo católico, protestante, umbandista etc...  Tudo por uma simples questão de vírgula, que muda totalmente o sentido original do texto que analisamos.  

O não menos notável DEOLINDO AMORIM, que também estudou o Espiritismo no original francês, vem em nosso auxílio, no episódio que destacamos nas diversas traduções acima e esclarece[1]: “(...) a expressão “espírita de qualquer culto”, poderia abonar facilmente a opinião, aliás, respeitável, daqueles para quem se pode ser ao mesmo tempo espírita, católico, budista ou metodista... Sim, se o pensamento que ocorreu na comunicação foi o de Espírita, na acepção trivial da pessoa que apenas crê nos Espíritos. Aí a expressão estaria certa, e não há dúvida alguma, porque se pode cultivar a mediunidade ou a crença nos Espíritos desencarnados e pertencer a qualquer culto religioso... A faculdade mediúnica é independente da convicção religiosa. Em todas as religiões há pessoas que creem nos Espíritos. Há muita diferença, todavia, entre o “crente” e o “adepto” da Doutrina: crente é todo aquele que, embora não aceite a Dou­trina Espírita, porque não abre mão de suas ideias religiosas ou de suas opiniões filosóficas, crê na intervenção dos Espíritos, e apenas isto. Adepto é aquele que se filia à Doutrina, que adere conscientemente à filosofia do Espiritismo, porque encontra nesta filosofia uma concepção de vida que atende às solicitações de sua inteligência e de seus sentimentos.

Notemos que a comunicação se refere a “espírita de qualquer culto”, (spirite de quelque culte que ce soit), mas de um modo indeterminado sem definir o que é espírita, porque o pensamento central está preocupado, principalmente, com o valor da prece para todos os homens que têm crença... Tanto isto é certo, que a comunicação começa por uma ideia geral: “o primeiro dever de toda criatura humana, o primeiro ato pelo qual deve demonstrar a entrada na vida ativa de cada dia, é a prece. Quase todos oram, mas quão poucos sabem orar!”. Se a intenção do Espírito comunicante — como no-lo mostra todo o contexto da dissertação — é chamar a atenção dos crentes em geral para a necessidade da prece sincera, sejam quais forem as suas denominações religiosas, não se pode dar àquela expressão o sentido de um conceito completo. Não é uma definição, é um pensamento que participa de uma série de advertências feitas indistintamente.

A circunstância de tempo vai incidir, outra vez, nesta ordem de ideias. A publicação de “O Evangelho segundo o Espiritismo” é de 1864. Ainda se falava, amplamente, em espírita de “qualquer culto”, de um modo a bem dizer vago, sem precisar os termos. Decorrido um período de mais de quatro anos, na fase final de seus incessantes e profícuos trabalhos, vemos Allan Kardec dizer, textualmente, o seguinte: “a crença no Espiritismo já não será simples aquiescência, muitas vezes parcial, a uma ideia vaga, porém uma adesão motivada, feita com conhecimento de causa e comprovada por um título oficial, deferido ao aderente. Assentando numa base precisa e definida, essa qualificação a nenhum equívoco dá lugar, permitindo aos adeptos que professem os mesmos princípios e caminhem pela mesma senda se reconheçam, sem outra formalidade mais do que a declaração de sua qualidade e, se for preciso, a apresentação de seu título”.

 Essas declarações de Kardec fazem parte da “Constituição do Espiritismo” e foram incorporadas às matérias finais do livro: “Obras Póstumas”. Aquele trecho tem valor fundamental, porque é o resultado de um processo de embasamento em que, tendo chegado às últimas conclusões, a obra do Codificador já estava em condições de fazer exigências consentâneas com o caráter da Doutrina. Convém recordar que a Codificação, a esta altura, já estava terminada. Cabia, agora, ao seu organizador traçar normas para os adeptos do Espiritismo.  Como acabamos de ver, era tanto o rigor de Allan Kardec, que reclamava, até, o título de espírita para que alguém pudesse aparecer como adepto professo do Espiritismo. A credencial do espírita seria subscrita por uma Sociedade, justamente para evitar confusão com os adventícios e falsos espíritas. Assim pensava o Codificador da Doutrina. 

Não seria muito fácil tornar-se espírita, como não bastaria apenas tomar passes ou comparecer religiosamente a sessões espíritas. Se Allan Kardec, de­pois de doze anos ininterruptos de trabalho, porque foi esse o período de execução de sua Obra, chegou à conclusão de que a condição de espírita exige a concordância com os princípios da Doutrina, é justo deduzir, daí, que não é possível ser espírita e, ao mesmo tempo, esposar princípios contrários ao Espiritismo. Vamos pela lógica: se o Espiritismo é uma Doutrina que não admite o culto de imagens, e se alguém, apesar de ler e “compreender” a Doutrina, adora imagens e crê no fogo do inferno e outros dogmas irreconciliáveis com o Espiritismo, evidentemente não é espírita. Quem assim ainda pensa pode ser simpatizante, mas não é adepto da Doutrina. Se, portanto, em vários passos da obra de Kardec, lemos expressões como: “espírita de qualquer culto”, “espírita é todo aquele que crê nas manifestações dos Espíritos” e ainda outras igualmente abertas a quaisquer interpretações pessoais, logo depois, no momento oportuno, o Codificador da Doutrina faz ver que não é tão simples ser espírita, tanto assim, que ele próprio disse que lhe assistia o direito de “definir as crenças e as qualidades do verdadeiro espírita”.

Em 1859 escreveu Kardec no livro “O Que é o Espiritismo”: “(...) o verdadeiro caráter do Espiritismo é o de uma ciência, e não de uma religião; e a prova é que conta entre os seus aderentes, com pessoas de todas as crenças, e que nem por isso, renunciam às suas convicções: católicos fervorosos, que não deixam de praticar os deveres de seus cultos; protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e até budistas e bramanistas...”.

Quando Kardec escreveu as palavras acima, tal como na questão das traduções que comentamos, não podemos perder de vista que, o Espiritismo ainda estava sendo gerado no “útero” da Ciência e cercado pelo “líquido amniótico” da filosofia, e como tal podia perfeitamente não causar estranheza e ser aceito por cientistas, filósofos e religiosos de todos os matizes. Mas... quando, a partir de 1864, com a impactante publicação do livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”, a Doutrina Espírita começou a se nortear em direção à sua tríplice formatação: Ciência, Filosofia e Religião, já não poderia mais haver compatibilização doutrinária possível entre o Espiritismo e as religiões tradicionais, estas últimas sempre engessadas em seus ancestrais dogmas ancilosantes e limitadas a círculos restritos.  Portanto, não poderiam mais existir “espiritólicos” e quejandos... Tudo isso fica claro e transparente quando lemos em a “Constituição do Espiritismo”, nas páginas finais do livro “Obras Póstumas”, de Allan Kardec: “(...) o Espiritismo teve, como todas as coisas, o seu período de gestação e, enquanto todas as questões, principais e acessórias, que d`Ele derivam não se acharem resolvidas, somente pode dar resultados incompletos. Entreviu-se-lhe a finalidade, pressentiram-se-lhe as consequências, mas apenas de modo vago. Da incerteza sobre pontos ainda não determinados haviam forçosamente de nascer divergências sobre a maneira de os considerar; a unificação tinha que ser obra do tempo e se efetuou gradualmente à medida que os princípios se foram elucidando. Unicamente quando tiver desenvolvido todas as partes em que se desdobra é que a Doutrina formará um todo harmônico e só então se poderá julgar do que é o Espiritismo.

Enquanto ele não passava de uma opinião filosófica, não podia contar, da parte de seus adeptos, senão com a simpatia natural que a comunhão de ideias produz; nenhum laço sério podia existir entre eles, por falta de um programa claramente traçado. Esta, evidentemente, a causa fundamental da débil coesão e da instabilidade dos grupos e sociedades que logo se formaram. Por isso mesmo, constantemente procuramos, e com todas as nossas forças, afastar os espíritas do propósito de fundarem prematuramente qualquer instituição especial com base na Doutrina, antes que esta assentasse em alicerces sólidos. Fora se exporem a fracassos inevitáveis, cujo efeito teria sido desastroso, pela impressão que produziriam no público e pelo desânimo em que lançariam os adeptos. Semelhantes fracassos talvez retardassem de um século o progresso definitivo da Doutrina, a cuja impotência se imputaria um insucesso devido, na realidade, à imprevidência. Por não saberem esperar, a fim de chegarem no momento exato, os muito apressados e os impacientes, em todos os tempos, hão comprometido as melhores causas.

Não se deve pedir às coisas senão o que elas podem dar, à medida que se vão pondo em estado de produzir. Não se pode exigir de uma criança o que se pode esperar de um adulto, nem de uma árvore que acaba de ser plantada o que ela dará quando estiver em toda a sua pujança. O Espiritismo, em via de elaboração, somente resultados individuais podia dar; os resultados coletivos e gerais serão fruto do Espiritismo completo, que sucessivamente se desenvolverá”.

Notamos assim, com Kardec e com Deolindo Amorim, que alguma coisa se completou, conforme palavras do próprio Codificador na obra referida; e nesse “completou” está implícito o surgimento do Espiritismo em sua definitiva formatação: Ciência, Filosofia e Religião!

Ao consolidar-se o aspecto religioso do Espiritismo, foi uma debandada só, já que muitos não aderiram (até hoje) ao tríplice aspecto. Os que permaneceram nas fileiras espiritistas a partir daí é que realmente podem ser chamados de espíritas verdadeiros ou espíritas-cristãos.

Certo do levantar dos broquéis e da debandada geral que aconteceria com o incremento religioso do Espiritismo, Kardec escreveu[2]: “(...) Se a constituição tem por efeito diminuir momentaneamente o número aparente dos espíritas, terá, por outro lado, como consequência, dar mais força aos que caminharem de comum acordo para a realização do grande objetivo humanitário que o Espiritismo há de alcançar. Eles se conhecerão e se estenderão mutuamente as mãos, de um extremo a outro do mundo. Terá, além disso, por efeito opor barreira às ambições que, se se impusessem, tentariam desviá-lo em proveito próprio. Tudo está calculado, visando a esse resultado, pela supressão de toda autocracia ou supremacia pessoal”.

Segundo Deolindo Amorim, “O Espiritismo é uma Doutrina que se basta a si mesma, sem empréstimos nem acréscimos artificiais”.  Contestar, quem há de?                                                  


 

[1] - AMORIM, Deolindo. O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas. 4 ed. Rio [de Janeiro]: CELD, 1989.

[2] - KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 25. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1990, – Constituição do Espiritismo (in fine).



 


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