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por Rogério Coelho

 

Virtudes e pecados originais


Cada um traz, ao nascer, os frutos doces ou amargos da sua evolução.


“A cada um será dado de acordo com as suas obras.” 
Jesus. (Mt., 16:27.)


No natural rolar dos evos, fomos convencidos (e às vezes obrigados) a crer em tantos absurdos, dentre eles a eternidade das penas, pecado original, existência do demônio, unicidade da existência, etc., que hoje, do ponto de vista que o Espiritismo nos situa, ficamos pensando como foi possível acreditar em tanta tolice, em tantos dogmas mentirosos e como ainda é possível existir quem os acoroçoe!...

Kardec é muito explícito ao afirmar[1]: “(...) o Espiritismo, ainda que só fizesse forrar o homem à dúvida relativamente à vida futura, teria feito mais pelo seu aperfeiçoamento moral do que todas as leis disciplinares, que o detêm algumas vezes, mas que o não transformam.

Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um contrassenso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas consequências naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas e não das de outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.

Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente traz, ao renascer, qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente traz ideias inatas; identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más tendências vive ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer.  Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou, antes, o vício original”.

Perfeitamente sintonizado com Allan Kardec, aduz Léon Denis[2]: “(...) só a lei dos renascimentos poderá fazer-nos compreender como certos Espíritos, encarnados, mostram, desde os primeiros anos, a facilidade de trabalho e a assimilação que caracterizam as crianças-prodígio. São os resultados de imensos labores que familiarizaram esses Espíritos com as artes ou as ciências em que primam, longas investigações, estudos, exercícios seculares dei­xaram impressas no seu invólucro perispiritual marcas profundas que geram uma espécie de automatismo psicológico. Nos músicos, notadamente, essa faculdade cedo se manifesta, por processos de execução que espantam os mais indiferentes e deixam perplexos até mesmo os sábios.

Existem, nesses jovens, reservas consideráveis de co­nhecimentos armazenados na consciência profunda e que, daí, transbordam para a consciência física, de modo que produzem as manifestações precoces do talento e do gênio. Posto que parecendo anormais, não são, entretan­to, mais do que consequência do labor e dos esforços continuados através dos tempos.  É a essa reserva, a esse capital indestrutível do ser, que F. Myers chama consciência subliminal e que se encontra em cada um de nós; revela-se não só no senso artístico, científico ou literário, mas também por todas as aquisições do Espírito, tanto na ordem moral, quanto na ordem intelectual.

A concepção do bem, do justo, a noção do dever são muito mais vivas em certos indivíduos e em certas raças do que noutros; não resultam somente da educação atual, como se pode reconhecer por uma observação atenta dos indivíduos nas suas impulsões espontâneas, mas também do cabedal próprio que trazem ao nascer. A educação desenvolve esses germens nativos, faz se expandam e produzam todos os seus frutos; mas, por si só, seria incapaz de incubar tão profundamente aos recém-vindos as noções superiores que lhes dominam toda a existência, o que cotidianamente é verificado nas raças inferiores, refratárias a certas ideias morais e sobre quem a educação pouca influência tem.

Os antecedentes explicam, igualmente, as anomalias estranhas de seres com caráter selvagem, indisciplinado, malfazejo, que aparecem de repente em centros honestos e civilizados. Têm-se visto filhos de boa família cometer roubos, provocar incêndios, praticar crimes com audácia e habilidade consumadas, sofrer conde­nações e desonrar o nome que usavam; em certas crian­ças citam-se atos de ferocidade sanguinária que não encontram explicação nem nos seus próximos parentes, nem na sua ascendência. Já em sentido oposto podem registrar-se casos de dedicação extraordinários pela idade dos que os praticam; salvamentos são efetuados com reflexão e decisão por crianças de dez anos e de menos idade. Tais indivíduos como os precedentes, parecem trazer para este mundo disposições particulares que não se encontram nos parentes. 

Assim como se veem anjos de pureza e doçura nascerem e crescerem em meios grosseiros e depravados, assim também se encontram ladrões e assassinos em famílias virtuosas, num e noutro caso em condições tais que nenhum precedente atávico pode dar a chave do enigma. Todos estes fenômenos, na sua variedade infinita, têm origem no passado da alma, nas numerosas vidas humanas que ela percorreu; cada um traz, ao nascer, os frutos da sua evolução, a intuição do que aprendeu, as aptidões adquiridas nos diversos domínios do pensamen­to e da obra social, na Ciência, no comércio, na indústria, na navegação, na guerra, etc.; traz habilidade para tal coisa de preferência a tal outra, segundo a sua atividade se exer­citou num ou noutro sentido.

O Espírito tem capacidade para os estudos mais di­versos; mas, no curso limitado da vida terrestre, por efei­to das condições ambientes, por causa das exigências materiais e sociais, geralmente só se aplica ao estudo de um número restrito de questões e, desde que sua von­tade se encaminhou para qualquer dos vastos domínios do saber, em razão das suas tendências e das noções em si acumuladas, sua superioridade neste sentido declara-se e define cada vez mais; repercute de existência em existência revelando-se, em cada vinda à arena terrestre, por manifestações cada vez mais precoces e mais acentuadas.  Daí as crianças-prodígio e, em forma menos distinta, as vocações, as predisposições nativas; daí, o talento, o gênio que são o resultado de esforços perseverantes e contínuos para um objetivo determinado.

Que a alma é chamada, todavia, a entrar na posse de todas as formas do saber e não a restringir-se a algumas necessidades de estágios sucessivos, demonstra-se simples fato da lei de um desenvolvimento sem limites. Do mesmo modo que a prova das vidas anteriores é estabelecida pelas aquisições realizadas antes do nascimento, a necessidade das vidas futuras impõe-se com consequência dos nossos atos atuais, consequência que, para campo de ação, exige condições e meios em harmo­nia com o estado das almas.

Atrás de nós temos um infi­nito de promessas e esperanças; mas, de todo esse esplendor de vida, a maior parte dos homens só vê e só quer ver o mesquinho fragmento da existência atual, existência de um dia, que eles creem sem véspera e sem amanhã.  Daí a fraqueza do pensamento filosófico e da ação moral na nossa época. 

O trabalho anterior que cada Espírito efetua pode ser facilmente calculado, medido pela rapidez com que ele executa de novo um trabalho semelhante, sobre um mes­mo assunto, ou também pela prontidão com que assi­mila os elementos de uma ciência qualquer.  Deste ponto de vista, é de tal modo considerável a diferença entre os indivíduos, que seria incompreensível sem a noção das existências anteriores”.     


 

[1] - KARDEC, Allan. A Gênese. 43.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. I, itens 37-38.

[2] - DENIS, Léon. O problema do ser do destino e da dor. Rio: FEB, 2008, 2ª parte, cap. XV, p. 338-342.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita