Especial

por Martha Triandafelides Capelotto

Personalismo

Há um tempo, já alguns anos, foi solicitado aos trabalhadores da casa que eu frequentava que desenvolvêssemos o tema Personalismo, em forma de apostila, e a trabalhássemos em grupo, já que, quando se pretende a renovação espiritual, necessário se faz a análise das mazelas de tudo o que ainda carregamos em nossas almas.

Sabemos, infelizmente, que os relacionamentos não são fáceis, em todas as esferas do nosso viver. Os atritos, as contendas, a cizânia nos grupos espiritistas, nos quais não poderiam ocorrer, são mais comuns do que podemos imaginar.

Fazendo uma análise e buscando fontes seguras veremos quanto precisamos conhecer os “inimigos” que precisamos combater e que estão dentro de nós mesmos.

Assim, ocorreu-me trazer o tema para que outros possam refletir e fazer o bom combate.

Iniciaria com a definição do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que assim diz: Personalismo é qualidade daquilo que é subjetivo: conduta; procedimento do indivíduo que refere todas as coisas a si mesmo, que tem a si próprio como ponto de referência de tudo o que ocorre à sua volta; egocentrismo.

Personalismo é a excessiva valorização de si mesmo, podendo tomar as mais variadas máscaras, quais sejam, a vaidade, a tirania, a leviandade, a tristeza.

Em O Livro dos Espíritos (LE), no capítulo XII, Livro III, que trata da perfeição moral, aprendemos que o egoísmo se associa à personalidade. Para melhor compreensão, transcrevemos o ensinamento: “O egoísmo se funda sobre a importância da personalidade”.

Assim, se o egoísmo decorre do personalismo, primeiro precisamos analisar o que seja o egoísmo e suas causas, para depois entendermos o personalismo.

No capítulo do LE acima citado, lemos a seguinte explicação dos Espíritos Superiores: “O egoísmo, dentre todos os vícios, é o mais radical, pois dele deriva todo o mal. Se estudarmos todos os vícios, veremos que no fundo de todos está o egoísmo. Será inútil combatê-los (os vícios), se não atacar o mal pela raiz, sem a destruição da causa. Todos os nossos esforços devem tender para esse objetivo, porque aí está a verdadeira chaga da sociedade. Todo aquele que quer se aproximar, desde esta vida, da perfeição moral, deve extirpar do seu coração todo sentimento de egoísmo, porque o egoísmo é incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.”

Na pergunta 914 do LE, indaga-se se será possível um dia extirpar o egoísmo do coração dos homens, e a resposta dada foi: “À medida que os homens se esclarecem sobre as coisas espirituais, ligam menos valor às coisas materiais. É preciso reformar as instituições humanas que o entretêm e o excitam. Tudo depende da educação”. 

Eles nos dizem também, na resposta à pergunta 915, que: “O egoísmo é o nosso pior mal, mas ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados sobre a Terra, e não à humanidade em si mesma. Os espíritos, à medida que vão se depurando pelas encarnações sucessivas, perdem o egoísmo, como perdem suas imperfeições”.

Dessarte, compreendendo um pouco do que vem a ser o egoísmo, também encontramos no mesmo livro, na questão 917, orientação sobre como podemos combater esse mal, tão arraigado em nós, pela influência da matéria, da qual o homem, ainda muito próximo da sua origem, não pode se libertar, e essa influência concorre para o sustentar em nossas leis, na organização social, na educação: “O egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a vida material e, sobretudo, com a inteligência que o Espiritismo nos dá de nosso estado futuro real e não desnaturado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as crenças, transformará os hábitos, os usos e as relações sociais.”

Assim, se é no personalismo que encontramos as raízes do egoísmo, não é demais fazermos algumas considerações sobre o orgulho, pois também o personalismo é a sua expressão mais perceptível e concreta.

E é no capítulo X, item 10, do livro O Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE) que encontramos a seguinte lição: “(..) porque é o pai de muitos vícios, o orgulho é também a negação de muitas virtudes. Ele se encontra como móvel de quase todas as ações humanas. Essa a razão por que Jesus se empenhou tanto em combatê-lo, como principal obstáculo ao progresso.”

É importante ressaltar que o orgulho, sendo um sentimento de superioridade pessoal resultante do processo natural de crescimento do espírito, poderíamos dizer, um subproduto do instinto de conservação, um princípio que foi colocado no homem para o bem, porque sem o “sentimento de valor pessoal” e a “necessidade de estima”, não encontraríamos motivação para existir e não formaríamos um autoconceito de dignidade pessoal. O problema não é o sentimento de orgulho, mas o descontrole de seus efeitos. No atual estágio de aprendizado, ainda não temos plena capacidade de controlá-lo. Ele está presente em quase tudo o que fazemos. Isso o torna uma paixão ou, como dizem os bondosos Guias da Verdade, “o excesso de que se acresceu a vontade”.

Portanto, o personalismo é o orgulho centrado no eu. Enquanto o orgulho incapacita-nos para verificar as próprias imperfeições, o personalismo tem como efeito gerar ideias de tudo aquilo que parta de nós é o melhor e mais correto. Em outras palavras, a superioridade pessoal provocada pelo provocada pelo sentimento de orgulho interfere na formulação de juízos.

Diante de todo o escrito, podemos afirmar que todos nós somos personalistas, em graus mais ou menos elevados. Nos labores doutrinários ele se apresenta nas seguintes situações, sem esgotar o rol, quando: externamos uma aversão à crítica; apresentamos gosto pela pompa; tentamos impor nossos pontos de vista; sentimo-nos melindrados quando as discrepâncias ocorrem; nutrimos a mágoa alimentada; damos importância conferida ao nosso nome, entre outras coisas.

Como transformá-lo?

Lembremo-nos do ensinamento do Codificador: “Ora, o Espiritismo bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de certo modo, diante da intensidade”. Desse modo, se ainda nos aferramos com tanta desídia ao personalismo é porque ainda não compreendemos bem a doutrina que professamos.

No capítulo III, item 28, d’O Livro dos Médiuns, importante ensinamento leva-nos a refletir na importância de buscarmos o autoconhecimento e, consequentemente, a renovação interior, como sendo a maneira com que nos libertaremos de todas as nossas imperfeições morais, pois nada vale admirar a moral contida nos preceitos da Doutrina Espírita e em nada alterar nossos hábitos.

Assim, à medida que se impõe é que invistamos em nós, em nosso processo de transformação moral e espiritual, buscando os recursos que temos disponíveis em toda a bibliografia espírita, que esmiúça as questões do nosso psiquismo, como, por exemplo, as obras ditadas pelo espírito de Joanna de Ângelis, psicografadas por Divaldo Pereira Franco, e muitas outras que nos apresentam os caminhos que devemos percorrer para o encontro com nossas sombras. Nelas encontraremos orientações seguras para aportarmos num campo fértil, quando então, ao conquistá-lo, alegrias invadirão o âmago de nosso ser.

A sinceridade nos campos dos sentimentos será um antídoto eficaz contra o egoísmo, devassando sem medo e admitindo sem inibição, para nós mesmos, as mais secretas emoções da vaidade e do amor-próprio que se movimentam na intimidade, fazendo um autoencontro com as facetas sombrias da personalidade.

E não poderíamos, com tanto a escrever, é que, após esse mergulho interior, regressemos ao mundo das sensações, ao invés de buscarmos a oração a Deus, integrando-nos, humildes e abnegadamente, no seu Suprimento Universal, revigorando-nos as forças para dominarmos as tendências ora reveladas. E assim perceberemos a pouco e pouco o ruir das falsas e atordoantes miragens que a imaginação emitia para os departamentos da decisão e da ação, em prejuízo do nosso melhor ajustamento nas experiências da reencarnação.

Tomados por tais ilusões, atiçamos o autoritarismo, a indiferença e mesmo o descaso com respeito a muitos viajantes que nos compartilham os caminhos doutrinários. Nesse clima, os “espinhos” do outro são como sinônimo de incômodo e repulsa, levando muitos companheiros, premidos pela presunção, a permitirem um psiquismo inamistoso, tombando por fim nas malhas da maledicência, nas tormentas do isolacionismo, do centralismo e da insensatez doutrinária.

Esse quadro rememora a fábula dos porcos-espinhos, levando-nos aos rumos da frieza de afeto por desistirmos de abraçar os diferentes, os supostos oponentes, os menos simpáticos que surgem, até mesmo, em nossas leiras de amor.

O amor, o afeto, eis o antídoto eficaz para interromper o fluxo rotineiro da “imaginação enfermiça”, que opera a manutenção de uma autoimagem centrada na supremacia das qualidades pessoais, que, muitas vezes, nem sempre possuímos.

Sejamos nós mesmos e aprendamos a nos prezar e valorizar.

“Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos.” (Carl Gustav Jung) 

  

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita