“(...) quando o fizestes a um desses pequeninos irmãos a
mim o fizestes.” Jesus.
(Mt., 25:40.)
Diante do grande e incontestável sucesso apresentado no
tratamento dos seus doentes mentais, incluindo-se aí a
esquizofrenia, perguntaram à célebre psiquiatra suíça,
naturalizada norte-americana, Drª. Elisabeth
Kübler-Ross, qual era a teoria em que baseava seus
métodos. Ao que a nobre psiquiatra ripostou: “em
nenhuma teoria”!
Mas, ousamos contestar a notável doutora dizendo que
havia uma teoria e um método sim! E consistiam em apenas
duas
palavrinhas “mágicas” chamadas:
Amor e Abnegação!...
Foi no calorento mês de julho de 1959 que ela começou a
trabalhar como residente no Hospital Estatal de
Manhattan que acolhia doentes mentais.
De pronto a doutora observou que – incompreensivelmente
– ali não se tinha muito apreço à vida.
Mas, deixemos a própria psiquiatra contar sua saga nesse
lúgubre nosocômio: “(...) eu tinha todos os motivos para
sentir-me incomodada e desconfortável quando entrei no
hospital. Este era um imponente conjunto de edifícios de
tijolos no qual se albergavam centenas de enfermos
mentais muito graves. Eram os piores casos de transtorno
mental. Alguns estavam internados ali há mais de vinte
anos.
Achei incrível o que vi ali, visto que nesses edifícios
estavam amontoadas pessoas indigentes, cujos rostos
contorcidos, gestos espasmódicos e gritos de angústia
diziam muito claro que estavam sofrendo um inferno em
vida. Essa noite em meu diário defini o visto como um manicômio
de pesadelo. Mas, podia ter sido pior!...
No pavilhão ao qual me destinaram viviam quarenta
esquizofrênicos crônicos. Disseram-me que todos (médicos
e pacientes) estavam desesperançados, ou seja: não havia
remédio para eles!
Observei uma só coisa que podia explicar esta afirmação:
a enfermeira chefe. Era amiga do diretor e, portanto,
impunha suas próprias regras, entre as quais estava a de
permitir circular livremente os seus adorados gatos por
todo o pavilhão. Estes urinavam em todos os lugares e
como as janelas eram providas de trancas, se mantinham
fechadas e o fedor era horroroso. Neste instante senti
compaixão pelos meus companheiros de trabalho, o Dr.
Philippe Trochu, residente, e Grace Miller, assistente
social. Os dois eram pessoas humanitárias.
Não lograva imaginar como podiam sobreviver ali meus
companheiros, embora muito pior fosse a situação dos
pacientes. Estes eram golpeados com porretes, e o
eletrochoque fazia parte do cardápio de torturas. Às
vezes eram metidos em banheira com água quente até ao
pescoço e ali ficavam por até 24 horas seguidas. Muitas
dessas vítimas serviam de cobaias humanas para
experimentos com LSD e outros produtos químicos
alucinógenos. Se protestavam (e todos o faziam) eram
submetidos a castigos ainda mais desumanos.
Em minha qualidade de investigadora, me encontrei, de
repente, no centro desse ninho de víboras... Meu
trabalho oficial consistia em registrar os efeitos
desses alucinógenos nos pacientes, mas depois de escutar
dessas vítimas indefesas as explicações das aterradoras
visões que as drogas lhes produziam, jurei colocar um
fim nessa terrível prática e mudar de forma radical o “modus
operandi” da instituição.
Não seria difícil modificar os procedimentos rotineiros
do hospital e dos enfermos. A maioria permanecia acuada
em suas salas ou na sala de recreação, totalmente
ociosas, sem nenhum tipo de ocupação, distração ou
estímulo: pela manhã tinha que formar uma fila para
receber os medicamentos que lhes provocavam um estado de
estupor e lhes produziam horrorosos efeitos colaterais.
O resto do dia os pacientes eram submetidos a
tratamentos similares. Na verdade, vi que existiam
motivos plausíveis para ministrar certos tipos de
medicamentos na terapia para psicóticos, mas a maioria
dessas pessoas estava medicada em excesso e eram vítimas
de indiferença e negligência. No lugar de medicamentos,
o de que necessitavam era atenção e carinho...
Com a ajuda de meus companheiros de trabalho, troquei
essas práticas por outras que motivaram os pacientes a
ocuparem-se de si mesmos e cuidar-se. Se desejavam tomar
uma coca-cola e fumar cigarros (?!), tinham que ganhar
dinheiro para pagar esses privilégios. Deviam
levantar-se na hora estipulada, vestirem-se sozinhas,
pentear-se e chegar à fila no tempo adequado. As que não
queriam ou não podiam realizar essas tarefas simples
tinham que aceitar as consequências. Sexta-feira à noite
era o momento de entregar a remuneração para os
pacientes que cumpriram a sua parte nas tarefas dadas.
Algumas bebiam de uma só vez toda a sua cota de
coca-cola e fumavam todos os cigarros na primeira noite.
Mas obtivemos resultados!
Que sabia eu de psiquiatria? Nada!... Mas, sem embargo,
eu sabia da vida e abria meu coração para a desgraça,
para a solidão e para o medo que sentiam essas mulheres.
Se me falavam, eu lhes respondia; se me expressavam seus
sentimentos, eu as escutava e respondia. Elas o notaram
e imediatamente viram que não estavam mais sozinhas e
deixaram de ficar assustadas.
Tive que “brigar” mais com meu chefe do que com
as pacientes. Ele se opunha a reduzir os medicamentos,
mas finalmente consegui que as pacientes realizassem
tarefas de pequena monta, mas produtivas. Encher caixas
com lápis de maquiagem não é lá grande coisa, mas era
muito melhor do que estar sentadas drogadas em estado de
transe. Depois inclusive comecei a levar para rua as
pacientes de melhor conduta. Ensinei-as a viajar de
metrô, a fazer algumas compras e, em ocasiões especiais,
inclusive as levei aos armazéns Macy`s. Minhas pacientes
sabiam que eu me importava com elas e foram
melhorando...
Quando eu chegava a casa contava para meu marido (Manny)
minhas experiências, todas as histórias sobre meus
pacientes, entre elas a de uma jovem chamada Rachel. Era
esquizofrênica catatônica, e estava classificada
(presunção humana) entre as incuráveis. Durante anos
havia passado os dias de pé sem mover-se de lugar no
pátio. Ninguém recordava se alguma vez houvesse dito uma
palavra ou emitido um som. Quando pedi que a
trasladassem para o meu pavilhão, todos pensaram que eu
finalmente ficara louca de tanto conviver com os loucos.
Mas, uma vez que passou a meus cuidados, tratei-a como
às demais: obrigava-a a realizar tarefas e a colocava no
meio do grupo para as festas de celebração, como Natal,
ação de graças, etc... e inclusive seu próprio
aniversário. Ao cabo de quase um ano de atenção, por fim
falou!!! Ocorreu durante uma terapia de atividades
artísticas, enquanto desenhava. Um médico se deteve a
admirar o que estava desenhando e ela lhe perguntou:
“Gosta?!”
Ao cabo de pouco tempo Rachel saiu do hospital e
procurou uma casa para viver sozinha e se dedicou a
serigrafia artística.
Eu me alegrava muito com todos esses êxitos, tanto os
grandes quanto os pequenos, como aquele quando um homem
que estava sempre de cara contra a parede se virou para
olhar o grupo. Mas, no final do ano me encontrei frente
a frente com uma escolha difícil: em maio me convidaram
a apresentar minha disponibilidade para o programa de
pediatria no Columbia Presbyterian. Debati-me entre
seguir meus sonhos ou continuar com meus queridos
pacientes. Parecia impossível decidir-me, mas até o
final dessa mesma semana, descobri que estava grávida
outra vez. Isso solucionou o problema.
Sem embargo, até fins de junho voltei a sofrer um aborto
espontâneo. Por isso me havia negado a entusiasmar-me
muito pela minha gravidez. Não queria voltar a passar
pela tristeza e depressão, ainda que isso fosse
impossível evitar. Meu ginecologista me disse que a
minha era uma dessas gravidezes que não chegam ao
término. Não acreditei nele, porque em meus sonhos eu me
via com filhos. Atribui ao destino esses abortos...
Assim, pois, fiquei outro ano em Manhattan, onde o meu
objetivo era conseguir a alta de todas as pacientes
possíveis. Dediquei-me a encontrar trabalho fora do
hospital para a maior parte das pacientes funcionais.
Saíam pela manhã e voltavam à noite; aprenderam a
empregar seu dinheiro em comprar coisas mais básicas do
que coca-cola e cigarros. Meus superiores hierárquicos
observaram - atenciosos e admirados - os meus êxitos e
me perguntaram em que teoria se baseava o meu método. Eu
não tinha nenhuma! Simplesmente faço qualquer coisa que
me pareça correta depois de conhecer a paciente
(expliquei-lhes).
Não se pode dopá-las com drogas e logo esperar que
melhorem. É necessário tratá-las como gente, como
pessoas, como seres humanos que são. Com todo o
respeito, não me refiro a elas como os senhores o fazem.
Não digo: “Ah! a esquizofrênica da sala tal ou qual”.
Eu as conheço por seus nomes. Conheço seus hábitos. E
elas correspondem.
O maior êxito resultou ser o da “casa aberta” que
iniciamos entre a assistente social Grace Miller e eu.
Convidamos as famílias dos bairros circunvizinhos a
visitar o hospital e a adotar pacientes. Em outras
palavras, queríamos conseguir que pessoas absolutamente
incapazes de estabelecer qualquer tipo de relação
aprendessem a fazê-lo. Algumas pacientes responderam
maravilhosamente bem. Adquiriram um sentido de
responsabilidade e finalidade para suas vidas. Algumas
inclusive aprenderam a fazer planos para o futuro.
A mais maravilhosa de todas foi uma mulher chamada
Alice: quando se aproximava a data em que lhe seria dada
alta depois de haver passado vinte anos na sala para
enfermas mentais, um dia surpreendeu a todo mundo com
uma petição muito pouco comum. Desejava voltar a ver os
seus filhos.
Mas Grace fez averiguações e descobriu que, de fato,
Alice tinha dois filhos. Os dois eram pequenos quando a
internaram no hospital. Haviam dito para eles que a mãe
morrera.
Minha colega assistente social encontrou esses filhos,
já adultos, e lhes explicou como era o programa de “adoção” do
hospital.
Disse-lhes que havia uma “senhora sozinha” que
necessitava de uma família adotiva. Em memória de sua
mãe eles concordaram em adotá-la. A nenhum dos dois
filhos informaram acerca da verdadeira identidade da
senhora. Mas nunca me esquecerei do incrível sorriso de
Alice quando ficou diante dos filhos que ela acreditava
que a tivessem abandonado. Por fim, uma vez que saiu do
hospital, os filhos a levaram para formar novamente
parte de sua família.