Especial

por Andres Gustavo Arruda

A reencarnação e o funcionamento da lei de causa e efeito - Parte 2 e final

A reparação, portanto, pode efetuar-se por meio da prática do bem, o que abrange o perdão, a gratidão, o devotamento a pessoas ou a causas. Corroborando este ponto de vista, Carrara finaliza o seu artigo, asseverando que:

“Por outro lado, a título de ilustração do assunto, solicito ao leitor considerar também que nem todo equívoco passado pode apresentar-se atualmente através de dificuldades. Muitas vezes, equívocos podem ser reparados através de trabalho e dedicação a causas e pessoas. Isto tudo porque, conforme já sabemos, "o amor cobre a multidão de pecados"[1].


O FUNCIONAMENTO DA LEI DE CAUSA E EFEITO: ESTUDO DE CASO

Diante do que foi até aqui exposto, é preciso fazer o seguinte questionamento: A quem devemos? À Lei ou ao ofendido?

Estudando um caso denominado de “resgate interrompido”, que se encontra no capítulo XIV da obra Ação e Reação,[2] André Luiz e Hilário passaram a cooperar na rearmonização de pequena família domiciliada no subúrbio de populosa capital.

Ildeu, homem de um pouco mais de trinta e cinco anos de idade, era casado com Marcela, esposa abnegada e mãe de seus três filhinhos: Roberto, Sônia e Márcia; todavia, seduzido pelos encantos da jovem Mara, moça leviana e inconsequente, tudo fazia para que a esposa o abandonasse. 

Não obstante o esforço do Assistente Silas, de André Luiz e de Hilário, que diariamente realizavam tarefas assistenciais no atormentado lar, Ildeu mostrava-se, cada dia, mais indiferente e distante.

Irascível e entediado, sequer cumprimentava a esposa, a qual passou a odiar, em virtude da fascinação por Mara. Pretendia divorciar-se de Marcela e trilhar novo caminho. Desse modo, antevendo o prazer e a liberdade de que poderia desfrutar no convívio com a amante, nasceu no cérebro do chefe do lar a ideia de assassinar a esposa, escondendo o próprio crime, para que a morte dela aos olhos do mundo passasse como sendo autêntico suicídio.

Para tanto, procuraria deixar de lado a irritação e fingiria ternura para ganhar confiança. Depois de alguns dias, quando Marcela dormisse, despreocupada, desfechar-lhe-ia uma bala no coração, despistando a própria polícia.

Naturalmente, percebendo os pensamentos expressos por Ildeu, homicidas desencarnados começaram a influenciá-lo. Assim, em determinada noite, o chefe da família intentaria aniquilar a companheira.

Por tal motivo, o Assistente Silas não vacilou, razão pela qual os três tarefeiros do Bem demandaram a casa singela.

Revestindo todo o cérebro de Ildeu, surgia-lhe a cena do assassínio, calculadamente prevista, movimentando-se em surpreendente sucessão de imagens.

O irrefletido pai pensava em demandar o aposento dos filhos, para trancá-los, de maneira que não testemunhassem o fato, quando Silas, de improviso, avançou para o leito das meninas e, utilizando os recursos magnéticos de que dispunha, chamou a pequena Márcia, em corpo espiritual, a fim de contemplar os pensamentos paternos.

A criança, em comunhão com o quadro terrível, experimentou tremendo choque e retornou, prontamente, ao corpo físico, gritando, desvairada, como quem se furtasse ao domínio de asfixiante pesadelo:

“- Papai!...Paizinho! Não mate! Não mate!...”

Ildeu, nesse momento, já se encontrava à porta, segurando a arma com a mão direita e tentando abrir a fechadura com a mão livre.

Os gritos da menina ecoaram em toda a casa, provocando alarido. Marcela, então, pôs-se de pé e, incapaz de suspeitar das intenções do esposo, recolheu cautelosamente a arma e, crendo que ele pretendera suicidar-se, implorou em pranto:

“- Oh! Ildeu, não te mates! Jesus é testemunha de que tenho cumprido retamente todos os meus deveres... Não quero o remorso de haver cooperado para semelhante desatino, que te lançaria entre os réprobos das leis de Deus!... Procede como quiseres, mas não te despenhes no suicídio. Se é de tua vontade, monta nova casa em que vivas com a mulher que te faça feliz... Consagrarei minha existência aos nossos filhos. Trabalharei, conquistando o pão de nossa casa com o suor de meu rosto...entretanto, suplico, não te mates!...”

Foi assim que, com efeito, Ildeu afastou-se do lar. Diante de tal cenário, o Assistente Silas, respondendo à pergunta formulada por Hilário, asseverou que Marcela, com a deserção do esposo, fora chamada a encargos duplos:

“Desejamos sinceramente que ela seja forte e se sobreponha às vicissitudes da existência, mas se resvalar para delituosos desequilíbrios, que lhe comprometam a estabilidade doméstica, na qual os filhos devem crescer para o bem, mais complicado e mais extenso se fará o débito de Ildeu, porquanto as falhas que ela venha a cometer serão atenuadas pelo injustificável abandono em que a lançou o marido. Quem se faz responsável por nossas quedas, experimenta em si mesmo a ampliação dos próprios crimes.”[3]

Diante da resposta, Hilário meditou e disse, em seguida:

“Imaginemos, porém, que Marcela e os filhinhos consigam vencer a crise, esmagando com o tempo as necessidades de que são agora vítimas... Figuremo-los terminando a atual reencarnação com plena vitória moral em confronto com Ildeu, retardado, impenitente, devedor... Se a esposa e os filhos, então definitivamente guindados à luz, dispensarem qualquer contacto com a sombra, em franca ascensão às linhas superiores da vida, a quem pagará Ildeu o montante das dívidas em que se agrava?”[4]

Estampando significativo gesto facial, Silas explicou:

“Embora estejamos todos, uns diante dos outros, em processo reparador de culpas recíprocas, em verdade, antes de tudo, somos devedores da Lei em nossas consciências. Fazendo o mal aos outros, praticamos o mal contra nós mesmos. Caso Marcela e os filhinhos se ergam, um dia, a plenos céus, e na hipótese de guardar-se nosso amigo mergulhado na Terra, vê-los-á Ildeu na própria consciência, sofredores e tristes, quais os tornou, atormentado pelas recordações que traçou para si mesmo e pagará em serviço a outras almas da senda evolutiva o débito que lhe onera o Espírito, de vez que, ferindo os outros, na essência estamos ferindo a obra de Deus, de cujas leis soberanas nos fazemos réus infelizes, reclamando quitação e reajuste.”[5]

É dessa forma, portanto, que funciona a Lei de Causa e Efeito. Prejudicando a outrem ou a nós mesmos, teremos de dar conta, mais cedo ou mais tarde, das consequências das condutas equivocadas. E se porventura alguém com bastante amor edificado no íntimo venha a nos perdoar, nem por isso deixaremos de estar em desajuste com a Lei. Cumpre-nos, pois, o mais rápido possível, reparar o mal praticado, a fim de estar em harmonia com a Lei e com a própria consciência.

Entretanto, se permanecermos atrasados na evolução, não poderemos nos queixar senão de nós mesmos. Nesse sentido, Kardec alude que:

“[...] Enquanto uns avançam rapidamente, outros se arrastam por longos séculos nos lugares inferiores. Eles são, portanto, os próprios artífices da sua situação feliz ou desgraçada, segundo estas palavras do Cristo: A cada um segundo as suas obras. Cada Espírito que fica atrasado só pode lamentar-se a si mesmo, como aquele que avança tem todo o mérito do seu progresso.” [6]

Por fim, ao finalizar o estudo do caso Ildeu (“resgate interrompido”), o Assistente Silas afirma que os que se retardam por gosto não podem queixar-se de quem avança.

Por outro lado, como já referido, as pendências que porventura adquirirmos na atualidade levaremos para a próxima existência. Não é por outro motivo que o Espírito Emmanuel, no prefácio da obra Ação e Reação, acentua que a reencarnação “é um estágio sagrado de recapitulação das nossas experiências”. Recapitulação é, segundo o Minidicionário Silveira Bueno, sinônimo de repetição.[7]

Desse modo, trazemos as tendências – boas e más – das existências anteriores para a atual. Em relação às más tendências, existe a possibilidade de incidirem elas novamente em nossa conduta. Por conseguinte, poderemos vir a repetir, na presente existência, os erros de existências transatas. Por tal razão, o Espiritismo ensina que devemos trabalhar por nos melhorar moralmente, sendo hoje melhores do que ontem, e amanhã melhores do que hoje. Tal melhora funda-se no autoconhecimento. Afinal, precisamos nos conhecer, porque quem não se conhece não sabe o que, dentro de si, precisa ser modificado.

Comentando a importância da Doutrina dos Espíritos em nossa existência, Emmanuel pontua que “a Doutrina Espirita, revivendo o Evangelho do Senhor, é facho resplendente na estrada evolutiva, ajudando-nos a regenerar o próprio destino, para a edificação da felicidade real”,[8] a qual é reflexo da felicidade que produzimos no outro; recebemos o amor na proporção que amamos, visto que ninguém recebe o que não dá. É da Lei.  


CONCLUSÕES

À vista de todo o exposto, extraímos as seguintes conclusões:

a) a reencarnação não tem por finalidade o pagamento de dívidas contraídas em existências passadas, pois ela visa o aperfeiçoamento intelecto-moral dos Espíritos e o seu consequente melhoramento progressivo;

b) cada existência corporal representa um investimento realizado pela Consciência Cósmica em nós, por isso teremos de prestar contas da aplicação por nós dada dos recursos – tanto os materiais como os espirituais – que conosco trouxemos para o estágio terreno;

c) a necessidade de reajuste perante a Lei de Causa e Efeito é inerente à existência em mundos expiatórios, daí por que na Terra deparamos com tantas dores e misérias;

d) a “dívida” (para quem preferir) é contraída perante a Lei e não perante o ofendido;

e) ninguém avança espiritualmente tendo a consciência intranquila;

f) a reparação pode efetuar-se por meio da prática do bem, porque “o amor cobre a multidão de pecados”.

Por fim, destacamos que a única dívida que temos uns com os outros é o amor. Contudo, não se trata de qualquer amor. Com efeito, o ensinamento de Jesus é: “Um mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (João, 13:31-35, destaquei).

E para que consigamos atingir esse ponto máximo do sentimento: o amor, precisaremos nascer de novo, tantas vezes quantas forem necessárias.

 


[1] CARRARA, Orson Peter. Pagar o quê? Para quem? Disponível em: Link-1  Acesso em: 3 mar. 2023, destaquei.

[2] Texto adaptado.

[3] XAVIER, Francisco Cândido. Ação e Reação [ditado pelo Espírito André Luiz] 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007.p. 214.

[4] XAVIER, Francisco Cândido. Ação e Reação [ditado pelo Espírito André Luiz] 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007.p. 214.

[5] XAVIER, Francisco Cândido. Ação e Reação [ditado pelo Espírito André Luiz] 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007.pp. 214-215, destaquei.

[6] KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno, ou, a Justiça Divina segundo o Espiritismo. Tradução de Manuel Justiniano Quintão. 61. ed. 1. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2013. p. 35.

[7] BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. rev. e atual. por Helena Bonito C. Pereira, Rena Signer. São Paulo: FTD: LISA, 1996.

[8] XAVIER, Francisco Cândido. Ação e Reação [ditado pelo Espírito André Luiz] 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007.p. 9 – Ante o Centenário (prefácio de Emmanuel).


  

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita